domingo, 27 de dezembro de 2009

os quatro segundos que me provaram
que é fato: o mundo é um troço insano.
que eu não sei lidar com isso que me deram
-eu quero livrar-me de entrar pelo cano.

eu quero sair já desta paranoia,
e se eu não fugir depressa e correndo
eu vou é morrer, me matar joia, joia,
ou enriquecer, viver joia morrendo

e isso não passa de um vaticínio.
estou é à cata de um grã-futuro;
se sobre as pessoas exerço fascínio,
juro, isso me soa como um apuro.

o meu capacete na manhã urgente
é o meu lembrete de que sou humano.
minha bicicleta e toda essa gente
me provam asceta: mundo troço insano.

26 12 2009



vai encontrar esta noite um amor sem pagar

I-denúncia

carros.
estacionam.
garotos.
olhos felinos.
amor premioso.
amor premiado.
estrelas binoculares.
punição cósmica.
nuvens cor-de-carne.
carne desejada & carne sem desejo.
eis. o. beijo.
paixão estacionada.
carros.


II

havia um quê de serenatas. nada se ouvia, contudo. até o enrustido ronco dos motores parecia não ter som. nada, nada se ouvia. as famílias dormiam em paz. em volta da praça os carros dançavam obscuros e silenciosos feito urubus. no afresco da noite, um véu nublado, uma estrela esquecida, árvores resmungonas e olhares ocultos. alguns carros, mais caros que casas às vezes, traçavam rotas avulsas para o mesmo fim: a felicidade comprada -ou o sangue encantado-, tentando provar para seus donos que a impotência se cura com gasolina, muitas cilindradas e sexo sem palavras. a angústia muitas vezes atravessava os sussurros mercenários. muitos ainda não entendem como funciona o capitalismo do amor, mas, por falta de intuição, nós temos o instinto. a Lua envergonhada se cobre para ninguém vê-la vermelha. e aqui o amor funciona como deve funcionar, sem serenatas, sem som, sem nada.

27 12 2009

sábado, 26 de dezembro de 2009

Amor irreversível.

Saí do carro irritado, não por ter sido um mal natal, mas sim porque eu teria que andar até em casa. Mas depois caí em mim mesmo novamente. Eros, caro Eros, desde quando andar é um problema? Você sabe que não é. Andei até o metrô Carrão, porque eu estava com sono e queria ir logo pra casa. Subi as escadas rolantes, ou melhor, as escadas rolantes me subiram até a plataforma vazia -e como ficam românticas essas plataformas de metrô durante a madrugada, nunca havia percebido. Encatraquei-me e as escadas rolantes me desceram da plataforma da minha vida, e eu arrastei os meus chinelos barulhentos pelo chão imundo dos meus sentimentos empoeirados. Debrucei-me em um muro e espiei as pedras, aquelas pedras que já devem ter o dobro ou triplo da minha idade, e prestei atenção nas luzes que vinham do leste, sempre na esperança de que alguma delas fosse o meu trem.
Senhores passageiros do metrô, informamos que nossas atividades terminarão em doze minutos. Lembrem-se de que o serviço é garantido apenas até meia noite.
Eco na estação quase-fantasma. Que maravilha, pensei. A noite é muito, muito poética. Passou pela minha cabeça a hipótese de eu ter perdido a oportunidade de economizar os últimos créditos do meu bilhete único -que na verdade já deixou de ser único há um bom tempo. Súbito senti uma angústia que me lembrou você, naquela época onde tudo era líquido e impermeável. Olhei pra trás, além de mim havia uns quatro outros, sozinhos, perdidos na noite, atrasados, angustiados, talvez, como eu.
Senhores passageiros do metrô, informamos que nossas atividades terminarão em seis minutos. Lembrem-se de que o serviço é garantido apenas até meia noite.
Eco na noite quase-fantasma. Que bosta, disse em um volume que só eu mesmo podia ouvir. E voltei a cantarolar, porque quem canta os males afasta, e eu inquieto parecia dançar, porque meus braços se cruzavam, e de repente já estavam no meu bolso, mas não havia porquê de me preocupar, já que não tinha a quem dissimular alguma calma naquela estação, tão vazia como eu. E muitas luzes passavam pelo horizonte, mas nenhuma delas era a do meu trem. Assim como naqueles dias os e-mails que eu recebia nunca eram os teus, as ligações não eram tuas e os torpedos idem. Eu pensava que nós nos esbarraríamos providencialmente, mas não passava de um sonho tosco de um moleque de dezessete anos sem maturidade, sem consciência.
Senhores passageiros do metrô, informamos que nossas atividades terminarão em dois minutos. Lembrem-se de que o serviço é garantido apenas até meia noite.
Eco na minha cabeça quase-fantasma. Não sei se parei de cantar. O relógio indicava meia noite e meia. Achei que estivesse tudo perdido. Quis falar com os meus colegas de angústia, mas não sei se eles queriam ser incomodados. Olhei para o céu, este céu que não tem estrelas, para a Lua, quase coberta por uma nuvem censora cor de carne. Será que as estrelas ficam angustiadas? Será que...
Informamos o término das atividades comerciais do metrô. Lembrem-se de que o serviço é garantido apenas até meia noite.
Minha cara incrédula devia soar no mínimo engraçada, o que é uma pena, já que ninguém a viu. Pisei alguns passos em busca de uma orientação magnética. Nada me puxou. Meus colegas continuaram. Pus as mãos nos bolsos traseiros. Olhei para o horizonte iluminado artificialmente. Pensei angustiado nesse meu amor irreversível. Mas, diferente de você, o trem veio, e eu fui pra casa confortavelmente.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O texto das dezesseis horas.

Mas eu te espero na porta das manhãs, porque o grito dos teus olhos é mais e mais e mais, e depois que você partiu, o mel da vida apodreceu na minha boca.Alinhar à direita
Tom Zé


Hoje boicotei mais uma manhã, porque desisti delas -todas muito vulgares, essas manhãs indecentes-, de todas elas -até a obrigação me impedir de boicotá-las novamente. Comi um peixe -hoje eu defendo e piscicultura, única e exclusivamente a piscicultura, pelo fato de eu temer um dia ser comido por um peixe-, e o macarrão tinha muito óleo de oliva. Não tinha bebida, mas em contrapartida pus o Pucho & His Latin Soul Brothers pra tocar, pra parecer um pouco mais chique (embora uma pessoa com geografia zê-életista, "anômala" sexualmente e com um gramado na cabeça esteja bem longe de se encaixar em uma esteriotipação "chique" -yes! livre de mais um estigma!), e comi pensando em várias coisas que logicamente eu não lembro mais. Li uma resenha sobre o Graciliano Ramos, um resumo feito pela minha mãe sobre planos anti-inflacionários no Brasil, e já me dei por vencido. Peguei um livro de História do Brasil, outro de História Geral, um chamado Mercado Financeiro, e percebi que nas minhas atuais circunstâncias eu não conseguiria lê-los sem ser acometido por um feroz sono. Lembrei de uma música do Tom Zé, que me lembrou mais uma vez o Daniel. Aqui faz um calor absurdo e o meu nariz irritado 'tá me irritando com sucesso. Quero tomar um banho que não vai me limpar, porque eu já estou limpo. O Jackson me ligou, espero que ele não se importe com o meu new diesel green hair. Foda-se se ele se importar, eu não vou casar com ele mesmo. Acho que o Francisco desaprovaria o meu cabelo novo, porque ele é muito sério. Mas foda-se também; desculpe baby, eu vou viver mais pra mim, eu vou correndo buscar a glória. Viciei em um estilo de música, um eletro-jazz, eletro-samba, eletro-bossa, eletro-soul, achei extra-easygoing pra estudar, melhor do que o Ravel, o Gershwin e o Debussy que eu 'tava ouvindo antes. Talvez eu esteja me boicotando, mas se o tio Freud 'tivesse aqui eu virava pra ele e rispidamente diria logo que "ó, tio! eu quero tomar banho sim e acabou!", ao que ele estupefato viraria as costas e sairia pra dar uma cheiradinha, já que nunca soube falar português -blefe. E pra quem é partidário dele, estou aqui desafiando: quero que vocês me impeçam agora de ir tomar um banho!
Vocês acham mesmo que conseguem? Bando de impotentes!

O texto das quatro horas.

É na madrugada indiferente, e por isso inexoravelmente tolerante, que eu pretamente saio, com meu cabelo verde e meu capacete dourado, após uma maratona de leitura sobre geopolítica (um "estudar" entre aspas, devido ao grande número de digressões mentais de fundo virtual, armadilhas que o hipertexto e a obrigação do status nos prega), acompanhado do meu alazão, grã-Heloísa, amiga minha há um ano e meio.
Como são amigas minhas essas ruas, apesar dos demais aventureiros motorizados -ai! eu odeio dividir espaço!- que também por elas vagam, feito eu, um retardo mental voluntário, pelas quatro horas da manhã, sob este céu que não tem estrelas. Divisa da Água Rasa, Anália Franco, até a boquinha da Vila Formosa, essas artérias cujos nomes eu sempre esqueço, e que pra mim só têm utilidade quando eu as "domino" -sim! entre aspas, porque jamais passará de apenas sensação-, preenchendo o impreenchível com a minha voz rouca de quatro semanas (e portanto um mês) com as melodias do Ivan Lins que eu tanto gosto -mas é porque o meu mp4 player fatalmente mudou de dono.
E que prazer esse meu agora, escrevendo este texto sem valor estético algum, com a companhia invisível do Ennio Morricone, nesta escrivaninha desarrumada como a minha cabeça, e eu até penso que sou mais feliz do que pensava -mas isso é um pensamento de aluguel, já sei da perenidade & perpetuação da minha felicidade! Ontem, enquanto meu cabelo deixava de ser castanho para se tornar diesel green, fixei meus olhos nos olhos da minha amiga Daniela e disse-lhe com uma firmeza de fundamentalista, que certamente o nosso futuro ia ser muito legal, e isso era absolutamente certo -o oposto seria insólito.
Quero concluir isto agora. Amanhã tem mais Economia, e História, e Literatura, e talvez à noite eu vá ao cinema com o Jackson, assistir a um filme muito ruim do Cinemark, mas é só porque ele vai pagar -pelo menos eu espero. Acho que vou salvar este texto, agora às quatro e quarenta e oito -segundo o horário psicopata deste meu PêCê psicopata-, e ir me olhar no espelho, e talvez eu até sorria.
Talvez nada, eu vou sorrir e acabou!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Nem sei se eu publicava isto aqui. Mas depois eu pensei que, como o meu blogue tem apenas três leitores (isso surpreendendo todas as expectativas), que apesar de três são suficientemente qualitativos, não havia porquê de não publicar.
Esta poesia eu a escrevi faz um certo tempo, alguns meses, e como eu não sei onde está o caderno onde escrevi mas a sei de cor, não me preocupei com a data. Foi conversando agora há pouco com a Heloísa (andando com ela no bairro vizinho chamado Anália Franco, que estatisticamente é um dos que mais concentra capital aqui na zona leste -igual ao meu!), e contrariado em "ter que ler" o Vinícius de Moraes, que decidi colocar isto aqui, elegendo como mote deste impulso o meu descontentamento com o poetinha.
Eu vou dedicar isto aqui à Luciana, porque eu 'tô com saudade dela! Perdão antecipado pelas generalizações e pelos anacolutos.



Carta a uma rola.

Minha amiga, não quero que me condenes
Pelas minhas opções, e nem quero que você
Me siga, afinal, se eu tenho um pênis,
Não quero ouvir sermões, eu só quero é foder.

Sou um cara bem didático, só um cara bem didático.

Está na Bíblia, que se eu sou um pederasta
Eu vou pro Inferno, já que eu não vou para o Céu.
Oh! Minha filha, eu não sou iconoclasta:
Chega perto, tira logo esse chapéu!

Eu vou beijar a tua cabeça!
Eu vou beijar a tua cabeça!

(Nenhuma poesia fecha, é tudo aberto, o sangue, as unhas flecham... Onde estão os anjos, onde está você?)

domingo, 20 de dezembro de 2009

Domingo em mim.

E estou acordado, caindo neste abismo porque perdi teus braços, e agora sem eles não tenho mais em que segurar. Não posso mais ouvir Radiohead sem pensar em você. Não posso mais ouvir o Yann Tiersen sem lembrar das noites nas quais tentamos ver o Amelie Poulain. Não vou mais ir ao Habibs sem lembrar daquelas madrugadas famintas. Hoje à noite, cansado de tanto ler -e esse vestibular só não é mais chato do que o Vinícius de Moraes- fui ao parque Sampaio, porque a minha bicicleta chamada Heloísa e eu queríamos espairecer, e os meus vizinhos estavam felizes e sonoros demais para a minha vaidade. Senti falta do meu mp4 player, que eu perdi há duas semanas, porque ele era parte da minha terapia (e eu sou viciado apenas em chá gelado, em pessoas e em música -roer as unhas, confesso, vocês sabem, é outro vício), e não tenho muito com o que relaxar ultimamente. E no parque, que estava especialmente vazio hoje (as pessoas do meu bairro estão acampando nos shoppings -e domingo é o dia onde o êxodo tem sido mais violento) tive medo, vi algumas estrelas perdidas entre as copas negras das árvores cansadas de tando tédio dominical -como eu-, que só deviam estar ali de passagem, migrando pra algum lugar importante, como Porto Alegre ou Punta Del Leste. A escuridão sufocou o meu coração vazio, já que ele estava mais oco e solitário do que todas aquelas sombras teimosas, mais insistentes que a impotente iluminação do parque. Em um instante pensei que a minha disposição havia caído da bicicleta e escorregado para o bordo daquelas vias precárias. Mas era mentira, deixei minha disposição em seu apartamento naquele domingo insólito, e fui sem rosto (tal como uma pintura metafísica do De Chirico) para o parque do Ibirapuera encontrar com os meus amigos. O parque Sampaio continuava vago, como a minha vida, e eu lembrei de tudo, do domingo, do Habibs, do Yann Tiersen, do Radiohead e, minha nossa, eu não tenho motivos para gostar assim dessa banda, mas eu às vezes a ouço, e às vezes ouvindo lembro de você, e lembrando de você não sei se quero sorrir, chorar, lembrar ou esquecer -talvez o meu problema seja querer fazer os quatro simultaneamente. Então eu fechei os meus olhos porque a brisa da noite ia limpar a minha alma, mas concomitante a isso Heloísa (acompanhada da minha estupidez maníaca) me levou para a direção errada e eu caí no bordo, que estava lama pura. De fato, minha disposição não estava lá, só havia lama, mas eu a confundia com a minha própria matéria, porque eu estou derretendo, eu estou acordado e caindo neste abismo, e é por isso que eu flutuo de medo e angústia nesse domingo. É porque eu ainda não atingi o solo.

Ação metabólica.

Uma pirataria cega o guiava, porque tinha olhos de roubar, mas eram líquidos e traziam uma impotência desesperada à visão.
Emergencial, como o azul do céu.
Uma vontade sorvetante e carente, porque era fria e seca, chupava tudo à sua volta, as paredes de concreto, as placas de acrílico, as superfícies de alumínio, cortadas pelas estacas dos homens, feitos de corações rasgados e exaustos -essa é a magia da cidade.
Um amor perigoso disputava locação com aquele ar abafado, que não conhece a liberdade nem nunca pagou a conta do analista.
Senhoras sentadas em estrelas ministravam as lições do rebanho, era hora de se ficar quieto, no sofá, quie-ti-nho! Mas eu não me preocupava com a lei, quem faz meu carnaval sou eu (percebo agora o real significado desse lema, que é: não dou a mais ninguém o direito de cavar meu próprio túmulo).
O motorista governava a grande minhoca metálica, nessas pulsações elétricas que dão origem àquela sensação que só quem mora neste lugar que não tem estrelas sabe o que significa. Esse magnetismo da morte, que a gente adora, porque aprendeu a apreciar esse perfume de dióxido de carbono, descobriu o prazer de se banhar nessa bacia de chuva ácida (com direito a indisposições estomacais autoimunes), e se doutrinou com a filosofia de pensar da cidade, andando sempre naquela velocidade das informações, achando que é feliz por navegar nesta nave imunda, esse cometa chamado estresse.
E, nessa noite, as senhoras sentadas em estrelas comunicavam aos brasileiros o que fazer amanhã, e eu viajava, e seus olhos de roubar, apesar de líquidos e de trazerem uma impotência desesperada à visão (emergente como o azul do céu), chupava tudo à nossa volta, todas as coisas concretas -aquelas feitas por homens de corações rasgados e exaustos- e todos as minhas vontades sangrentas e cósmicas, minhas cores e as minhas covinhas e todos os seus dezessete anos de sorrisos e afetos.
Descobri-me dentro de um túnel, que eu não sei se era de aço e concreto ou se simplesmente eu fora hipnotizado, e eu não sabia no fim do caminho que tipo de abismo eu encontraria (a minha convicção apenas me fazia acreditar de que sim! tratava-se de um abismo).
O ar abafado ainda disputava aquele amor perigoso, emanado por ele. Devia ser alguma ação metabólica, ele substituía tudo por aquele cheiro de paixão conveniente, devia ser como respirava.
Enfim, sorri. Olhei para ele e então abri a minha boca, ainda seca de solidão, notei que o túnel expirara e agora uma luz de coisa fechada enchia o ambiente. Visualizei em letras comerciais a palavra "Sé", então conformei-me com a logística dos homens, desci do trem e esqueci dele para pensar em outra coisa qualquer, que certamente preencheu o meu intelecto com mais competência.

Delírio existencial.

É a coisa que os homens fazem, transformar tudo em poesia o tempo inteiro, embora todos eles neguem. Quando olho pr'este céu que não tem estrelas, ou espremo a minha vista tentando conquistar as tantas paredes precárias deste meu bairro de mentira, é que não tem nada mais nessas coisas que eu procure que não seja poesia, pra abastecer meu coração de energia. Quando dissimulo afeto (ou simplesmente me envolvo) por uma aranha que mora na janela do banheiro, busco poesia, e quando me deixo levar pela pseudo-rebeldia implícita nas moléculas etílicas de um bombeirinho (pr'arranjar pretexto para dizer às pessoas aquilo que eu não tenho motivos para falar quando eu estou sóbrio) busco poesia, e quando eu me sinto sozinho, abstêmio de amor, é nela que me refugio, a ponto d'eu não conseguir mais saber diferenciar o que é real do que é poético, o que é sonho do que é palpável, o que é sensato do que é invisível.
Acho que estou entrando em outra dimensão.

[Samanta está viva! Cuidando da prole. Confesso, estou com um receio (bobo, talvez) de ter minha casa infestada por suas descendentes...]

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Di-Agressões Avulsas.

Nem sei por onde começar.
Os textos longos ninguém os lê mais! Li uma crítica esses dias no blogue do Jean Wyllys sobre esse fenômeno da twitterização, de como hoje as informações têm que se prostituir adaptar a espaços cada vez mais curtos de difusão. O twitter seria o símbolo da cristalização desse processo, responsável por tornar o texto curto, com déficit de qualidade, como o padrão ideal de jornalismo. Daqui a algum tempo, pelo visto, os jornais virarão zines, a TV Minuto será transmitida na TV aberta, as músicas terão vinte segundos de duração (como as músicas no grindcore já têm), as semanas virarão dias e as noites serão perenes, já que o dia será abolido para se economizar luz.

Não sei se estou com remorso. Sei que eu não posso me sentir confortável depois de tantas richas que eu e a minha amiga Samanta, que mora na janela do banheiro, tivemos. Hoje, durante o banho, soprei-lhe para ter certeza de que estava viva, como sempre o faço, e notei que desta vez não se mexeu, mas em contrapartida, de uma bolsa cinza trocentas samantazinhas saíram correndo assustadas (mais ou menos parecido com o horário de rush do metrô). Concluí que, oh!, sim, o milagre da vida, que na verdade não é um milagre mas sim um evento logicamente previsto, desta vez teve como cenário a janela do meu banheiro. E agora eu não sei se a Samanta foi pro céu, não conheço a vida das aranhas.
Mas eu sempre pensei que elas botassem ovinhos.

Fiquei em dúvida se punha a minha bermuda quadriculada, que é quadriculada mesmo eu não sendo um bom jogador de damas ou xadrez. Mas felizmente eu saí da dúvida e pus uma bermuda lisa, que tinha mais a ver com a camisa que eu ia usar.
Ponto.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Declaração de amor ao Acaso ou Saudades de quando a gente ia no Habibs às três da manhã, que ficava do lado da sua casa.

Dissecando os textos de um não-robô, com o qual eu casualmente trombei aqui neste mundo virtual, que também não tem estrelas, encontrei uma pérola (acredite, dentre várias outras) cujo mágico brilho me lembrou, que o acaso pode ser o instrumento mais eficiente a ser usado por esta minha deusa chamada Felicidade, se manejado com técnica e sabedoria. Oras, juro que me esforço para extrair do acaso tudo o que ele pode me oferecer de melhor (desde refrigerantes distribuídos gratuitamente em uma praça qualquer até madrugadas maravilhosas incluindo licor de jabuticaba e batatas da perna carnudas), isto é, como bem me lembrou esse mesmo camarada, pra que serve um medo, senão para ser enfrentado? Se as coisas acontecessem na minha vida um pouco mais solidamente, do jeito sólido como eu vejo que esses robôs que me rodeiam -como me sinto sozinho!- vivem, eu surtava de desgosto mesmo! Viver o insólito -quando se tem oportunidade e capacidade para fazê-lo- é a coisa mais magnífica que um homem pode esperar, e é pensando que em um dia tudo em minha vida será inovador e surpreendente eu afirmo: não perdi todas as esperanças!, estou aqui colhendo as evidências que estão espalhadas neste chão sem fundo para provar -pelo menos para mim mesmo- de que vale à pena continuar vivendo como hoje vivo.
Estou louco, louco, ansioso mesmo, para que o meu acaso me pregue a próxima peça -e se isso não acontecer logo vai ser duro & chato de aguentar, e na verdade já está demorando e já está sendo duro & chato, PRONTOFALEI!!-, e quero encerrar este texto citando aquele meu amigo não-robô do primeiro período (e eu aposto que ele nem se lembra da passagem que eu citarei);
[Preste atenção ao seu dia. O inesperado nos aguarda em cada esquina. Não o procure, ele o encontrará.]

Deixa eu dizer.

Eu olhei pra este céu -que era estrelado-, e ele nublou de nojo de mim. Perguntei-lhe o porquê de tanta repulsa, e ele apenas me respondeu com uma garoa antipática que era simplesmente pelo fato de eu existir que ele agia daquela maneira. Bradei-lhe raivoso que não me fizesse mais penar, ao que o estúpido respondeu com trovoadas arrogantes e prepotentes, cujo estrondo provocou em mim um efeito nauseante.



As coisas me abandonaram. Pensei nesta noite que as coisas simplesmente deixaram de se apaixonar por mim, e passaram a simplesmente não se apaixonar mais, decididas a se filiar a uma ideologia maldita, de que o não-envolver-se é a receita ideal para quem não quer sofrimento. Mas quem nunca se envolveu em vão jamais saberá o significado de "sofrimento".
A aranha chamada Samanta, que mora na janela do banheiro, falou pra mim que não se importa não, que nunca vai se casar nem nada. Oras, me casar eu também não quero! Mas eu também não quero -e olha, cara Samanta, você vai me perdoar!- ficar a minha vida inteira tendo só aquelas relações super-líquidas que ela tem, porque os meus sentimentos podem não ser estáticos, mas também não são descartáveis!

[Sei que agora existe por aí uma aranha que tá brabinha, sapateando de raiva, mas é a mais pura verdade! A Sammy não sabe o que é amor!]

Vejo cada vez mais pessoas interessadas em defender uma ideologia pró-galinhagem ou pró-casamento, como se não houvesse uma transição entre esses dois universos, como se não se pudesse sustentar relações que não pertençam a nenhum desses dois pólos. Penso em um mundo utópico no qual as pessoas amem conforme a intensidade dos relacionamentos dos quais elas fazem parte. O que eu vejo hoje é principalmente pessoas interessadas em não sustentar de forma alguma relações, ou então pessoas encantadas com o sonho -tão, por Nietzsche, ultrapassado- de encontrar um príncipe encantado, pra casar bonitinho, e o escambau.
Nada, em absoluto, declaradamente contra as relações efêmeras ou as duradouras; minha crítica aqui é contra a ideologia que vicia os indivíduos, que sonham primeiro com o tipo de relação que querem ter, pra depois selecionarem os parceiros. Mas isso na verdade é uma tentativa de desabafo. Não consigo mais encontrar pessoas civilizadas para manter qualquer tipo de relação decente, seja ela instantânea ou longa, amorosa ou amigável. Não encontro tipos com os quais me apaixonar! Estou me sentindo muito frio. Talvez eu seja um puta cara arrogante.
Talvez não.
A Samanta, que é a aranha que mora no canto da janela do banheiro, e é com quem eu converso todo dia quando vou tomar banho -até o dia em que um de nós dois morrer primeiro-, me deu uma sugestão, de ir catar coquinhos, de tanto que lhe enchi a paciência de ficar falando de amores (ultra)passados. E que ótimo! Ela não foi sequer a pioneira. Tudo aqui, o disco e os postais pendurados na parede, o Vincent Guaraldi Trio, o Mário de Andrade, o meu cachorro Natalino (que eu chamo de Natan quando estou de bom humor), minhas roupas espalhadas, as lichias emboloradas dentro do tapperware branco de tampa azul e até o meu auto-retrato pendurado na parede (que consiste em dois pregos segurando duas cartolinas coladas com fita adesiva com um desenho muito tosco feito com spray preto) estão aqui me sugerindo, que se eu não parar logo de ficar me lamentando, vão todos eles embora, me deixar aqui, sozinho, pelado com o meu desassossego, juro que disseram isto!!
Agora, se o meu desassossego gosta ou não de homem, é problema dele: eu só sei é que ele não faz nem um pouco o meu estilo, e não larga do meu pé. Se alguém quiser me devolver o sossego, estou abertíssimo, vocês sabem onde eu moro, se não conseguirem me achar pelas estrelas -já que São Pedro as tirou deste céu paulistano para presentear os nova-iorquinos- é só perguntar para o mendigo lunático que está sempre dançando sobre uma caixa de concreto (não faço idéia do que seja aquilo: a caixa e o lunático), ao lado da saída do metrô Consolação -sentido centro. Não garanto que ele lhes responderá, mas o passeio pelo menos não será perdido (o ar-primeiro-mundo da Paulista nunca é um passeio perdido).
Lunático estou eu aqui, escrevendo desesperadamente, lutando contra essa minha frieza -e eu confesso, amigos: SOCORRO, JÁ NÃO SINTO NADA!! A coisa mais intensa que eu sinto agora é uma maldita dor na língua causada, suponho, por uma afta. Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa 1.0.12, afta é uma pequena ulceração superficial dolorosa, observada ger. na mucosa bucal e mais raramente na mucosa genital, de causa desconhecida, com recidivas atribuídas a vírus ou fungos, desequilíbrio hormonal, problemas alimentares ou estresse, podendo apresentar-se isolada ou associada a doenças sistêmicas, isto é, afta é um saco! Mas vejamos do ponto de vista positivo: pelo menos não é uma afta genital!!

[Este texto é um exemplo do que acontece ao sujeito quando ele não está nem um pouco preocupado com concepções literárias estéticas, relacionadas à coesão, problemas de digressão, e não teve um pingo de disciplina e ascetismo na infância. Uma subversão total, da qual vós, leitores, sois vítimas. É claro, vós que chegastes até aqui.]

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Este texto eu o desenterrei. Acho que ele representa uma época muito importante pra mim.
Como eu espero sair deste buraco-negro...




quando eu subo
apartamento as dores
e a porta abre
e eu vejo as tuas cores
a noite passa
e eu me deploro submisso
à tua massa
e eu te exploro e eu te dispo
as tuas mordidas no meu pescoço
me enchem de tesão até o osso
e as tuas mãos seguras
me protegem no teu ombro
da noite obscura
que é linda e um assombro
quando eu acendo e te toco feito bicho
a gente ama, e não importa o luxo ou o lixo
(as tuas mordidas no meu pescoço...
quando deita e me beija o meu moço)
e eu durmo sem pensar qualquer verdade
porque sei que estou vivendo a eternidade

21 9 2009

domingo, 13 de dezembro de 2009

Das coisas irreversíveis.

A irreversibilidade é inesquecível.
Contudo o homem finge que ela não existe, age segundo suas ideologias, mas ignora a irreversibilidade. E quando não a ignora, também não consegue descobrir sua dimensão.
As coisas morrem.
Os outros diriam que elas evoluem, ou se transformam, não está errado! Mas o homem sacraliza tudo. Todas as coisas têm formato, cheiro, sentimento e atributos psicológicos. E todas essas coisas morrem! deixam de sê-las simplesmente, e passam a não ser mais.
Cheirando esta luva, porque eu adoro cheirar, percebi que São Pedro está tornando cada vez mais evidente o estado de irreversibilidade (notem que eu falo em evidência, não em condições: a irreversibilidade é onipresente) nesta cidade sem estrelas chamada São Paulo.
Enquanto o deus do amor escreve isto, uma hora depois de assistir um filme chamado Reversível, que trata de coisas irreversíveis, alguém aqui nesta cidade certamente está com aflições parecidíssimas com a minha. Sei que há mais alguém aqui, no meio desses milhões de pessoas, preocupado com dores na língua, ou em perder o tempo de forma competente, falando sobre irreversibilidade, ou com a boca ressecada de solidão, e chamado Eros, ou que ouça Claude Bolling depois de uma madrugada de disco-rock alternativo, que aspire as coisas que eu respiro, que passe por dificuldades como eu as passo, para tentar provar a si mesmo que a felicidade não existe, sendo que ela existe, mora muito bem na Cerqueira César, vive muito bem, com centenas de escravos hodiernos e produtos importados mais caros que a minha nuca, e a ela eu não terei acesso.
Olho para uma semana atrás, e tenho certeza da irreversibilidade que ela representa. Isso não deve ser muito importante, para falar a verdade. Apenas me fascina. Me fascina como me fascina a fatalidade de grande parte das relações nas quais tenho ingressado com uma expontaneidade de demente, e que na verdade têm me feito duvidar de sua própria validade.
Desconheço grande parte da logística real das regras ortográficas embutidas no meu cérebro. Isso não deve lá ser muito importante neste instante. Quero comer uma pizza que me trará uma alegria instantânea, e cuja digestão será irreversível. Quero comer uma pessoa, o que também me trará uma alegria instantânea, e sei que isto também será irreversível. Nada é reversível, as coisas podem apenas ser contornadas; não significa voltar os ponteiros.
Reversível é a expressão máxima do que o cinema atualmente é capaz de fazer, elevando o realismo até as últimas consequências. Me gusta! A ciência (estou falando do cinema) também evolui. Irreversivelmente.
Quando der oito horas da noite (e então será irreversível pensar nas horas que a antecederam) vou acordar minha mãe e nós iremos comer pizza. Também será tarde demais, porque eu já terei ouvido pelo menos duas músicas do Projeto B. Ou não. O futuro não é reversível, é apenas desenhável.
Escrevo este texto porque algumas das minhas roupas estão cheirando a mofo. Estas minha luvas também estão. Trocarei por outro par. Minha fome não é reversível: é contornável. Não existem duas fomes iguais. Eu iria a uma churrascaria. Minha mãe nem deve ter dinheiro. Nem é tão interessante isso tudo, ser escravo do tempo, sei lá, é? Nem deve ser. Só sei do significado das coisas evidentes relacionadas a isso.
Quero sair da rouquidão.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Solidão.

Quando eu percebi que estava na passarela do metrô, fechei os olhos e pensei em alguém com uma dor amarela -e quando as coisas amarelam, é porque já passaram dos meus limites-, vestido igual a uma pessoa normal. Quando os abri (os meus olhos de pessoa normal) continuei pensando na passarela, mas segui deixando o meu rastro amarelo, de raiva.
E quando entrei no metrô esqueci para onde eu ia, porque me confundi, e de repente pensei que meu caminho era você, mas já não havia você. Então me lembrei de que você já tinha ido embora e segui minha viagem, para algum cinema vazio, tão mofado como o meu coração.
Quando a porta do metrô se fechou, pensei em cada vulto, que eu jamais veria novamente, quando o trem acelerasse. Azar! Meu príncipe não é nenhum deles, pensei. E quando ri discretamente, porque lembrei de você, percebi que estava te deixando na estação Paraíso, e indo diretamente pro Inferno.
E então peguei uma cartela com aqueles chicletes caros que eu não tinha com quem dividir, assim como eu não tinha como dividir com ninguém a minha nova cueca, nem a minha velha retórica. Na bilheteria o meu reflexo no vidro blindado, que era blindado para as pessoas não terem relações sociais estreitas com os atendentes, refletia a minha cara amarela, de vergonha.
Antes da sessão, parei em um boteco próximo, e pedi um cariri com mel, para aquecer o meu coração de carbono. E sentei, apoiado no balcão, esperando que alguém me desse a ignição, para eu entrar em combustão mais uma vez. Mas ninguém veio e eu voltei para o cinema.
O filme era bom. Não sei sobre o que era exatamente, mas me lembrava você, então era um bom filme. Saí da sala e comovido puxei papo com uma garota sobre a sessão. Bom filme, hein, disse-lhe. Pois é, me respondeu, mas esse diretor [cujo nome eu não lembro] já teve filmes melhores, respondeu com uma simpatia enigmática, dissimulada ou entusiasmada, e foi-se embora.
A noite ainda era azul, e eu decidi voltar ao boteco, mas ele já estava fechado. De um visionário estacionado na calçada, que apesar de estacionado continuava visionário, comprei um copo de conhaque, e bebi-o porque pensei que o meu coração estava gelado demais. Mas ele ficou amarelo, de solidão.
Perto do cinema, mais ou menos longe de onde moro, olhei pra esse céu sem estrelas de São Paulo, e pensei que talvez elas tivessem ido embora junto com você. Mas a Lua -amarela- continuava ali, atenta, eu diria que caçoando de mim. Mas a Lua é sagrada, e tem sempre razão.
Andei morfinado pela música-ambiente do meu player, mas desliguei-o, porque pensei que a melhor música pra aquele momento era o silêncio. Então sentei em um canto qualquer daquele lugar, apoiei minha cabeça em meus joelhos e chorei. Então um rapaz parecido com você veio até mim, agachou e pôs a mão sobre o meu ombro. Tá tudo bem, perguntou. Fiz que não com a cabeça. É por causa dele, perguntou simpaticamente. E então esbocei-lhe um sorriso, e só aí a noite começou a ficar interessante.

Impermeabilidade.

Imagine uma noite, duas, três, chovendo sem parar. A sua casa mofa, mesmo que você não queira. Você então se debruça na janela com aquele ar cansado que as pessoas usam dissimuladamente para dizer que têm cansaço, porque um dia aprenderam que, para parecerem cansadas, deveriam ir à janela se debruçar com aquela feição desconsoladora. Na cozinha um pão mosquitado brada por socorro, mas os homens não conhecem a língua dos pães, e você então avista da esquina uma cena nova. Algo como um rapaz de cueca segurando um guarda-chuva. O seu senso de solidariedade nas noites chuvosas geralmente vai passear, então você fecha a janela e vai procurar algo dentro de casa pra fazer, mais interessante, como espantar os mosquitos do pão, ou semelhante.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Ode à meia-noite.

suruba.
-alô!
a esquina era vazia como uma boca.
-não, já 'tô chegando.
a função da rua era ter paredes, e paredes longas, minhocantes e barulhentas. as paredes eram o barulho da rua.
-okay. fica frio. até!
meio-susto. certo suspiro involuntário. um sujeito mijando na parede.
o rapaz do celular meio que esboçou um aperto de passo. mas passado o vulto afroxou-se e seguiu como antes, como quem está preso entre paredes barulhentas, e perto da meia-noite.
a noite inteira era das paredes, o rapaz era uma faísca, pulsando eletricidade naquela tão curta eternidade chamada medo.
paralisia.
perto do fim da rua, não havia reflexo, apenas uma fumaça, cor-de-bosta, denunciando os dois amantes, os dois recém-apaixonados rompendo o barulho dos afrescos, vazando aquele silêncio que só quem amou um dia sabe o que significa.
estupefato. e não ignorou. deu meia-volta, pensou em avisar os guardas, mas sabia que na noite as pessoas dormem, e os guardas deviam estar cansados.
pateticamente, iniciou um mantra interno, sussurrava palavras tão dissimuladas como o seu cristianismo, sua consciência, seus lençóis.
-não era um estupro. não era um estupro.
de fato não era. mas no medo a gente inventa coisas.
-não era um estupro. não era. não era.
prosélito, era uma criança, durante a catequese, lutando contra seus fantasmas.
um rato rasgou o escuro. um raio de silêncio esqueceu os segundos anteriores, mas não o rapaz.
-não era.
o sujeito de antes continuava mijando. o rapaz esticou o olhos, apertou os lábios e sugou o espaço, dentadas mastigando a noite, engolindo os ponteiros.
o desejo.
desapertou o ritmo, sentiu um, vários lapsos, arrepios. inflando o peito, dilatando os músculos, bombeando o sangue pelas cada vez mais selvagens cavernas de sua alma.
voltou-se para trás. eram agora dois pares de amantes na imensidão noturna.
suruba.

domingo, 29 de novembro de 2009

Telefonema. Carta.

Cê vai me entender.
Eu cheguei ali, ela 'tava toda cocotinha, queria dar.
Queria dar sim, queria!
Cheguei e cumprimentei, mas daquele jeito, né... Cê sabe, aquele jeito, todo todo, a mina caiu muito facinha.
Té estranhei. Mas cá pra nós, se o homem tem charme... Quê? É, hahahahahahaha... Não, deixa eu falar! Se o homem tem charme já ganha a mina. Então, daí eu cheguei e joguei um lero, queria conhecer o jardim do xópim e sei lá o quê, nem lembro mais o que eu disse direito, hahahaha... A gente foi lá na fachada, né, e a daí a gente... É! Na fachada! Daí a gente ficamo lá mó cota, velho... Veeelho, nem te conto, bróder. A mina quis fazê um boquete lá mesmo. Caaara! Que nada, ô, cê é bróder, cê acha que eu ia zuar? Tô brincando nada, truta, a mina caiu de boca, véi. Inda depois veio com uns papo de homenagem, homenagi, uns treco lá, que tinha que chamar mais uma mina, sei lá o quê... Não, ô, cê tá loco, eu não faço isso não, tenho família, ô, hahahaha...
Mas a mina ficou jogando mó xaveco e não sei o quê... Quê? Foi té o final! É, pô, té o finalzinho. Sei lá, ela é loca! Ah! Passou, por quê, se interessô? Eu não, pra quê eu ia te dá? Aliás, té excluí o fone, que eu não ligo mais pr'ela não, mó biscatinha, ô, nem dá graça... Afe, se cê visse cê ia vê o que eu tô falando... Tô falando, véi! Biscatinha!



Juliana
Sei que você não responderá este e-mail. Sequer sei se você o lerá. Mas eu preciso lhe contar o que ando sentindo.
Depois que a gente conversou, o que era para ter sido definitivo e claro, estou cada vez mais confusa. Esta noite não deixei de pensar em você e em nossas horas juntas em momento nenhum. Sua imagem continua me atordoando, estou perdendo o fundo, tenho feito coisas ultimamente que eu jamais faria antes. Acho que estou enlouquecendo, Ju.
O Pacheco (lembra dele? o psicólogo que eu procurei nas férias) me disse que estou me auto-mutilando, cometendo ações que são prejudiciais ao meu corpo e à minha honra. Não sei se isso é verdade, mas uma coisa que eu li quando fiz o trabalho sobre Freud da faculdade (aquele que você viu no auditório, naquela noite em que você vestiu pela primeira vez o vestido verde que eu adoro) é que fins prematuros de relacionamentos podem acabar em um processo chamado enlutamento. E em últimas consequências a pessoa pode cometer o suicídio.
Aquele vinho barato que você escolheu na última compra que fizemos juntas (um tal Chalise, tinto suave) ainda está sobre a geladeira, esperando ser aberto em um momento apropriado. Espero que você não tenha que se vestir de preto para abri-lo. Mas se eu bem te conheço, se eu disser que morrerei amanhã, você vai mesmo é se vestir de branco e ir estourar uma champanha com as suas amigas que você tanto ama.
Juliana, estou enlouquecendo. Depois de tanto tempo juntas, esta separação me soa tão, mas tão insólita, e ao mesmo tempo tão artificial. E eu estou tão esperançosa de você retornar aqui para a minha casa, que ainda é sua, e ouvir aquela música que você gosta, comer aquela lasanha de frango, ou aquele purê de maçã, que sua mãe nos ensinou, passar mais uma madrugada acordada, só olhando para seus olhos e a armadilha que eles representam...
Não sei ainda por que você é tão presente em mim, mesmo estando tão confortavelmente longe como estás. L'amour est décidement un étrange sentiment.
Espero que você esteja bem, mesmo eu não estando.
Te amo, espero que as coisas fiquem bem pra mim. Se escrevi alguma besteira ignore, ainda estou sob efeito do Rivotril.
Da sua eterna Mona,
Simone.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Platonismo.

Depois do terceiro bombeirinho, cheguei em mais um e lhe perguntei:
-Você é meu príncipe?
E ele disse que era, que ia me levar para seu apartamento na Vila Mariana, e que nós teríamos madrugadas maravilhosas que começariam na MTV, passariam pelo Habib's 24 horas e terminariam na cama. Depois de um mês ele me daria um chocolate importado, e eu lhe daria uma garrafa de licor de jabuticaba. Me disse que ama jogos de vídeo-gueime e futebol, e que é ator, adora ir a museus tirar sarro dos pintores sem atividade sexual e aprecia um bom cinema. Não tem preconceitos musicais, mas gosta bastante de Radiohead, e que eu aprenderia a conviver com isso. Ele, o meu príncipe, teria barba, cabelo curto, seria branco e teria a voz mais singular, olhos pequenos -que eu nunca pensei que pudessem engolir almas potencialmente, mas que ia engolir a minha no primeiro flerte. Todos os nossos momentos seriam plenos, incluindo a noite intimista no sofá, a pizza que faria companhia ao nosso Lars Von Trier, a Marisa Monte que embalaria a nossa simbiose de cada noite (pêlos mais pernas), e a sessão na Paulista seguida ou antecedida por um bom chocolate quente (não bom pela qualidade, mas sim pela companhia). E no final do ano nós escolheríamos a praia mais perfeita e assistiríamos ao pôr-do-sol como se fosse o nosso último, pois saberíamos estar vivendo a eternidade.
Mas isso foi um sonho, que eu por sinal fiz questão de esquecer, tão pesado era meu sono depois de mais uma noite de amor instantâneo e natimorto, regado a cachaça, groselha, limão...
E gelo.

Rato.

Algo que parecia um rato, porque era parecido demais com um rato para não ser um, atravessou o cano que dividia a grande sala em dois.
O ruído foi bem pífio perto do ruído que era resultado da ira de Pedro, o Santo. A Física só serve para a gente odiá-la como odiamos a Deus um dia.
A luz que vinha do céu era suficiente para não matar todas as coisas ali existentes, um resto de trabalho, ruínas de uma gráfica. Tudo abandonado, falido há uns dois anos.
Foi nesse ambiente, preto, gelado, imundo. Dois rapazes forçaram afoitos a porta. Conseguiram entrar, tatearam, rezaram para seu deus (que devia ser o mesmo de todos os outros em um raio de vários quilômetros). Sentaram ansiosos, num chão negro de poeira. Quase-pretos, quase-gelados, quase-imundos, o ar era mais úmido que os olhos do rato que ali habitava. Ele, o rato, tinha motivos para se sentir intimidado. Mas os rapazes também tinham motivos. Mas desses motivos esqueceram rapidamente. Lá estavam, a salvo, apenas vulneráveis à fina garoa do medo que os homens têm, esse medo que as coisas boas não durem a eternidade, e que sempre é um medo com fundamento, com deus ou sem deus.
Ali, na gelada e arrogante poeira preta se amaram, um desbravamento inocente e curioso, como inocente e curiosa é qualquer aventura protagonizada por meninos. Na vida o sexo das aventuras é o masculino. Na História também é.
Se amaram feito dois ratos, e da haste que dividia a antiga gráfica em duas secções o nosso amigo singular de olhos úmidos espiava com uma atenção de tevente. Suspirou um suspiro de rato, e exclamou com aquelas cordas-vocais de quem nasce e cresce no esgoto:
-Esse amor entre homens é um amor marginal.
Os garotos pausaram um instante, pensando que tinham ouvido alguma coisa, mas a noite preta ainda prometia novas descobertas, e eles voltaram a se merecer em pouco tempo.
E se mereceram até o outro dia, até Pedro, o Santo, ir descansar, até as clarabóias do lugar serem vencidas pelo amor do Sol.
Se descobriram naquelas horas que eram a eternidade, e o rato foi dormir mais cedo, porque o dia fora exaustivo.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Haven't Met You Yet

*off*



Lyrics

terça-feira, 20 de outubro de 2009

sem dono.

Ninguém sabia o nome daquela moça.
Ninguém sabia se ela tinha sequer algum nome.
A vida dela era andar pelas plataformas lotadas da rodoviária do lugar discursando.
Discursava sobre tudo.
Era.



O meu esporte predileto

Vocês não sabem como eu adoro acordar segunda-feira de manhã e tomar uma xícara cheia de café.



O Tombo da Senhorita

-Por exemplo, se você está em um shopping, e de repente aparece um pobre na sua frente, o que você faz?
-Acordo.
-Não, de verdade.
-Sei lá. Nunca vi um pobre aqui.
Estavam em um shopping, não importa qual.
-Mas por que você 'tá perguntando isso?
-Por nada. Passou pela minha cabeça.
Esse, o Felipe, tomava um milk shake que custou 1% do seu salário mensal. Contudo, a camiseta que usava custara 10% de seu salário, sua calça 13% e seu tênis 20%. Não importava, desde que não fosse pobre. Tinha horror a pobre, a ser pobre.
-Tem açúcar demais nisso aí.
O outro, um tal Ronaldo, compartilhava dos mesmos valores do amigo. A diferença é que este, por não trabalhar, tomava emprestado do outro as roupas que usava quando ia ao shopping.
-Olha aquela mina. -o Ronaldo avistou.
Aquela mina que passou era uma Irene, que estava cumprindo sua função, de não ter função alguma, com pompa e competência.
-Qual?
-Aquela.
-Que tem?
-Duvido você chegar nela.
-Há! -deu uma risada debochada. -Eu também duvido.
-'Cê é 'mó cuzão. Por isso que não pega ninguém.
-'Tá em choque, vá pescar!
Clima tenso.
-Vixe! Seu amarelão. Isso que dá, não tem iniciativa, chupa dedo.
-Olha, você me erra, que eu não 'tô afim de brincar de boneca hoje.
-Oopa!
Derrubou propositalmente o milk shake na camiseta do amigo, que custara 10% do salário daquele. A briga tornou ares mais formais, e lá estava um em cima do outro. Antes do segurança chegar, a moça de nome Irene aproximou-se, tentando de alguma forma apartar toda aquela poeira, mas acabou por escorregar na sujeira que os dois promoveram e bateu com a cabeça direto na quina de uma cadeira. O tombo da senhorita alarmou instantaneamente os dois, que começaram a socorrê-la do modo lúdico e grosseiro que conheciam da televisão, mas não foram muito úteis pois o pessoal especializado já chegara: da saúde, e da segurança. A moça foi levada às pressas para algum hospital de griffe e os dois rapazes saíram do prédio se amaldiçoando. Os dois voltavam pelo mesmo caminho, mas um, o Ronaldo, decidiu inventar um outro compromisso, pra não ter que ir ao lado do amigo.
Chegando em casa, o Felipe já perdera uma porção de sua indignação, e estava preocupado em como gastaria o resto da sua grana. Sua mãe morreria dali a dois anos, mas até lá ele não precisaria se preocupar com o seu salário, a não ser em como o gastaria competentemente com inutilidades e falso status.
Sentiu-se então inspirado para começar algo novo, que quebrasse sua rotina. Talvez tivesse sido a mixórdia que provocara na praça de alimentação. Mas, no fundo, era a imagem de Irene, tão terna e desastrosa, estirada involuntariamente, e sangrando, no chão daquele paraíso asséptico, que lhe trouxera uma ansiedade de produzir algo que jamais vislumbrara.
Daí, tomado de estranha euforia, pegou um caderno, que de tão abandonado já se encontrava amarelo (de vergonha), e o desvirginou, violando a morbidez que aquelas pautas lhe emprestavam, com uma caneta que demorou a pegar, mas depois saiu rabiscando quase-tímida aquela superfície tão esperançosa. Escreveu com caligrafia infantil "Irene". Ia escrever um poema.
Subitamente, juntou caderno e caneta e os jogou sobre a mesa com relativa fúria, perto da fruteira, decidido a abandonar a empreitada com a qual terminara de sonhar.
-Eu hein! Isso é coisa de viado.
E foi assistir televisão até dormir.

DIÁRIO DE ESTUDOS FIGURATIVOS ou PARTE X da MINHA PRODUÇÃO DOENTIA E ENTEDIADA (excerto#1)

2009.
há quem jure que não, mas era 2009.
o chão tremeu.
São Paulo do nada torna-se um burburinho. a multidão sincronizada grita. notas de guerra, bombas de festejo.
o pobre tolo, plebeu, sai ao quintal, e apontado, diz:
-Mãe, acho que o Corinthians fez um gol.
Pobre amanhã.

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e depois que eu acordar
meu amor e eu vamos tomar um grã-café com os grãos gradualmente melhorados
vamos estar felizes, vamos estar sarados, vamos estar safados e as crianças chinesas trabalhando
vamos passar a noite inteira transando, enqüanto jovens estudam e jardins são retocados, eu vou ser tocado
à noite vamos ao jazz, porque temos pés. enqüanto eu leio na rede, separando, uma parede, torturantes jaulas vos abraçam
vocês se carapaçam e nós percevejamos. bebamos. preciso lembrar
como é doce o amargo

9/5/2009

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é claro que eu te escuto
consciência minha não falha
nada falha, tudo é palha
por que eu te refuto?
enqüanto luto, estás de luto
tudo é secreto e verdadeiro
inclusive o dinheiro
eu secreto no banheiro
nada é falha, tudo é palha
eu não te fumo, eu não te trago
não bebo o sumo do teu afago
não me afogo em teu lago
eu flutuo, eu ciclovôo
é claro que eu te escuto
consciência-fruto, e de você
desculpa, eu gosto de outros

9/5/2009

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da Imbecilidade

-oi
claque.
-tudo bem?
claque (mais alto).
-eu vou bem, e você?
claque com aplausos.
-bem. vim pegar minha geléia.
claque.
-toma.
risos.
-tchau.
-tchau.
claque, o mais alto possível, culminando com aplausos.
acaba a peça.

16/5/2009

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e da próxima vez
que eu te ver no banheiro
sorrirei ligeiro
mas não porque você não é, e sim porque é profissão minha te fazer sangrar de tanto pensar

16/5/2009

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Mas como são, assim, tão iguais, tão perfeitinhos esses garotos, esses rapazes morenos, de cabelo eriçado e brincos cintilantes. lembro de cada uma das vezes nas quais me apaixonava por um. eram vários em um mesmo dia. era a imagem de um na cabeça, e seu corpo na minha destra. sem pensar ia ao banheiro e me matava, batia, e era bom demais então. acho que nunca peguei um legítimo daqueles. talez minha imaginação seja afinal mais excitante. passam meses e eu permaneço criativo. e ativo.

17/7/2009

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mas é isto que se faz: despreza-se o de baixo, endeusa-se o de cima. eu tenho um pavor do estigma.
é aquilo; "de vez em quando todos os olhos se voltam pra mim, de lá do fundo da escuridão, esperando e querendo que eu seja um herói."
e que pavor eu tenho de ser padrão. não dá pra ter escolha no mundo onde o desconceito é o próprio conceito.
mercadologia: penso, logo sou.

mas eu não tenho chicote, 18/7/2009

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NOMEIO ISTO COMO DIÁRIO DE ESTUDOS FIGURATIVOS ou PARTE X da MINHA PRODUÇÃO DOENTIA E ENTEDIADA

18/7/2009

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A minha sina é tomar toddy com leite desnatado.
como as pessoas podem ser tão não-vaidosas a ponto de subeterem-se a essa terrível fórmula? como contentam-se em acordar, comer uma uma bisnaga com margarina e tomar qualquer achocolatado com aquela água, à qual dão o nome de leite desnatado? minha vaidade me impede; louvo aos sem-paladar, esses merecem meu respeito.
mas Freud explica.

19/7/2009

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Omiti-lhe qu'eu sonhara que ela me assediava. Meu ego cristão, todavia, me aplaudia, dedicava cânticos e cantatas e novenava a cada meia-hora. Contando as pausas para a manutenção fisiológica matinal (urina, dentes, estômago, e não necessariamente nessa ordem), gestos mecanicamente urbanos, foram uns quinze minutos dissecando a minha epopéia onírica (e eu nem partira para a psicologia ainda).
-Tive um sonho muito louco, véi!
-Eu também.
Não lhe dei bola.
-Sonhei que 'tava numa festa, tipo, na minha casa e, tipo, a minha vó 'tava, 'tava tipo um pessoal. Então teve uma hora qu'eu subi pro quarto e lá 'tava a Dani e a Mariana, da minha sala, e as duas começaram a me zuar, que a Dani tinha acabado de comprar, ou ganhar -não sei-, uma bike, e ela falou que não ia sair comigo pra gente andar de bike. Daí eu olhei pro lado e tinha tipo um manequim com cabelo, e eu levei mó susto. Aí eu desci e a minha vó 'tava se arrumando pr'uma festa tipo na casa ds meus tios, acho, lá em Curitiba. Não sei, mas eu acho que ela me ofereceu uma batida. Então eu falei que ia sair e ela falou pr'eu não demorar. daí eu fui tipo pr'um shopping, e encontrei uma prima da minha mãe, Elizete, e a gente pegou o mesmo elevador. Daí a gente foi falando mó papo maluco; eu falando da minha vida, minhas condições financeiras, meu futuro e, tipo, rolou mó papo e tal, daí eu olhei pra ela e ela 'tava mó diferente, bonita, de cabelo curto, não-enrugada (que a Elizete tem bastante rugas), de brinco, e com um quê de lésbica. Daí parece que eu me identifiquei co'ela, e perguntei se ela era cientista social, ela falou que era, então o elevador do shopping (que parecia o Anália Franco, mas era de Curitiba), desceu a gente meio diagonal e super-rápido pra tipo uma estação de trem e, do nada, acho que depois de pegar um trem, a gente deu tipo num parque, que 'tava cheio de índio. daí, começou mó discussão filosófica e sociológica sobre a questão indígena e tal. eu argumentava e, tipo, ela concordava e tal, fazia mó bem pra mim. daí meu sonho acabou, no parque.
Sorriu quase sem-graça.
-Legal.
Quis ser educado.
-E você? Sonhou com o quê?
-Sonhei que comia um passarinho vivo.

20/7/2009

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eu lembro de quando a minha vida era um filme pornô.
textos curtos, eu ainda fazia questão de um sexo estético.

20/7/2009

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Sem título sobre uma dor avulsa

ou Distantes diálogos intertextuais machadianos.


Tô no pique. Carente de televisionismos eruditistas. Vinho, fossa standard, ou um bom livro, um bom par de olhos, que me digam as mais cegas besteiras, em uma ciclista noite. Me falta, e essa falta é tudo.

Ando no pique. Ali lanhado, sofrido, mexido, fingido. Sofrendo de tanto rir, num desespero chorado, um desespero afogado, acobertado, um veludo seco empoeirado, um riso gritado, de uma secura vocal. Me falta, e essa falta é tudo.

Danço no pique. Preciso de amores, de flores, de um amor-chocolate. Preciso me sentir vivo, de lábios que me labirintem, de cheiros que me pintem a alma, de uma alma que me morra o estresse. Me falta, e essa falta é tudo.

Vivo no pique. Nessas horas magras, ou gordas e insensatas, de tanta amarela sensatez, nesses momentos lúcidos. Nesses fracos frascos que sangüíneos explodem, agulhando o alvo, cândido inferno. Mas me falta, e essa falta é tudo.

Pique, esse fim de semana que nunca chega. Essa história recém-abortada, esperançosa de desfibrilamentos, esse pensar no que não-há-de-ser-ousado, esse sacro, que é um saco! Eu perco o fundo, flutuo um nada, ausência surda que me ensurdece as fibras. Porque me falta, você me falta, os momentos estão aí, mas você me escapa. Me falta você, me falta o ar, me falta a vergonha. Me falta!
E essa falta é tudo.

sábado, 17 de outubro de 2009

Dei pra maldizer o nosso lar.
Música psicológica, meu player arueirava.
O hospital é um lugar eterno, paciente, pacientes esperavam a morte, ou pretendiam a vida.
É a volta do cipó de arueira no lombo de quem mandou dar!
Música psicológica, meu player passava o tempo.
Meu, foda-se, música é psicologia, sempre acho-achei, pronto-ferrou.
Mas batidas perfeitas e outros aristotelismos à parte, lá estava, pacientando, paz e então, eu.
Enquanto eu falo besteira nego vai se matando.
-Boa tarde, você gostaria de um bocado de luz?
-Gostaria.
-Então toma! Um pouco de luz nessa vida.
-Eu disse que gostaria, não que queria.
Um clima Kubrick, muzak, devia ser a Eldorado.
-Eu quero aquele relógio.
-Você quer o relógio ou as horas dele?
-Às horas só o grande tem acesso. Quero na verdade seus ponteiros, para apontar compromissos.
-Você quer o relógio ou os ponteiros dele?
-Quero mesmo os ponteiros.
Tudo muito branco e futurista, como se passasse num futuro alvo.
-Algo mais?
-Você tem dono?
-Sim.
-Você é escrava do seu dono?
-Sim.
-Desculpa, não sabia que você era feliz.
-Que bom que o senhor fez essa pergunta, já estava a me sentir constrangida.
A história não passa de história, por isso ninguém liga.
-Eu quero falar mais com você.
-Eu também quero.
-Adeus.
-Volte sempre.
Partido sempre será uma organização mal-sucedida. As coisas são partidas quando não funcionam, amigo.
As ruas não tinham música.
Mas o meu player toca sons psicológicos e eu sou feliz por ficar brisando aqui, escrevendo o que me dá, porque aquele meu leitor hipotético vai chegar e dizer que "deixa eu dizer o que penso dessa vida, preciso demais desabafar".
O rei chegou, e atrás dele o povo inteiro.
-Oh!
Às vezes saía um sentimento.
Voltou ao hospital que vendia compromissos.
-Desculpa! Não preciso mais disso, vou morrer de gripe agora.
-Foi um prazer negociar contigo.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Vidros.
Muitos.
Não sei quem tem tanta coragem assim.
E se não era vidro era acrílico. 
Mas olhou e atrás de um tinha uma igreja.
Desceu, como era seu costume descer. Um, dois degraus, o terceiro chama-se chão.
Eram passos apressados, dança do receio. O zunido das homens era um aplauso. O sol cozinhava mendigos quase escalpelados, quase pelados, um de cada lado.
Eram os guardiões da igreja.
A porta é irracionalmente grande. Se a igreja tem tantos segredos, tantas riquezas, porque deixá-la tão vulnerável?
Bateu três, cinco vezes. Como ninguém atendesse, empurrou-a. A porta cedeu a um bem cru estímulo. A igreja não tem porteiro, o único que tinha foi crucificado há dois mil anos.
Mas aquela igreja estava fechada. Ela só abre na hora da missa, que é pra evitar gente dentro.
Deu passos desapressados, dança da insegurança. Não havia mais zunidos, só espadas de luz vindas das clarabóias. Não tinha barulho de correntes, nem de torneira pingando.
Um tanto de coragem, disse, mais ou menos baixo:
-Tem alguém aqui?
Nenhum retorno, mas quis a certeza. Dessa vez praticamente gritou.
-Tem alguém aqui, Cristo?
Mas a única coisa que ouviu foi os fantasmas de sua voz.
Então, assoviando o Hino Nacional, calmo como um psicopata que se prepara para dinamitar a Casa do Senhor, roubou o espaço que era das poeiras.
Escolheu um canto mais ou menos invicto, um atrás do órgão, que era pra não ser visto durante a operação. Mas tanto fazia. Em uma hora ninguém além dele quis rezar.
Pouco a pouco ia esvaziando a sua mochila, trocando peças, ligando coisas, conectando fios, tendo orgasmos só de pensar.
Tudo certo, mochilou-se e a passos tortos voltou ao zunido dos homens, àquele Sol que não tinha data.
Do lado de fora, escolheu um ônibus.
Acomodou-se como se acomodam os paulistanos.
Sentado, às vezes lembrava, às vezes pensava nos vidros, que eram caros, e muitos, ou pensava nos acrílicos.
Mas a noite ia ser boa.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Não lembro da Lua, mas ela se fez desnecessária.
De repente eu já estava na sua boca e não havia nada, uretrite ou simpatia, que me tirasse de lá. Só um esboço de preocupação e a gente trocou de passeio (sabem como é o espetáculo e, além do mais, sei do desconforto d'algos). Então sentamos ali, numa mureta, perto das batatas, e de repente eu senti que já não teria como. Minhas mãos eram as suas, meu riso a sua boca, minha atenção seus olhos, e eu simplesmente metamorfoseara em si. Seguimos de volta até o passeio inicial, e não havia nada de extremamente horrível que me espantasse ali, nem um possível grilhão, nenhuma possível barbárie (press the fuck up! button). A minha sorte era o seu bom-senso, que o meu ficara esperando o Ed passar, enqüanto todo o resto se hiptnotizara consigo. Ele foi embora, e me levou junto. De repente os ponteiros pararam. Então eu ergui a cabeça, e pensei comigo "e agora?"
Amar é uma bosta.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Canção de um sujeito tal #1

Olha. Eu.
Vá, pomba. Oh não. Perdi? Doce-Amargo. É? Podia. Deus existe? Engenho.
Engenho mas tímido.

E então eu não consegui falar. É uma quase-humilhação, e ele podia ajudar. Olhava, e então estávamos bem, mas tudo é muito difícil, né? Somos coitados, o sistema não ajuda etc, mas eu só queria te saber, e você não cooperava. Eu nem sei se você é da fraternidade, mas mesmo se não fosse, aí está toda a simbologia e os anjos para nos guiar.

Não. Trabalha. Mas? Podia. Engenho...
Mas tímido.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A Moça Sem Nome.

Ela não tinha nome.
Parece estranho, mas não tinha nome.
- Boa tarde, querida. Como você se chama?
- Ah! Eu não tenho nome.
E ficava um clima bem chato.
- Como assim "não tenho nome"?
Às vezes tenso. Ela sempre trazia seu RG consigo, já que ninguém acreditava.
A secretária analisa o RG e lamenta.
- Desculpa! Aqui nós só trabalhamos com pessoas de nome. Tenha um bom dia.
Saía das agências de emprego com aquele ar inevitável de arrependimento, mas era persistente.
- Como assim "não tenho nome"?
- Esquece.
E dava as costas.
Também não conseguia manter nenhum relacionamento. Era sempre a mesma coisa. "Meu bem", "meu docinho", "minha querida". Eles dizem isso pra todas, pensava.
Houve uma época em que ela havia engatado um relacionamento mais sério com um rapaz. Mas tudo se desfez no dia em que ele a apresentou a seus pais.
- Pai. Mãe. Esta aqui é a...
Ele não tinha pensado nisso.
- É a... é a...
- É quem, meu filho?
- A Ninha!
- Aninha?
- Ninha!
- Não minta, Luís! - cortou a moça. - Conte a eles!
Ah! O nome dele era Luís. Os pais do rapaz fizeram certa expressão de dúvida.
Vendo que o Luís não contaria, a moça lançou:
- Eu não tenho nome!
- Desculpem. A Ninha prefere simplesmente ser chamada de Ana, está bem?
A moça deu as costas, saiu da casa e nunca mais conversou com o Luís.
Nem com os pais dele.
Mas ela não aguentava mais.
Um dia decidiu: suicidaria-se.
Pôs as contas em dia, decidiu qual seria a maneira mais rápida e mais eficaz de morrer e estava prontíssima para ir para o outro lado.
Ela se jogaria da janela.
Já que morava em um dos andares mais altos de seu prédio, se jogar da janela seria tão simples quanto eficaz. Então ela se trancou no quarto, abriu a janela e começou a escrever seu testamento.
Mas, só quando estava no final do documento se deu conta de um problema: a assinatura.
Como ela assinaria?
A moça suspira, debruça na mesa e chora.

Trinta vezes Pseudo.

Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo. Pseudo.

Eu avisei.