terça-feira, 20 de outubro de 2009

sem dono.

Ninguém sabia o nome daquela moça.
Ninguém sabia se ela tinha sequer algum nome.
A vida dela era andar pelas plataformas lotadas da rodoviária do lugar discursando.
Discursava sobre tudo.
Era.



O meu esporte predileto

Vocês não sabem como eu adoro acordar segunda-feira de manhã e tomar uma xícara cheia de café.



O Tombo da Senhorita

-Por exemplo, se você está em um shopping, e de repente aparece um pobre na sua frente, o que você faz?
-Acordo.
-Não, de verdade.
-Sei lá. Nunca vi um pobre aqui.
Estavam em um shopping, não importa qual.
-Mas por que você 'tá perguntando isso?
-Por nada. Passou pela minha cabeça.
Esse, o Felipe, tomava um milk shake que custou 1% do seu salário mensal. Contudo, a camiseta que usava custara 10% de seu salário, sua calça 13% e seu tênis 20%. Não importava, desde que não fosse pobre. Tinha horror a pobre, a ser pobre.
-Tem açúcar demais nisso aí.
O outro, um tal Ronaldo, compartilhava dos mesmos valores do amigo. A diferença é que este, por não trabalhar, tomava emprestado do outro as roupas que usava quando ia ao shopping.
-Olha aquela mina. -o Ronaldo avistou.
Aquela mina que passou era uma Irene, que estava cumprindo sua função, de não ter função alguma, com pompa e competência.
-Qual?
-Aquela.
-Que tem?
-Duvido você chegar nela.
-Há! -deu uma risada debochada. -Eu também duvido.
-'Cê é 'mó cuzão. Por isso que não pega ninguém.
-'Tá em choque, vá pescar!
Clima tenso.
-Vixe! Seu amarelão. Isso que dá, não tem iniciativa, chupa dedo.
-Olha, você me erra, que eu não 'tô afim de brincar de boneca hoje.
-Oopa!
Derrubou propositalmente o milk shake na camiseta do amigo, que custara 10% do salário daquele. A briga tornou ares mais formais, e lá estava um em cima do outro. Antes do segurança chegar, a moça de nome Irene aproximou-se, tentando de alguma forma apartar toda aquela poeira, mas acabou por escorregar na sujeira que os dois promoveram e bateu com a cabeça direto na quina de uma cadeira. O tombo da senhorita alarmou instantaneamente os dois, que começaram a socorrê-la do modo lúdico e grosseiro que conheciam da televisão, mas não foram muito úteis pois o pessoal especializado já chegara: da saúde, e da segurança. A moça foi levada às pressas para algum hospital de griffe e os dois rapazes saíram do prédio se amaldiçoando. Os dois voltavam pelo mesmo caminho, mas um, o Ronaldo, decidiu inventar um outro compromisso, pra não ter que ir ao lado do amigo.
Chegando em casa, o Felipe já perdera uma porção de sua indignação, e estava preocupado em como gastaria o resto da sua grana. Sua mãe morreria dali a dois anos, mas até lá ele não precisaria se preocupar com o seu salário, a não ser em como o gastaria competentemente com inutilidades e falso status.
Sentiu-se então inspirado para começar algo novo, que quebrasse sua rotina. Talvez tivesse sido a mixórdia que provocara na praça de alimentação. Mas, no fundo, era a imagem de Irene, tão terna e desastrosa, estirada involuntariamente, e sangrando, no chão daquele paraíso asséptico, que lhe trouxera uma ansiedade de produzir algo que jamais vislumbrara.
Daí, tomado de estranha euforia, pegou um caderno, que de tão abandonado já se encontrava amarelo (de vergonha), e o desvirginou, violando a morbidez que aquelas pautas lhe emprestavam, com uma caneta que demorou a pegar, mas depois saiu rabiscando quase-tímida aquela superfície tão esperançosa. Escreveu com caligrafia infantil "Irene". Ia escrever um poema.
Subitamente, juntou caderno e caneta e os jogou sobre a mesa com relativa fúria, perto da fruteira, decidido a abandonar a empreitada com a qual terminara de sonhar.
-Eu hein! Isso é coisa de viado.
E foi assistir televisão até dormir.

DIÁRIO DE ESTUDOS FIGURATIVOS ou PARTE X da MINHA PRODUÇÃO DOENTIA E ENTEDIADA (excerto#1)

2009.
há quem jure que não, mas era 2009.
o chão tremeu.
São Paulo do nada torna-se um burburinho. a multidão sincronizada grita. notas de guerra, bombas de festejo.
o pobre tolo, plebeu, sai ao quintal, e apontado, diz:
-Mãe, acho que o Corinthians fez um gol.
Pobre amanhã.

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e depois que eu acordar
meu amor e eu vamos tomar um grã-café com os grãos gradualmente melhorados
vamos estar felizes, vamos estar sarados, vamos estar safados e as crianças chinesas trabalhando
vamos passar a noite inteira transando, enqüanto jovens estudam e jardins são retocados, eu vou ser tocado
à noite vamos ao jazz, porque temos pés. enqüanto eu leio na rede, separando, uma parede, torturantes jaulas vos abraçam
vocês se carapaçam e nós percevejamos. bebamos. preciso lembrar
como é doce o amargo

9/5/2009

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é claro que eu te escuto
consciência minha não falha
nada falha, tudo é palha
por que eu te refuto?
enqüanto luto, estás de luto
tudo é secreto e verdadeiro
inclusive o dinheiro
eu secreto no banheiro
nada é falha, tudo é palha
eu não te fumo, eu não te trago
não bebo o sumo do teu afago
não me afogo em teu lago
eu flutuo, eu ciclovôo
é claro que eu te escuto
consciência-fruto, e de você
desculpa, eu gosto de outros

9/5/2009

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da Imbecilidade

-oi
claque.
-tudo bem?
claque (mais alto).
-eu vou bem, e você?
claque com aplausos.
-bem. vim pegar minha geléia.
claque.
-toma.
risos.
-tchau.
-tchau.
claque, o mais alto possível, culminando com aplausos.
acaba a peça.

16/5/2009

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e da próxima vez
que eu te ver no banheiro
sorrirei ligeiro
mas não porque você não é, e sim porque é profissão minha te fazer sangrar de tanto pensar

16/5/2009

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Mas como são, assim, tão iguais, tão perfeitinhos esses garotos, esses rapazes morenos, de cabelo eriçado e brincos cintilantes. lembro de cada uma das vezes nas quais me apaixonava por um. eram vários em um mesmo dia. era a imagem de um na cabeça, e seu corpo na minha destra. sem pensar ia ao banheiro e me matava, batia, e era bom demais então. acho que nunca peguei um legítimo daqueles. talez minha imaginação seja afinal mais excitante. passam meses e eu permaneço criativo. e ativo.

17/7/2009

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mas é isto que se faz: despreza-se o de baixo, endeusa-se o de cima. eu tenho um pavor do estigma.
é aquilo; "de vez em quando todos os olhos se voltam pra mim, de lá do fundo da escuridão, esperando e querendo que eu seja um herói."
e que pavor eu tenho de ser padrão. não dá pra ter escolha no mundo onde o desconceito é o próprio conceito.
mercadologia: penso, logo sou.

mas eu não tenho chicote, 18/7/2009

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NOMEIO ISTO COMO DIÁRIO DE ESTUDOS FIGURATIVOS ou PARTE X da MINHA PRODUÇÃO DOENTIA E ENTEDIADA

18/7/2009

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A minha sina é tomar toddy com leite desnatado.
como as pessoas podem ser tão não-vaidosas a ponto de subeterem-se a essa terrível fórmula? como contentam-se em acordar, comer uma uma bisnaga com margarina e tomar qualquer achocolatado com aquela água, à qual dão o nome de leite desnatado? minha vaidade me impede; louvo aos sem-paladar, esses merecem meu respeito.
mas Freud explica.

19/7/2009

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Omiti-lhe qu'eu sonhara que ela me assediava. Meu ego cristão, todavia, me aplaudia, dedicava cânticos e cantatas e novenava a cada meia-hora. Contando as pausas para a manutenção fisiológica matinal (urina, dentes, estômago, e não necessariamente nessa ordem), gestos mecanicamente urbanos, foram uns quinze minutos dissecando a minha epopéia onírica (e eu nem partira para a psicologia ainda).
-Tive um sonho muito louco, véi!
-Eu também.
Não lhe dei bola.
-Sonhei que 'tava numa festa, tipo, na minha casa e, tipo, a minha vó 'tava, 'tava tipo um pessoal. Então teve uma hora qu'eu subi pro quarto e lá 'tava a Dani e a Mariana, da minha sala, e as duas começaram a me zuar, que a Dani tinha acabado de comprar, ou ganhar -não sei-, uma bike, e ela falou que não ia sair comigo pra gente andar de bike. Daí eu olhei pro lado e tinha tipo um manequim com cabelo, e eu levei mó susto. Aí eu desci e a minha vó 'tava se arrumando pr'uma festa tipo na casa ds meus tios, acho, lá em Curitiba. Não sei, mas eu acho que ela me ofereceu uma batida. Então eu falei que ia sair e ela falou pr'eu não demorar. daí eu fui tipo pr'um shopping, e encontrei uma prima da minha mãe, Elizete, e a gente pegou o mesmo elevador. Daí a gente foi falando mó papo maluco; eu falando da minha vida, minhas condições financeiras, meu futuro e, tipo, rolou mó papo e tal, daí eu olhei pra ela e ela 'tava mó diferente, bonita, de cabelo curto, não-enrugada (que a Elizete tem bastante rugas), de brinco, e com um quê de lésbica. Daí parece que eu me identifiquei co'ela, e perguntei se ela era cientista social, ela falou que era, então o elevador do shopping (que parecia o Anália Franco, mas era de Curitiba), desceu a gente meio diagonal e super-rápido pra tipo uma estação de trem e, do nada, acho que depois de pegar um trem, a gente deu tipo num parque, que 'tava cheio de índio. daí, começou mó discussão filosófica e sociológica sobre a questão indígena e tal. eu argumentava e, tipo, ela concordava e tal, fazia mó bem pra mim. daí meu sonho acabou, no parque.
Sorriu quase sem-graça.
-Legal.
Quis ser educado.
-E você? Sonhou com o quê?
-Sonhei que comia um passarinho vivo.

20/7/2009

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eu lembro de quando a minha vida era um filme pornô.
textos curtos, eu ainda fazia questão de um sexo estético.

20/7/2009

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Sem título sobre uma dor avulsa

ou Distantes diálogos intertextuais machadianos.


Tô no pique. Carente de televisionismos eruditistas. Vinho, fossa standard, ou um bom livro, um bom par de olhos, que me digam as mais cegas besteiras, em uma ciclista noite. Me falta, e essa falta é tudo.

Ando no pique. Ali lanhado, sofrido, mexido, fingido. Sofrendo de tanto rir, num desespero chorado, um desespero afogado, acobertado, um veludo seco empoeirado, um riso gritado, de uma secura vocal. Me falta, e essa falta é tudo.

Danço no pique. Preciso de amores, de flores, de um amor-chocolate. Preciso me sentir vivo, de lábios que me labirintem, de cheiros que me pintem a alma, de uma alma que me morra o estresse. Me falta, e essa falta é tudo.

Vivo no pique. Nessas horas magras, ou gordas e insensatas, de tanta amarela sensatez, nesses momentos lúcidos. Nesses fracos frascos que sangüíneos explodem, agulhando o alvo, cândido inferno. Mas me falta, e essa falta é tudo.

Pique, esse fim de semana que nunca chega. Essa história recém-abortada, esperançosa de desfibrilamentos, esse pensar no que não-há-de-ser-ousado, esse sacro, que é um saco! Eu perco o fundo, flutuo um nada, ausência surda que me ensurdece as fibras. Porque me falta, você me falta, os momentos estão aí, mas você me escapa. Me falta você, me falta o ar, me falta a vergonha. Me falta!
E essa falta é tudo.

sábado, 17 de outubro de 2009

Dei pra maldizer o nosso lar.
Música psicológica, meu player arueirava.
O hospital é um lugar eterno, paciente, pacientes esperavam a morte, ou pretendiam a vida.
É a volta do cipó de arueira no lombo de quem mandou dar!
Música psicológica, meu player passava o tempo.
Meu, foda-se, música é psicologia, sempre acho-achei, pronto-ferrou.
Mas batidas perfeitas e outros aristotelismos à parte, lá estava, pacientando, paz e então, eu.
Enquanto eu falo besteira nego vai se matando.
-Boa tarde, você gostaria de um bocado de luz?
-Gostaria.
-Então toma! Um pouco de luz nessa vida.
-Eu disse que gostaria, não que queria.
Um clima Kubrick, muzak, devia ser a Eldorado.
-Eu quero aquele relógio.
-Você quer o relógio ou as horas dele?
-Às horas só o grande tem acesso. Quero na verdade seus ponteiros, para apontar compromissos.
-Você quer o relógio ou os ponteiros dele?
-Quero mesmo os ponteiros.
Tudo muito branco e futurista, como se passasse num futuro alvo.
-Algo mais?
-Você tem dono?
-Sim.
-Você é escrava do seu dono?
-Sim.
-Desculpa, não sabia que você era feliz.
-Que bom que o senhor fez essa pergunta, já estava a me sentir constrangida.
A história não passa de história, por isso ninguém liga.
-Eu quero falar mais com você.
-Eu também quero.
-Adeus.
-Volte sempre.
Partido sempre será uma organização mal-sucedida. As coisas são partidas quando não funcionam, amigo.
As ruas não tinham música.
Mas o meu player toca sons psicológicos e eu sou feliz por ficar brisando aqui, escrevendo o que me dá, porque aquele meu leitor hipotético vai chegar e dizer que "deixa eu dizer o que penso dessa vida, preciso demais desabafar".
O rei chegou, e atrás dele o povo inteiro.
-Oh!
Às vezes saía um sentimento.
Voltou ao hospital que vendia compromissos.
-Desculpa! Não preciso mais disso, vou morrer de gripe agora.
-Foi um prazer negociar contigo.