Arte como forma de segregação II
Quando falamos em termos como academia, indústria cultural e alguns outros conceitos, devemos ter a cautela de situá-los em seus devidos contextos, de encaixá-los em seu lugar reservado.
Quando falo em Arte como agente de segregação, estou me referindo a uma dimensão específica das sociedades ocidentais humanas. Simplesmente sabemos precisamente tudo quanto foi descoberto acerca das manifestações artísticas desde Lascaux até Damien Hirst. Entretanto, essa História se refere quase que exclusivamente à História Ocidental (tudo aquilo quanto não for considerado de importância para a consolidação do oriente apenas surge como relevante quando tangencia o enredo dos vencedores coadjuvantemente).
Logo, a historiografia se preocupou durante muito tempo em apagar todas as manifestações artísticas que fugissem a um determinado padrão cultural de determinada época, ou simplesmente que não fossem reconhecidas socialmente pelas camadas mais influentes e poderosas das sociedades históricas. A simples preocupação que nós dos séculos XX e XXI temos em criticar e classificar as "baixas" manifestações é apenas um sintoma de que nos foi permitido descer do dogmático altar da arrogância do conhecimento esclarecido e absoluto (mesmo porque cada vez mais se dá conta da importância da dialética).
Contudo, nosso olhar moderno treinado reconhece facilmente as categorias de Arte segundo as clivagens artificiais que a crítica (popular ou não) cria para classificar. Temos então os conceitos de erudito, popular, folclórico, e cada um deles representa uma determinada estima social e, por conseguinte, valores morais. O sonho situacionista da supressão do artista talvez tenha a ver com essas clivagens que a sociedade moderna deixou mais nítidas e, ipso facto, as tornou mais deliberativas e arbitrárias.
Hakim Bey provavelmente se refere à morte da Arte justamente como aquela que a academia vem legitimando ultimamente. Mas justamente o fato de que elite intelectual perdeu os parâmetros artísticos é ao mesmo tempo reflexo e causador de um colapso total, pois a orientação artística da elite é justamente o que legitima ou deslegitima as manifestações culturais dentro da História. Considerar Damien Hirst, que nada mais é uma mercadoria sobre a qual os milionários do cassino global (termo de Cristóvam Buarque) especulam, como sendo o grande expoente da contemporaneidade é simplesmente explicitar que o espetáculo (aqui falo em Debord) se apropriou de todas as possibilidades de exercício do intelecto (e destruiu qualquer capacidade de estímulo à criatividade, fator que para Vaneigem é sine qua non para, mais do que a existência da Arte per se, um sentido para a existência da Arte que remeta à realização pessoal).
No final das contas, temos uma contemplação alienada.
Da Teimosia
Eu acho a teimosia a grande virtude do homem, e a sua contribuição para o processo histórico.
O desrespeito é uma coisa tão bela. Ele é uma roldana sem a qual a máquina dialética simplesmente não faria sentido.
Me falam que é importante respeitar os mais velhos, afinal, um dia o serei também eu. Eu não quero respeitar nada, terei orgulho do desrespeito da minha geração posterior, pois dele e dela nascerá uma nova História.
Me falam que o respeito entre gerações deve ser recíproco. Mas eu não quero ser respeitado pelos mais velhos. Ter que ser tolerado seria simplesmente a chatice maior do mundo.
Afinal de contas, a maior das virtudes humanas é a teimosia.
Canção do Ódio III (deprimido)
Os meus amores são projetos natimortos.
A maior parte deles não passou de dez minutos.
Entre aqueles que passaram desse limite estão os puramente sexuais e também os exclusivamente sexuais. Além dos praticamente sexuais. Uma minoria era geralmente sexual.
E tinha você.
Depois de você qualquer tentativa de estabelecer um relacionamento nos mesmos moldes se torna artificial.
É como se tudo que não dissesse respeito ao teu jeito estivesse fora de qualquer possibilidade de ser considerado.
Você jogou sobre mim a maldição da verdade.
Mas você não existe mais, não existe, não existe, não existe!
Declaração Póstuma do Amor das Segundas-Feiras
você [passa por mim e] me deixa louco
não vem mais não -mas que inferno!, eu me esforço em te achar-, não vem, eu sou de outro -ou quero [não querer/querendo] ser d'outro.
-É claro que eu te escuto! Consciência minha não falha.
Mas você -e/ou eu, nós- insiste(imos) em aparecer-fantasmagorizar-assombrar (belamente). mas é uma surpresa. porque cada vez que você está mais distante de mim [e eu de você] mais fascinado fico com os nossos cumprimentos aperiódicos -em termos, você era o meu amor de segunda-feira, de segunda mão, de segunda categoria. um amor, segundamente.
então você parece melhor vestido, e o seu corpo mais convidativo, e o seu boné mais transado (embora eu o quisesse transando -será que você fica de boné na cama?), e a tua pele mais quente, e a tua barba mais amiga, e a tua boca mais saborosa (com aquele sorriso mais encantador). e é claro, os teus olhos, que são cada vez mais tudo aquilo que eram, só que em dobro. enigmáticos. enigmaticamente olhos de segunda. [olhos de menino, de ingênuo, de certeza, segurança, de amor ou de paixão, olhos multivisuais.]
te gosto de longe. você me cumprimenta no seu estilo espartano. deve estar namorando. alguém menos legal do que eu. a vida a tua. não posso fazer nada: eu gosto de outros. [ou melhor, eu gostaria d'outros.]
te gosto passando. acho que se nós tivéssemos ido para a cama eu não sentiria hoje esse amor de segunda com prólogo, introdução, meio, fim e epílogo, assim bem-acabado (feliz e não-felizmente bem acabado).
se me zombas por querer ou não, só saberia se pudesse retornar ao quebra-cabeça dos teus olhos. o fato é apenas um. segundamente, enigmaticamente, feliz ou não-felizmente. [ou não] que... ainda...
você me deixa louco.