segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

para o cigano podólatra de Mairiporã

cada teu SMS
é rebelde ereção
se a pica adormece
logo ponteiro aquece
me enchendo o moletom


transcendência

tenho pena de repente
da trans sem dente


pinto à vista

navegando na internet
Pedro Álvares Cabral
desvelou certo pacote
descobriu sob ele um pau


baticlinógrafo

no contrachoque
da nossa carne trêmula
ligo o cronômetro
e espero teu bafômetro
se aproximar do meu termômetro


estagiário sonho

ele quis me provocar, chamando de delícia quando entrei, mas o máximo que tirou de mim foi uma ereção.


conforme apagava a lousa, a professora incompetente de sociologia apagava sonhos. e eu, enquanto observava meu corpo soterrado por snowflakes - poeira do giz - amaldiçoava o calor, a poeira, aquela escrota...


sem perigo de errar

rio de janeiro. não aquele paradisíaco, dos macaquinhos, pastoral, mas o secular, dos macacões, lumpemproletarioso. peço um café com leite. retorna em pouco, não há.
-tem café só.
-pode ser.
coça os bagos como se visasse agregar valor ao produto. um e cinquenta. é o mínimo que poderiam pagar a mim por tomar aquele líquido cor de barata. fixo minha atenção sobre a aparência da substância. pondero, seria óbvio e almofadinha demais que, depois de tanta coxinha paulistana verde podre, qualquer chá de esgoto vendido como café me envenenasse.
um miserável - como eu - pede um café. o "coceirinha", como eu apelidaria o ser humano incubido das transações primárias, responde mais amargamente que o próprio café.
-se tiver um e cinquenta aí eu dou.
o pobre miserável acafetado expõe seus míseros trocados. algo como um e trinta. "coceirinha" respira fundo, se coça mais uma vez e, com o ar virtuoso e enfastiado de um santo popular atendendo a milagres de baixa estirpe, traz seu copo de pseudo-café. se tivesse me apetecido oferecer ao coitado minha pequena dose de má sorte requentada, teria lhe poupado suas parcas moedas e em mim o receio do sofrimento.
da próxima vez vai ser cerveja logo.

sábado, 23 de novembro de 2013

CA(M)P/D(ERN/M)O - campineiros leminskinhos

encharcado

chove na UNICAMP
pobre unicão
sozinho em Barão


etnografia tradicional

o etnógrafo preocupado
pensa
avunculado
ou pro outro?


heregia

sancta et ágil
a hagiografia
do agiota


glue-glue

para o per'ustadunidense
o dia é de ação desgraças


minhas cabeças cheias de perguntas
e respostas suas, sujismundas
ou um corpo só que se inunda
pela doce lembrança da sua bunda


na minha frente
ele olha pra trás
de min
---------ha gente


mas veja só
que irônico
eu moscando
atazanam tosca
a mosca e seu vôo
macarrônico


kópros-ducção

coprófilo par
na vala se engaja
na co-produção


LGBT amo


pequena prosa descompromissada sobre um pequeno estruturalista descompromissado

ele se veste como nos anos 1950s. sorri e me olha de esguelha como nos anos 1960s. pensa como nos 1970s. fala como nos 1980s. e me ama como um clássico.


até parece que você não quer
----menino do pantanal
que eu queira te ter
---------------------------eré


você - me - fita
e ---------- evita
você umedece
e ----- esquece
você -- m'olha


caro acadêmico guatemalteco

me mostra logo, não fala!
o que há por debaixo
da tua Guate
------------------mala


pequena prosa descompromissada sobre pequenas rugas pretenciosas

cada pé-de-galinha dela denota uma década de acúmulo intelectual, vivacidade burguesa, sedimentação cortês e ocultos furúnculos na bunda.


enquanto isso o etnógrafo (ainda) tradicional

ficará preocupado
"quem está vinculado
ao meu avunculado?"


discreto terremoto

após o abalo, cismo
me jogo no buraco
abismado


Joel: case report

cheio de vontade d'um vazio
o menino então vermelho
tira a água do Joel
--------------------------ho


pequena prosa descompromissada sobre a paixão-Monet

quando nos vimos pela primeira vez, imaginei que nos conhecêssemos não menos do que duas vidas inteiras. mas, ao retornar ao maquínico e distraído compromisso do teu olhar, tive certeza de que me enganara.


eis que grita o empreendedor

SOLTEM-NO!
eu estou farto
pelo silêncio
e pelo olfato!
quem soltou pum
na dark room?


despretenciosa nota sobre
sereno terno flerte

quero te abraçar
te darei uma blusa minha
--para te abrasar
quero te dar uma balinha
para tua língua tão sozinha
--acolher e chacoalhar
você vem pra minha fileira
a cada vez que torto entorto
carne, ossos, pele e alma
meu pescoço
--------------------(na) esteira
-------------------------------------(da) calma


Gui: case report

e não esconde
sob a epiderme
esta quimera
tão pós-Guilherme
Antunes-kuera


EROS NOV/2013 BARÃO

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

o homem do pau mole II

a segunda parte - da história - é menor.
me ligou. seria no sábado, me ligou hoje, sua voz parecia fanha, prematura, a cobrar, de um orelhão. logo, polidamente, naquele mono-tom, pediu desculpas que soaram muito sinceras e necessárias por atribuir ao custo da ligação a minha boa vontade - e que vontade boa eu estava.
não me retornaria. não vou retornar mais nenhuma ligação, foi mesmo o que disse. fui legal em lhe dar o papel com meu telefone, me retornara em virtude da promessa feita segunda, mas, foi enfático em me dizer, não vislumbrava possibilidade de me procurar mais uma vez. lastimava o fato de - levando-se por alguma pretensão - ter me desapontado.
lhe disse, bom, tens meu telefone, se precisar conversar comigo pode me ligar. Eros, repetiu cristalinamente as já gastas palavras, te liguei para te dizer que não vou te retornar, e lamento ter te decepcionado, não posso te dar feedback esse que esperas. podemos nos falar em outro momento das nossas vidas.
como ele lamento. lamento por não ter podido me entra(nha)r e desestranhar através da sua mórbida esquisitisse, pois, foda-se!, estava mesmo era disposto a morrer de amor.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

o homem do pau mole

"...para mim 'ser humano' e 'respeito à pessoa' não me diz nada, é conversa fiada. Não tenho a menor vontade - concordo, minha situação é diferente - de ser um 'ser humano'; não quero que me respeitem, pelo contrário. Se alguém passa a mão na minha bunda, fico muito feliz. Se alguém assovia para mim na rua, isto me enche de alegria"

"...a morte de Pasolini não me parece nem abominável, nem lastimável. Até acho que foi muito boa. Tão menos banal, por exemplo, do que um desastre de automóvel. Se é para morrer, eu, de certa maneira, a desejo para mim e para todos os meus amigos"

Guy Hocquenghem

o homem do pau mole

suave, lhe disse. suave na nave, me respondeu. suave na nave repeti, como quem encena com desgastada vontade de não parecer enfadonho, mas acompanhando um suspiro de pura ânsia. passeando pelo shopping, me perguntou, aqui é grande, respondi perguntando, gostava das vitrines, e assim seguiram as dialógicas interações. logo as revisitamos, coisa de uma hora, parece que foram duas, mas foi umazinha só, ele me perguntou, depois da terna casquinha - que lhe deixou encasquetado com misteriosa minha generosidade -, me disse, se eu não tivesse chegado em você, você teria chegado em mim. achei que tivesse sido só eu o primeiro a nos desbravar, mas admiti um possível engano, só que não durou muito, que minha cabeça estalou como se o eco profundo de uma escadaria de emergência de um shopping derrubasse suas estalagmites e estalactites. foi pioneiro suave meu que inaugurou nosso tiroteio de interpelações. ele concordou. foi fácil, já que estava encantado pela sua esquisitisse, teria sido difícil pelo fato de seus olhos me enganarem na sanitária incursão, olhando apenas quando os meus desistiam.
em uma segunda, obviamente.
o que gosto de fazer, ainda lambíamos o sorvete de marrom e branco, gosto de andar de bike, eroticamente, está curioso, e eu lhe respondo sim, e então elocubramos todas as modalidades possíveis de relações sexuais envolvendo bicicleta.
parece futebolista você, corintiano, com alvinegra essa camiseta manchada e esse boné de mano. fico feliz de parecer descolado, me desafiou, não, não, corintiano. então, fico feliz de parecer acéfalo, e também ser intelectual, nu e um tanto.
zapeando assuntos, explotation, após um convite cujo sucesso foi polida procrastinação, me disse, e se eu estiver apontando uma arma para você por debaixo da mesa, como em Inglourious Basterds, ao que só pude assim reagir, eu teria uma ereção.
(na escada irreversíveis amores. imiscuíam quase pré-puberes pêlos, nossos vinte e uns. mais tarde me pediu um telefone em pedaço de papel. te ligo no sábado. podemos ir ao MASP, você gosta de museu, coisas culturais. pareceu aflito e consciente. estranho que dói. sexy de tão estranho que dói.)
ele jamais sorriu. te ensinaram a sorrir, lhe perguntei. enquanto nos labiávamos e linguávamos, mais de uma vez tocou meu pescoço como se desejasse apreender com exatidão seus tecidos, fluxos, músculos, com fins de, com precisão, censurar-me a respiração e tirar-me a vida. toquei mais de duas vezes o volume da sua calça, que enigmaticamente abrigava pedaço de carne frouxo, flácido e inerte. tenho mais de três motivos para achar que ele é um serial killer homofóbico. como em Cruising. como em L'inconnu du lac. mas* não me importo, pois quero morrer de amor.


*como venenosos pratos de Gula, do Veríssimo filho.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Páginas rejeitadas do Meu Primeiro Caderno de Sacanagem

aqui reunidos trechos pertencentes ao Meu Primeiro Caderno de Sacanagem (10/2009 - 12/2009), descartados da minha postagem sobre 2009, em 5 de janeiro de 2010.


se eu tivesse um ciclista amor, as coisas ficariam mais perto.
e Lua ficaria mais perto da Terra, minha alma do céu, minha casa da tua boca e eu de você.
seríamos felizes e toda manhã sairíamos para dar uma caminhada no jardim do Palácio de Versalhes.

24 10 2009


as minhas fraquezas, eu as escondo muito. as escondo sem orgulho, as escondo mesmo achando que devessem ser escancaradas. ontem lá no parque beijei outro. sabia que ele ia fumar um beck depois da peça de teatro. mas convivendo com os meus pobres eu descubro minhas verdadeiras necessidades. às vezes eu queria casar. mas quero morar na Vila Mariana.

26 10 2009


eu sou um canalha.
um patife.
um cretino.
sem precedentes.
mas aprendendo.
pronto-falei.

- e um patife.

26 10 2009


que vai ser?
vou ficar assim, aqui, escrevendo?
que nem bobo?
nem tem que escrever, nem tem.

listras.

26 10 2009


eu nasci com você, mas agora, meus pés de galinha me levam pra outros horizontes. serei feliz sendo. já sou. é nessa intermitência humoral que consiste todo esse amor que eu (acho que) tenho da vida. caminho nesses pés-de-galinha da vida cacarejando de vergonha ou orgulho. assumo.

27 10 2009


gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. gostoso. e gostoso. muito.

28 10 2009


Socialismo = Cristianismo

28 10 2009


te vi no shopping correndo atrás de outro. quis pedir teu telefone, mas não tive coragem. o outro sapateava e você gravatava balançante atrás dele. e te ver ajoelhar é muito esquisito.
mas continuavas charmoso.
palpitei de alegria, porque desfaria qualquer mal-entendido, mas corrias frio e preocupado, olhos robóticos e complicados.
ainda te vejo.

28 10 2009


é duro

29 10 2009


labirintado.
morfina cultural.
felicidade pseudo-noturna. carros azuis atropelando segundos mudos.
boicotes aos sentidos.
curvas violentas et canetas negras de 0,4 milímetros.
quase-amor instantâneo.
onipresença musical. não dor.
substantivos-tédio.

29 10 2009


ela era mais ou menos velha. uma velhice escondida na disposição dos sorrisos. uma mulher. criança, enérgica quando queria.
era muito magra, e lembrava mesmo uma linha. e flexível. dobrava-se, de forma assustadoramente elástica, como se um magnetismo sobrenatural distorcesse sua postura. um branco amarelado, expondo os ossos da cara. pouca pele pra muito osso.

29 10 2009


você se ofende se meus olhos te perseguirem?
eu não os controlo, já não posso mais. deixe-os saltitarem atrás na sua nuca - seus últimos fios de cabelo tímidos nascendo.
deixe meus olhos roubarem tua essência um instante.
não se ofenda.
não se ofenda.
eles só querem um deleite. contemplação. um beijo secreto.

2 11 2009


combinação insuportável = calor + carência

carência mais calor

3 11 2009


há dois segundos atrás pensei: gostaria de metamorfosear-me em uma grande e suculenta empada de palmito, e autofagocitar-me, engolir-me, mastigar-me em mordidas ao avesso.
então as migalhas de mim fundariam uma cooperativa, e se instalariam num estúdio fotográfico abandonado, cujo eterno fundo representa a eternamente romântica - ou romanticamente eterna - fachada do Jardim Botânico de Curitiba.

3 11 2009.


descobri com um filme que a vida é a melhor coisa que existe, e que o medo é aquilo que a impede de fluir normalmente, então nós temos que lutar contra ele até as últimas consequências.
SIM - porque a coisas têm que acontecer magicamente, e a sorte não existe, e se existe não passa de uma visão de olhar o mundo, passa de nada a tudo, mas sem mais especulações filosóficas. só sei agora que verbalizar o substantivo felicidade quer dizer o mesmo que "viver".

s/d


vi uma notícia no jornal e lembrei de você
a matéria não importa, já não há mais matéria, só suspiros
apenas um suspiro apertado nas suas calças jeans
a razão pela qual essas desengonçadas saíram andando
tem a ver contigo? tem a ver comigo? tem a ver com o mundo? eu queria olhar pra um jornal e não lembrar de você.

6 11 2009


tire os seus pés de galinha do meu mundo infantil

s/d


A inteligência
o sorriso
o teu corpo
me apaixonam

PRÍNCIPE
que eu te amo
e (não) te conheço

s/d


eu te tucuruvi pegando a linha azul
as leis da Física me levaram até um passeio legal
na minhoca metálica de uma São Paulo cruel
com cus, crus, bares, lares, sensacional

eu levei um natal
no meu bolso igual
um osso, de Santa Klaus
eu levei um natal
regado a coca e cal
um fosso de Santa
é mal

ai ai ai ai ai...
ai ai ai ai ai

aaaaaaaaë!

s/d

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

quase nós 

foi um quase olhar, a princípio, desconfiado ainda que se arriscasse a cruzar com o meu. foi uma quase entrega, pois enquanto nos metíamos circularam monológicas apenas minhas palavras, as tuas incubadas na tua cabeça. foi uma quase janta, eu estou à mesa e o convite ainda não foi feito. foi uma quase troca de telefones e uma quase promessa, pois sequer dividimos demais aqueles gracejos concernentes a um retorno então possível. enfim, foi uma quase vida, que você expeliu do seu mundo como uma árvore que, cansada da flor decrépita e obsoleta, regurgita o ornamento a que dera vida, substituindo-o pela expectativa da próxima coleção primavera-verão.



você foi uma tragédia
extremamente necessária
e deliciosa - na minha
olhe bem que bem posso morrer
por já ter bem vivido com você
e o fracasso por nós sentido
entre fracassadas sensações
mal atendidos foram certos pedidos
e tantos foram os nossos perdidos
que enfim ao me encontrar
estava longe de você
e também longe de mim
em um cine pornô, um fractal
feito de bares, maconha, vinho, e bananal
da mais bela vista da Bela Vista
vimos o céu abaixar - baixo
mas que tal se tivéssemos direito
de não termos mais nenhum jeito
fomos uma tragédia necessária e deliciosa
mas faça as malas, vamos entrar de férias
vamos viver outras tragédias



parágrafo único:

mais um sinal do meu passado, 2011. um amigo da Isabel. ele retornou àquele dia, derivando pelas augustas e paulistas encontrei pelo menos dois conhecidos. normal, para uma tarde ensolarada na maior metrópole do país. nós todas contribuímos com afinco para tornar cada brecha e inflexão um paraíso absolutamente previsível. quando não podemos fazê-lo, brincamos de transformar nossa casinha de bonecas em um castelo de areia de sonhos paulistanos e intranquilos. aí encadeamos grãos de areia com a engenheira convicção de que manipulamos meros tijolos. só não seremos capazes de prever que é nosso o sangue que o tinge.
me irrita a magreza dos outros, me irrita a magreza de um outro Eros, dezessete anos, saindo da sessão com esta mesma bermuda, feliz por ter assistido Prinsessa - faltara no colégio só pra isso! -, cantando a plenos pulmões, com seu emudecido sorriso, Haven't met you yet, para uma pessoa que jamais conheci como o B.T., que jamais conhecerei como o Eduardo de I., ou que cheguei a bem conhecer, como o Thiago. naquele 2009 eu não me importava em ser desejado. digamos, jamais tivera uma noção do que era efetivamente ser fustigado por olhos ferozes e rodeados por ferocidade humana e viril, ou então teria apenas alguma noção prévia e precária, como a misteriosa troca de olhares que, em 2008 - ou 2007? - me atiçou o espírito na terrível ânsia de eternizá-los. cheguei a desenhar um croqui, talvez vasculhando minha gaiola repleta de tigres de papel higiênico usado, encontre, em meio a tardes cantando Amy Winehouse e Leny Andrade e Ivan Lins no Parque da Juventude e trechos sublinhados de A arte de viver para as novas gerações de Raoul Vaneigem, o esboço original, a efígie marcada a caneta com ímpeto numa folha desesperada em me ajudar inutilmente a imortalizar aquele momento que hoje não passa de uma vaga lembrança. aquela fila - estava eu a pagar o livro do Hakim Bey quando teus olhos irresponsáveis insultaram meu autocontrole fazendo meu coração explodir e meu pau latejar -, aquela plataforma de metrô, aquela camiseta (feia) cuidadosamente conservada. Thiago me ajudou a desapegar dela, faltava apenas um lampejo mínimo de juízo estético para cair em mim. no dia em que B.T. desmarcou com apenas uma hora de antecedência o nosso rolê, sentei-me chateado no quintal. vestia aquela camiseta azul, feia. sendo refém e coronel dos meus sentimentos, fui naquele ensolaradíssimo dia para o Ibirapuera, em parte sozinho, em parte acompanhado por seu fantasma. vi caixões da Yoko Ono, meus sovacos choravam. estava tudo começando a ficar bem.
no fim de 2011, enquanto meditava em Pontal do Paraná, ouvi várias vezes a gravação de uma música que fizera naquele ano, que dizia, dentre outras coisas:
no penúltimo dia do ano retrasado
eu me via sozinho na sala de cinema
esperando que os outros me oferecessem algo
é algo que esperei durante muito tempo
talvez eu espere até hoje
não posso ser seguro se todos os homens são iguais
eu desisti e voltei, procurei, não sei, não sei se acho
ah! mas que vontade de sonhar que eu tenho - com outro macho
tardes inteiras de bike, café, museu
ah! tolo sou, sou tolo eu
certa vez disse no facebook a uma amiga que essa música falava bastante sobre mim. ela ouviu atentamente a gravação e elogiou um verso fictício ao qual provavelmente atribuiu o título da música (, ou Sozinho): ah! todos são só, como eu, provavelmente uma leitura plausível baseada na minha péssima dicção ou na qualidade horrível da gravação. no entanto, a alternativa sugerida pelo acaso me pareceu extremamente sincera e reconfortante.
durante a sessão do chato filme equatoriano, vi então esse amigo da Isabel. e, com a eroticidade que me é bem peculiar, logo botei-me a escrever a próxima lista dos meus dias.
parágrafo único:

éramos mil/leminskinhos

talk show

andaram me questionando sobre a pertinência de se insistir sobre um coração retalhado, repartido
e eu só pude responder até agora:
tenho mais de um coração


ode às mônadas

esse prazer do não-sentido
(de gozar de uma certa expectativa gozada
ao imaginar onde logo estará a dedilhada mala)
já o posso sentir
pois
tal qual mônada tardiana
meu cu aberto está


cara Luma

você acha que é uma mulher
e eu acho que sou um menino
e a vida segue
eu mulherando
e você meninando


caro Júlio em outubro

quando voltar do cerrado
eu seu carro encerrado
traga a flor
de que Brasília és


Gi de asas

gire
como a gi re-
gira

pombe
como a pomba
gira


st#1

os mesquinhos
leminskinhos
na cabeça
fazem ninhos


st#2

aliás
a minha
é juventude
trans
e
viada


igorette

tô puída
tô moída

tô safada
tô sa(u)nada


caro Mazinho Perilo

atrás do seu períneo
ou na frente
encontra-se um perigo
aparente
aliás o seu amigo
está doente
...de esperar a sua volta para um bar com balcão prateado e frutas penduradas


st#3

___a chuva
leva a lama marrom
___a chuca
chocolate batom


chucai

acho
que a chuca
machuca


st#4

um facho
de sangue
chumaço
de pelos
saem fezes
da chuca
o cheque?
um medo


caigai

a chuca
me deixa
maluca


contra-dicção

encerro o meu cantar
cantando sem parar


caro Allan

que de tanto almejar 
teu nome em mim
quase - ao nos despedirmos -
te disse
Ah! Lão!


thaigai

viado
thiago
te amo


dê repente-ago

de repente assim
o mundo é um thiago
barulhento e delicado
para o qual só digo sim
sem o qual sou um coitado

2011 is over!

a nossa imagem congelada é uma sombra que me assombra. cambaleia e camaleoa, trocando a bel prazer matizes sem à luz fazer pergunta. a projeção negativada dos meus quilos ganhos sobre o chão saturado de passos me tortura com a mesma película: pedalando sobre sonhos simplesmente, para logo, enferrujados, inumar nossas utopias neste chão de fantasmas, sobre o qual investimos hoje com empenho novas e fracassadas efígies e esfinges. seríamos mais justos e cruéis talvez se, imbuídos novamente desta já arcaica cara-de-imbuia, pudéssemos não culpar o tempo pelas suas vaidades malandras e divertimentos sem graça alguma, mas nos questionarmos pelo que fizemos com um tempo que era tão nosso... ou será que nossos passatempos, tão ansiosos em passar por aí, não passem de um passado tosco e necessário, e hoje pasmos só o possamos verificar não sem esta armadura blasé sobre a camisa de força do nosso desespero. 
tudo acabou, até certo ponto. tudo acabou, até a metade. porque a nossa imagem congelada é esta sombra prendendo, goma de mascar enredada no calcanhar do arquivo morto de descobertas, prazeres, afetos e apuros, salada de frutas da experiência, vitamina de quilômetros rodados em quase-buracos de conversas, corpos, confusões, convites, covardias, começos, cobiças e corações. agora nos encaminhamos para a consagração de um grande vácuo, este futuro em que vivemos, vergonhoso se aproximado do futuro que planejamos naqueles dias. por causa daquele susto bom, hoje vivemos assustados, e em que passado confiar?, e em que vocês confiar?, se o  vazio da nossa liberdade violentamente despida não nos quer oferecer nada além desta nudez transposta para a arrepiada superfície dos nossos sonhos desenganados.
abandonaremos um dia o fetiche do congelamento e o tabu do derretimento? estou pronto para resistir às histórias que tanto querem me possuir. posso ir além disso, ou podemos? se no pulo do gato capturam-me estirado sobre a perplexa melancolia das tardes, posso saber-me entendido se reitero - O QUE QUERO. e me esmero em dizê-lo: amig@s, está tudo acabado entre nós, até que a santa interceda (que tão cedo quanto fosse possível fôssemos embalados nos sedosos e santos hábitos, nas suas santas sendas e sulcos, ainda cederíamos incontinenti ao antisséptico ceticismo).
até que o passado nos engula, está tudo acabado entre nós. se não entendemos, será bom talvez repetirmos em voz alta, como em um ritual holístico, esotérico, asceta, e eu me voluntario, grito em alto e tom bom: FIM! É O FIM! ACABOU! 2011 is over!
quem sabe assim em paz podemos envelhecer de uma vez, terminando por matar - aleluia! - a mais bela história de adolescência tardia, arrebatando-a com o focinho estourado dos pobres dias vindouros que queremos tanto porque nos é insuportável a ideia de que uma vida como aquela possa ser possível, legítima e justa em um mundo obcecado por nos tornar doentes.
o peso da terceira década, enfim, escroto e irresistível. essa imagem congelada, teimosa projeção na sombra que rejeitamos, era um picolé mesmo, que derreteu e evaporou, e hoje olhamos dos nossos cubos monótonos a chuva com tédio, fatalismo e puro (fingido) desinteresse. aparentemente, nossos para-raios nos conservam do distúrbio, nossas carapaças nos protegem da chuva. mas, sabemos, aquilo que sai do mais fundo de nós, e que nos desespera por não podermos conter, é o meigo e irresistível e incontido desejo de espreitar a vista na busca daquele arco-íris que, sabemos, está em algum lugar além das aterradoras trovoadas.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Amor Irreversível #8

_____claramente rebrilharam teus dois olhinhos grandes e pretos do bananal saturado de negras vultuosas bananas quentes no pior arborizado ar paulistano, feito de pseud'oxigênio e excrementos bombardeados pelas cloacas dos aviões, e me disseram sim, com sagacidade e brilhume de olhos pretos grandes que eram meus e só, lição que só na casa do caralho, ou quase tropical quintal das pirocas, perfumado tabaco dos pelos e maconha das picas, só mesmo ali é que estão reunidos santos, orixás e interseções necessários para consagrarem e consagram: és, tal seu irresponsável reflexo, a cor mesma de chorume aceso destas bolinhas de rato.
 
_____te quero além, foi bem o que disseste ao me arrancar - pelo delicado toque de mãos das tuas palavras - para o teu carro, para o teu comentário acolhedor sobre a antiga casa do Clodovil, e disseste então: olha! ele nos olha de cima, nos quer tão bem que, na sujeira verdejante e brancacenta desta torpe natureza, ungiu a bênção em gotas de suor e esperma e discretos contatos com geadas incandescentes de sangue e merda, pois trafegávamos por Indianápolis com a única certeza que rodar por esta pequena e higienizada cidade era já metonímia e metáfora deste novo grande caminho chamado felicidade.
 
_____e quando então nos beijamos, é feito se a sua mística simpatia de silêncio com moléculas da minha boca decidisse - e tomei ciência - admitir: não tenho, Eros, outro motivo aparente e menos certo para ter chegado aos vinte e dois órfãos anos, senão participar presentificado e estuperplexo do estro dos teus eróticos beijos. Ó, Eros, como te agradeço por isso!
 
_____e, genuflexionado na cama deitada de sonhos penetrantes de uma câmara de aceleração de partículas, lhe respondi com minha língua - esta, feita imensa sorte grande, lhe passeava a glande - que a nossa certa vida era eterna e prenhe e não desejava mais que um canibal impulso de si mesma sobre a cabeça tonta de todos os seres humanos que aí se tornavam pobres. infelizes.
 
_____então estávamos de acordo, que o sangue expelido em salpicados vasos sanitários na já gasta semana, convertia-se na seiva da tua pica afogada pelo látex besuntado de KY, criando essa clara referência de que, ao arrombar o meu rabo, me juravas jamais ter antes gozado a uma só vez de tão ereta conclusão e insensata sensação: plenitude nunca antes experimentada em qualquer sua incursão pelos confins dos fins do mundo e jardins de pegação.
 
_____fato, abandonados os métodos inócuos de contracepção, dissemo-nos enquanto metia meu caralho duro e nu e nua sua bunda me engolia, em uma piscina vaporenta de lubrificações biomoleculares e bosta requentada e adormecida na penumbra dos teus fundos quentes, repito, nos dissemos, vemos este corpo que, carne, sangue e espírito, se funde na locomotiva dos milênios de vida condensados nos segundos condenados a milenares serem? é o corpo que corporifica a vida que sempre quisemos!
 
_____é óbvio, havia essa caneca com a água derradeira da torneira à beira da pia, de cujo líquido sorvido, de cujas lágrimas verticalmente vertidas ouvi, quando me disseste que cozinharia no jantar próximo, que me recitava na verdade:
fogo alto
fogo brando
cozinhar-te-
ei te'amando
na panela
feito mago
temperando-
te co'afago.
 
_____e o beijo dado, logo após você ter corretamente registrado o meu número no teu celular, sinalizou, não te preocupes, meu bem! nossa vida é uma vida só e nada mais, portanto não te aflijas, logo nossa mútua possessão mesmo escorrerá ao vento feito grande e imbatível flâmula, que com descarado e inevitável orgulho devastará toda tristeza, toda mediocridade, todos os dias mal passados de cru e chei' de verme amor.
 
_____mas eu passei o dia inteiro esperando um SMS que você não mandou.
 
_____ou será, então, que eu entendi tudo errado?

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

algumas anotações daquele caderno com a capa do Jardim das Delícias Terrenas, do Bosch, que a Eugênia me trouxe de Madri

tem samba que só no título é samba
e gente que é legal até a página dois -
mil - e - treze tem sido um ano para o desapego
e eu não pego mais ninguém - se for pra amar
eu não estou confuso, o samba samba na cabeça
os dedos sambam a caneta no tecido do meu corpo
eu estou branco, estou preto neste samba em que não há a-
manhã vou acordar num dia que não quero



Gi

Agitar os ovários
até os canários
de manhã Cantar
fazendo poesia
com nossos corpos
até o dia raiar

Eu

Agitar os contrários,
vacilar os armários
de manhã Dançar
na noite paulistana,
início de semana
até meu corpo raiar



21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10... vinte e um dias! faz vinte e um dias que nos vemos diariamente, esses vinte dias e esses vários beijos, interstícios, fugas, um olhar que me arranca o fôlego, um toque clandestino atrás de uma lona de barraca, um beijo tímido na praia, um beijo ávido na praia, meu pau duro no forró, um susto gostoso na minha vida, olhares cruzados no café da manhã, uma ternura vulgar, vulgar são meus sonhos, o anseio por ver-te levantar do banco de ônibus, lágrimas que escondemos, notícias inconvenientes, a vida que eu mais queria, sorrisos incandescentes, incandescentes são seus toques, e, de repente, a partida mais temida e horrorosa da minha vida.
hoje não dormimos juntos.
amanhã não nos veremos.



as funcionárias e funcionários da padaria na USP me chamam "jovem".
- Café com leite sem açúcar, jovem!
lá fora, aqui fora a falta de luz do sol me olha com a perplexidade que tem os olhos da cadela Frida, mesmo soFrida não me Kahlo.
experiencio guerras atômicas entre sentimentos.
experimento parágrafos curtos.
em um exercício de reflexividade admito que eles também me experienciam. na verdade não entendo como a dor se torna ponto final. se eu que sinto a dor, ou a dor fica me sentindo, curtindo a minha dúvida, a minha angústia... o quanto essas cartas do cárcere estão me escrevendo?
escrevo poesia como quem crê em um mundo paralelo, senão cercado por livros ambulantes - como em Farenheit 451 -, então poluído por figuras de linguagem, as traduções das traduções das traduções.
ele me disse que todo dia lembra de pelo menos duas coisas escrotas que fez comigo. eu também. incrível como até aqui estamos juntos.



as suas pequenas tentativas - que foram nossas, que são, talvez -, tão sinceras, tão amáveis, são evidências, são pequenos grandes sucessos.
nosso amor, tudo o que lindamente vivemos foi bem descrito por você hoje no telefone. em formato esférico, túrgido, ou em forma de coração, cheio, apertado, denso, nosso amor está todo ele sustentado por um fragilíssimo fio de tênue e obstinada teimosa-vivência. e o nosso papel, hoje, é amar sobretudo este
fio.
com.
todas.
as.
nossas.
forças.



thI - A - E

não é tanto o terçol no meu olho esquerdo o que me azucrina. nem tanto os problemas e as severidades por ter cedido à tentação no almoço do dia 23 - ou 24 - e cair na piscina. não uma valsa na esquina. nem a estarrecedora ambulância e sua estridente tercina. não é a aterradora buzina - daqueles que resistem de terno sob o sol escaldante ou gelada garoa fina.
ter.
ter-vos.
ter tremedeiras de perdê-los.
problemas. de pronomes.
cascatas que se desdobram, triplicam, ao cubo.
cada parte do meu peito que vacila, é um terço, e cada ciclo de orações finda às três da madrugada.
e todas essas trivialidades por mim tergiversadas, não têm mais a ver do que com a afobada e serena sensação de ser. mos. três.



a iminência do espirro

passo no USPão e compro, como de costume, um pingado. então, sinto que vou espirrar, com uma espontaneidade tal, que não seria jamais capaz de pousar meu copo de café com leite quente sobre qualquer superfície plana e estável. portanto, me encontro na desconfortável posição de não deter controle inequívoco do futuro. não sei, por não conhecer a intensidade do espirro e os impulsos precisos que o mobilizará, qual a quantidade de café que se derramará sobre o meu braço e minha camiseta de manga comprida, e talvez no meu crocs e assim, no meu pé. não sei se alguma área sofrerá algum grau de queimadura, não se se o açúcar provocará aquela desconfortável sensação de que se é uma meleca. não sou tão capaz de vaticinar os danos que o espirro causará, pois ainda há a possibilidade remota de o meu corpo mobilizar gestos contra-catastróficos, meus reflexos ligeiros, rápidos como encadeada fora a situação. assim, não descartaria o alarme falso.
minha vida está essa iminência do espirro - o momento exato, exatamente prévio à tragédia, dura e tragicamente congelado.

tenho aprendido a viver nessa situação. na verdade, vivido bem, até. não me preocupo mais tanto com esse futuro dado, uma vez que o futuro já havia começado e eu não havia me dado conta. estou mais interessado em futuros outros, e tentado mostrar para as pessoas que a vida entre a consciência do espirro e seus efeitos temíveis e imprevisíveis é não só possível, mas desejável. na verdade, o que temo hoje, acho, é a consumação do espirro.



como que por uma revirada volta - T. retorna clandestinamento ao meu coração clandestino - mirei retro & ativamente este passado recente. se, banais, me escapam formulações genéricas - não obstante verdadeiras - do tipo "tenho te amado mais que muito nesses dias tais", não sou menos vítima de miriateísmos portáteis feito "fulgura a Lua como mera tentativa albina, alta & ávida de presentificar certa ocular e castanha beleza, que todavia, por a ti pertencer, jamais dela será, num lunar e exitoso fracasso". toda a minha consideração a ela, mas certamente, perto de ti, será menos que um satélite.
satélite - tadinha - não és, satélite soy yo. um satélite meio confuso, confesso, transitando entre dois sóis, duas órbitas de gravitacionais e interestelares campos.
ao meu redor apenas redes e linhas, que me novelizam, que me enredam em pretos cachos, espalhados heterogeneamente em uma riqueza de topografias a serem desvendadas à exaustão.
como num Brasil, castanhos que desvelam longínquas paisagens, depressões insuspeitas, florestas de negra cútis, pântanos de cândidos tesouros... na saborosa numismática dos nossos possíveis - deliciosas e alvas poças que misturam desejo com abortos -, sou o insaciável tio Patinhas a deslizar meus gostos por superfícies banhadas pela vida interrompida e convertida em suculenta moeda.
gozam minhas papilas gustativas de você.



Teu cheiro ainda está em mim

não sei bem a certo se você possui o perfume que comprou na loja
ou se de repente o cheiro que ontenta teu corp'escoço suculento foi na verdade roubado pelo tal perfume
eu lá não tenho grilos - desde que o frasco vil, possuindo-te com moderação, não esgote a fragância-esta, frescorosa flor do cerrado
nos empesteamos esta madrugada
nos imiscuímos, promiscuímos olores, procrastinamos odores e prostituímos fedores
até ultrapassarmos o meio dia, como deliza-liz o R teu, no boa taRde teu
minha mão está com o seu cheiro
pudesse imaginar com detalhes um mundo em que, para cada quente-Júlio aperto de mão eu empreendesse, multiplicassem aromas-esses, um fantástico mundo em que todos exalassem tal juliano perfume, que de tão cheiroso me fizesse perder o metrô
bom...
teu cheiro está em no meu corpo
ou será que este cheiro era meu o tempo todo
- e eu não sabia?



canção da solidão segunda-feira
canção da segunda-feira só

I

só.
sozinho na plataforma da estação anhangabaú.
lembro e sinto nós não com a condescendência implausível daquele que entre certa antipatia por um massacre ou etnocídio. mas tremo pavorosamente como alguém que sabe o que é à força ter o couro fatiado, acompanhando de perto a chaga que destrói e carcome o peito de alguém próximo, um familiar, um amigo importante, talvez.
não sem rancor escrevo estas palavras sobre esta parte de mim que, acometida por uma paixão ao avesso, cedeu à capilar penetração de uma mediocridade cosmética e de um desinteresse endêmico.
pobrezinho, não é mais o mesmo, e os fiapos de nossa história atual - que sem saber se é bom, me acompanham - só me arrematam sofreres.
disto que é hoje, tenho medo e horror, daquilo que éramos, só lamento, somente.

II

só.
sozinho entre as estações brás e bresser.
nunca entendi direito você, que me acusa de nunca ter querido lhe entender. nunca nos entendemos plenamente. isto não é objetiva e necessariamente ruim. acho que, quando nos abríamos ternamente - jamais esquecerei daquelas cervejas na frente da PUC -, e você tem em si uma ternura deliciosa quando quer, era como imergir num oceano delicado de sensibilidade e coisas bonitas.
de um certo momento em diante, passamos a discordar com perigosa recorrência. do meu ver, parece que não havia nada em mim com o que você pudesse concordar, fosse minhas ideias, sentimentos, sensações, práticas afetivas, opções estéticas, posicionamentos acadêmicos, relação com nossos amigos, teu namorado - que fora um dia amigo meu -, e agora discorda até da possibilidade de nos comunicarmos e, quiçá, da minha existência.
em um certo momento, concordar com você parecia ser obrigatoriamente discordar de mim.

III

só.
sozinho na passarela do metrô tatuapé.
meu coração tremeu a cada vez que chequei meu e-mail hoje, sonhando em encontrar nele menor sinal que fosse. tremeu quando colhi o envelope - tão vazio estava - com apenas um mero guia de exame médico e um par copiado de chaves da minha casa. a cada SMS que recebeu ao longo do dia, tremeu temerosamente. tremeu quando estive tomando pingado e comendo pão na chapa com um amigo na nossa padaria. e tremeu muito - quase saiu por algum buraco meu - quando deixei um bilhete na sua porta, apertei a campainha e corri pro elevador.
tremeu e tá tremendo de ansiedade e medo.
ansiedade de te ver e tocar e sentir, medo de perder teu tato e olhar e tudo em você que me faz tão feliz.

IV

só.
sozinho andando pra casa.
vendo a foto tirada em Madri, lembrei da tua magreza ousada. não exatamente uma mera magreza magra - não! certamente isso não! -, mas aquela que fornece os passos sensuais e trilhas inóspitas - mas, óbvio!, desejantes - do teu corpo. a porta de entrada deste parque exuberante é certamente a afabilidade gratuita do seu sorriso amigável, e a plataforma de identificação se processa no protocolo hipnótico de apreciação ocular. decerto, e ainda bem, tuas durezas e malemolências são labirínticas e não me permitem jamais sair.
mas, ainda que houvesse sabida saída, jamais dela faria qualquer uso.

V

só.
sozinho na cozinha de casa, a casa que recusaste conhecer.
embora estejamos tão distantes - okay!, confesso, não é a maior distância que conheço, e já estou ficando mestre em distâncias -, tua doce fragrância - da qual certos perfumes têm oportuna e sensatamente se apropriado - enche todos os aposentos em que entro - ainda que a única parte material daquela noite que ainda não tenha sido lavada seja a camisa prostrada na cadeira azul que está na sala. e mais, como não a lavei, também não o fiz com a minha alma.
com saborosa intensidade, teu cheiro abandonou a Ceilândia e inundou a minha vida nos vinte e três minutos e dezesseis segundos em que nos falamos por telefone.
com uma nostalgia de quem ferve de lembrar do calor da presença única de uma certa pessoa única em uma madrugada única, suspiro flores e sonho com mais dias saturados do seu perfume.
quem sabe (em) novembro?