quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

_carta da noite do dia seguinte ao 16 de fevereiro de 2022

eu tive medo de tirarem minha voz

na verdade cortarem minha voz
com navalha faca afiada ou não tão afiada com aquelas pontas pra fora que estraçalham e escalavram a pele e e as vísceras como o rabo da arraia
cortarem a minha voz em pequenas partes não pequenas pequeninas estraçalhadas que o mosaico das pregas vocais como a refração rota da luz se converte no negror de uma pulsão gultural nas ondas a ferir o areu acordei com o sonho mal dormido de ter sido rendido a faca ter sido rendido a troco de pouco e quiçá ter sido rendido à redenção à rendição total e o sonho mal dormido visitou-me ao longo de todo o dia
mas existe essa passarela entre a praça Kobayashi que leva aos idos da Sé da margem inexistente do inexistente córrego Anhangabaú e sem música sem nada me disse tanta coisa a brisa que eu subitamente aceitei a felicidade de estar vivo
a beleza de estar vivo foi isso que eu senti senti essa beleza correndo nas veias e me amaciando as frontes e mexendo meus tecidos e decorando meus miolos e temperando minha goela feito a voz que não me tiraram ter tomado tento e ter crescido e matado as bactérias purulentas que em um desvario dos dias me colonizaram as glotes todaseu estou vivo
I'm alive and vivo muito vivoontem ouvi do meu terapeuta cabeça telefone no céu frio e ventoso do décimo sexto andar num terraço Bela Vista que eu estava vivo e que eu estava apaixonado e eu concordei com essa cabeça sem vídeo
que estar apaixonado e bem apaixonado e apaixonado de verdade é sempre estar apaixonado com a vida a para com todos os seres os animais o vinho os outros amores e a brisa e o corpo gorducho e a música e é sempre com a música 
não existe paixão alguma que não tenha música
não tenha música que não suscite paixão de qualquer ordemuma paixão boa de verdade é essa paixãoI'm alivepaixão com voz
aroma de café 
Oswald
e um carburador ziguezagueando o incenso Lua Julie London e a pestana sorrindo ao contrário só que dentro da cabeça sorriso

terça-feira, 25 de agosto de 2020

arisco
há risco?
arrisco

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

s/t (tudo vai dar errado)

na vida se tem tanta preocupação
sobre a certeza, o sucesso e o fracasso,
mas, pelo menos eu tenho o alento
    eu tenho o alento
de que tudo vai dar errado.
que viver nada mais é que acidente
e a vida sopra desde uma certa manhã,
e quando vê, acaba de repente...


a seriedade, meu amor,
não faz verão nessa cidade, meu amor,
e essa vaidade, meu amor, é a mortandade, meu amor.
eu não aguento o sabor de ser canalha,
eu sou cantor – e o meu canto é navalha, meu amor.


se você vier me perguntar por onde andei
as dores que eu carrego só eu sei
e que amanheça o véu da resistência
o mundo não tem rosas e só é feito de rosas
e que floresça o gen do pensamento
e que as ideias voltem a ser perigosas
e que as ideias voltem a ser perigosas
e que as ideias voltem a ser...


tudo vai dar errado
tudo vai dar errado
tudo vai dar errado
s
e der certo vai dar errado

C. & F.

parece cocaína, mas é só pressa

pela vastidão-devassidão do pertencer.

o seu beijo não se vende em garrafa.

parece cocaína, mas é só você.


dentro e fora dos absolutismos

e exageros das curvas, declives

do corpo e dos corpos, os vãos

e sulcos sulcados no colchão.


parece pressa, mas é só a paz,

quinhão de vida no meio nu,

culhão, pulsação olorosa na ponta

do dedo arriscando o rio da derme.


licor de promessas e espumas

ao ventre, a vida desponta do três,

seis olhares perplexos e embevecidos

- santo milagre, trindade, aparecidos.


os olhos se fecham em comunhão.

os ouvidos se encerram, comungam.

as bocas desistem de ser: fala e falácia.

e incontinenti reina o tato, tarântula.


o sonho emerge lento e real

dos recônditos amenos do que é

e sussurra em verso e prosa à alma

que é de amor, é de vida, é de calma.

segunda-feira, 31 de julho de 2017

você sabe que eu sou uma estrelinha na cidade.
eu fico pensando nisso quando saio vagando por aquelas velhas calçadas.
existem muitos moços barbudos flanando por entre a fumaça.
e por entre os vórtices, grupelhos e manchas acústicas ressoa a canção.
no sonho eu rondo a cidade a te procurar, não hei de encontrar nada
além de vontade, além dos bons e velhos mesmos rostos rotativos
e dos quase amigos quase novos quase antigos.
na cidade da minha canção tocam os DJs, os sintetizadores e os sinalizadores.
e os corações batem como bombas de efeito moral.
e as tristezas choram com o gás lacrimogênio.
o meu choro é de outro gênero, abrupto, sufocado, mudo e gelado.
o perfume da cidade mudou desde que você sumiu das praças
dos bares, baladas, festas, karaokês e smartphones.
o que sinto no ar é o cheiro forte de saudade, vindo bem longe da sua nuca.
não sei se o que sinto é esse cheiro, ou senão o cheiro do nunca.
a cidade da minha canção ratifica lacunas de coisas que nem existiram.
talvez a estrelinha que eu sou nunca tenha existido.
talvez num avesso irônico nem você tenha desistido.
e está apenas evitando banhar-se da minha luz por um momento.
esta estrelinha enfeita o céu dando lhe um caimento.


e você passa escondido por ela, tão invisível como o vento.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Hello Niti -- minha primeira década

em 21 de julho de 2007 fiz meu primeiro post neste blogue.
é muito interessante ver como em dez anos os pequenos êxitos e as tão inspiradoras crises tiveram a duração de espirros. eu estava no primeiro ano do Ensino Médio. mês que vem defendo minha dissertação de mestrado. houve uma graduação inteira aí no meio, além do técnico. em 2012 estava tão academicamente absorvido que sequer tinha inspiração para nada. alguns momentos foram críticos por conta do coração.decepções (e às vezes celebrações) amorosas são um prato cheio para motivar a escrita. é quando há muito sentimento envolvido.
é muito gratificante ver as mudanças na minha escrita. e no meu estilo. de uma escrita anárquica e adolescente, quase concretista, até o barroco atual, muitas águas passaram, muitas bikes foram roubadas, muitas madrugadas perdidas ganhadas, muitas Samantas enterradas, muitos amores reciclados, muitos acordes vertidos pelo ar. aprendi a escrever, reaprendi, me formei e deformei. houveram anos em que eu fazia um balanço dos meus caderninhos de poesia. cacete, houveram muitas poesias boas e muitas ruins também nesses dez anos. sempre escrevi os dois tipos, haha! houve até difamação, risos.
no meu primeiro post eu dizia Cansei de blogues com crise existencial. não deu certo, para o bem e para o mal. os amores irreversíveis estiveram sempre aí, os meus, de dentro para fora e de fora para dentro. os temores e anseios também. os experimentos, as Sociais, o teatro, a academia, os programas, os anabólicos e a antropologia. a ansiedade.
este blogue é um flagrante da/s fase/s mais feliz/es da minha vida. pois escrever se tornou uma das melhores ferramentas para virar gente. passei a escrever na vida, encarando meus passos, rumos e abordagens como um escritor escreve e reescreve poesia, amassando folhas, rachurando laudas, rasgando páginas. no meio de todos esses anos, você, meu bloguezinho, foi minha casa, me ofereceu guarida e alívio.
sou grato a sua existência como sou grato ao próprio alfabeto.
no espaço infinitesimal da big data, de repente, fazer dez anos é eterno.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

delirante fábrica de encontros -- o mais relevante o encontro de si consigo mesmo --, o caderno é uma grande utopia. nele, uma mente singular e singela pode demonstrar a temerária capacidade de criar e edificar mundos, searas, babilônias. a cidade que eu invento esta noite, é tecida pelos trajetos que você realizou. nada suntuosa, ela é feita sobretudo de sorrisos. aqueles seus involuntários, eu diria, criaram instantâneos pontos de referência. aquele sorriso, seguido de um brilho no olhar, lembra? criou uma praça inteira. aquele beijo-mácula, reinventou um velho e tão-conhecido bar. a utopia, que translado da cuca para a folha tão concreta quanto amarela, é essa tentativa vã de dar vida e solidificar a cidade que você foi construindo ao redor no meu delírio desejoso. restam algumas questões de cunho técnico, ladras da minha desalojada paz. se eu arremessar este opúsculo ao mar, a cidade submerge? se eu fazê-lo, então, em direção ao Sol, a cidade incendeia? quedará arruinada no caso de eu trucidar o libelo e avarias suas folhas? ou nada disso seria preciso para fatalmente vê-la e senti-la pulverizando o intervalo de uma piscadela? o asfixioso drama de deixar esta cidade aqui, fechar a brochura e encarar o ponto final.


história de uma cueca

eu a vi dando sopa sobra a porta de um dos box do vestiário da SmartFit Campos Elíseos, desbotada e esgarçada como deveria ser, e com o presumido olor que fazia dela mais especial: que pau teria ela guardado em sua enigmática história? teria sido ela para sempre fiel à mesma pessoa como costumam ser as cuecas no geral? ou estaria eu raptando-a de sua prometida genitalidade? cheirava a amaciante, mas pelo menos me servia bem. oito meses se passaram desde então. tenho uma belíssima foto na Cachoeira das Andorinhas em Ouro Preto, em que a dita está lá, toda chavosa, cobrindo minhas partes qual tarja de coisa obscena. no dia de hoje, oito meses depois, veja bem, um cliente me pediu a roupa -- era (quase tão somente) ela que eu vestia. relutei muito, nunca aceitei essa proposta, mas como ele fosse jovem e afável, cogitei uma troca. após algumas Budweiser, perguntei seu número. M. as minhas normalmente são G. esta inclusive era. ele, contudo, teria nela a certeza de que seu dono a para sempre a havia maculado. éramos jovens nesta tarde. convicto da minha heterossexualidade, o cheiro do verdadeiro macho ali residiria para sua fruição. ele conhecia (bem) o pênis que ali residira, coisa que eu sequer sabia quando a furtei de algum homem presumidamente heterossexual. hoje a cueca era minha. agora era sua, dele. saí de seu apartamento com uma Lupo branca. as cuecas podem ter muito a contar do que supomos. elas guardam intimidades mais íntimas que nós mesmos.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

talvez sem perceber muito bem tenho apostado nos ímpares.
depois de alguns anos, quem diria, voltando a este tema...

um dois três
quantos pronomes cabem dentro desse mundo
rapsódico de vocês
episódico de uma vez
ou de tres-loucado
deslocado, onde estou
onde estarei, lado a lado
mês a mês
não sei valsar, e nem sambar
quanto mais pra onde olhar
enquanto o encanto vesgo
me faz quase vacilar
se meu pescoço não entende
que dirá o meu sorriso triangular 

um dois três
e os braços que eram quatro agora seis
e os peitos que eram dois agora batem desdobrados
quanto coração, convulsão de carnaval
e a minha canção não pode ser assim normal
e o surdo que ordenava meu refrão
repousa agora quieto na sonora imensidão
de um dois três
e a lua em claridão

quinta-feira, 11 de maio de 2017

O swing gay é possível?

Swing é um esporte sexual hétero.
Se você pesquisa swing gay conto no Google, as coisas gays e bissexuais que são realizadas nas narrativas são relatadas por um dos membros de um casal heterossexual. Meu marido comeu um gay, uma travesti comeu meu marido etc. etc. etc.
O desejo de ser ou sentir-se corno é igualmente heterossexual.
Basicamente a primeira página referente à pesquisa corno gay conto está lotada de maridos que viraram cornos e viados no mesmo dia. Para virar corno, você precisa ser casado. Para virar viado, heterossexual.
No campo do desejo, parece que os gays continuam alheios ao manejo da conjugalidade como repertório erótico -- com a clara exceção da relação com a conjugalidade dos heterossexuais com quem se relacionam (o primo, o tio, o namorado da fulana, o bróder da faculdade). Se você pesquisa comeu meu namorado conto gay no Google, existe apenas um conto que aparece na primeira página que muito estranhamente pode ser chamado de gay, já que um de seus protagonistas é hétero. Os demais contos para essas keywords seguem sendo héteros: Estuprei meu namorado, Meu namorado é gay, Comeram meu marido, Meu namorado comeu eu e meu amigo gay, não à toa escritos na primeira pessoa por mulheres, que certamente são homens fantasiando -- explorar os limites entre conjugalidade e orientação sexual a uma só vez é uma tarefa que envolve bastante fôlego social.
O conto em questão, O vizinho hetero comeu meu namorado, de Maumau, é uma pérola. Em que pese o altíssimo grau de violência homofóbica agenciada pela narrativa do desejo (ou desejo da narrativa), existem cenas primorosas. A minha predileta é quando o Paulão come o André na frente do marido deste, o Maurício. Triste é chamarem para a cena um homem heterossexual extremamente rude e homofóbico -- como se a dominação à brasileira justificasse o swing. Contudo, ele faz algo que é bastante excitante, que é comer um dos homens do casal, enquanto o outro assiste, comenta, ajuda etc.
Mas... Paulão não poderia ser um amigo gay do casal? Um affair? Aliás, por que apenas um Paulão, por que apenas uma história de terceiro elemento dentro de um universo pornô-representacional gigante, tão vasto de orgias, surubas, threesomes e ménages e gang bangs gays? Porque terceiros elementos não são excitantes?
Porque a conjugalidade entre gays não é erotizada!
Isso é um lado rico da nossa herança anti-familial, emancipação, #GozarForaDoSistema! Contudo, é um direito no campo do desejo que não exercitamos, e isso não é gratuito. Paulão trata o casal André-Maurício como lixo, e isto está justificado na narrativa de dominação. Todavia, quando é que o Paulo, o Paulinho, não o Paulão, o Paulinho mesmo, que namora o Beto, será convidado para um sexo respeitoso e cúmplice com André e Maurício? Quando leremos na sessão de contos gays um relato como o de Rafaela em Levando rola do amigo do meu namorado, (conto de Menina Curiosa)?

Fiquei maravilhada com o tamanho dos cacetes no vídeo, e meu namorado perguntou o que eu mais tinha gostado no vídeo. Fiquei sem graça, mas acabei respondendo que tinha adorado ver aquelas pirocas enormes. Ao ouvir isso, ele rapidamente gozou. E percebi que ele tinha gozado muito gostoso mesmo. Fiquei com aquilo na cabeça, e em todas as nossas transas acontecia dele me perguntar de outros homens, até chegarmos ao ponto de imaginarmos outro na nossa cama. Eu já havia percebido o desejo dele em me ver sendo comida por outro homem, mas nunca imaginamos seguir em frente. Até que certo dia, nós brigamos e acabamos terminando, e ele foi viajar com o seu melhor amigo, o Júnior. Durante essa viagem, comecei a receber mensagens do Júnior, dando em cima de mim. Não dei corda por saber da relação dele com o Marcelo. No entanto, o Júnior me contou que o Marcelo havia revelado que tinha desejo de me dividir na cama. Aquela situação me deixou excitada, e logo o Júnior já estava falando putaria comigo nas mensagens. Na volta da viagem, acabei voltando a namorar com o Marcelo, e então decidimos convidar o Júnior para realizar nosso desejo. Marcamos de nos encontrar na casa do Júnior. Puxa vida!!! Eu estava muito nervosa na hora, e meu namorado mais ainda.

Não preciso dizer que o sexo foi muito bom.
Há de se pontuar que Júnior não é uma pessoa qualquer que se conheceu em um aplicativo de celular numa noite entediada; Júnior é nada mais nada menos que o melhor amigo de Marcelo. Houve muita cumplicidade em jogo àquela noite.
Enfim...
Héteros têm tesão com traição, nós não temos. Não temos direito a ter tesão com traição porque nossas referências culturais-eróticas relacionam conjugalidade a heterossexualidade -- e homossexualidade a expedientes impessoais, não-conjugais etc. Casais gays se traem, mas não têm tesão nisso. Casais gays não têm tesão em verem seus parceiros fazendo sexo com um terceiro elemento que seja um amigo-affair, nem tesão em swing. E a única narrativa-de-primeira-página-de-pesquisa que é de fato um conto sobre alguém que comeu meu namorado, não fala da relação entre gays, mas entre gays e um homem hétero. Héteros só fazem sexo com gays ocasionalmente, quando estão na seca, e não dividem uma série de referências culturais e eróticas, não sendo, logo, affairs em potencial.
Eu uso esse tom generalista para falar do universo porno-representacional que salta das primeiras páginas de pesquisa dos temas supracitados -- eu pesquiso swing gay e acho swing hétero, WTF! Eu vivo com gente de carne e osso que pensa densamente poliamor, relacionamentos abertos, amor livre etc. Contudo, os dilemas certamente estão relacionados com essa socialização relacionada a gênero e orientação sexual. Tenho muitos amigos gays que jamais erotizariam a traição ou o amigo do casal, mas erotizam os homens heterossexuais e, quando muito, o terceiro elemento casual, não o affair, não o amigo, mas aquele cara que fará uma intervenção muito pontual numa noite regada a Catuaba -- o tal do threesome.
Aqueles amigos que admitem e exercitam conscientemente a abertura das relações em seus namoros com frequência esbarram em convenções que são antídotos à empatia e à afeição. Não acredito que namoros são tão permeáveis quanto os fantasmas que criamos dos terceiros elementos nos fazem supor. Ao mesmo tempo que muitos de nós possui um afã integrista em criar relações em par, conjugais, baunilha etc., parece insuportável que os limites tematizados nos contos heterossexuais de swing sejam trasladados para o lado pink da força.
Trair, para quem é socializado a se acostumar com o sexo seriado, escondido, culpado, é fácil. Difícil, subversivo, é, na contramão de um conjunto hegemônico de referências porno-representacionais que insistem na casualidade e na suruba, restaurar o afeto, e o afeto extra-conjugal, como elementos de um erotismo saudável e sem culpa.