domingo, 23 de novembro de 2014

caderno de campo #apó$ gozada

deitados na cama, ainda suados, ele levemente ofegante pergunta no motel rústico da marginal Tietê.
- mas isso dá dinheiro mesmo? porque é tão fácil conseguir sexo hoje em dia...
- a pergunta correta não é "se isso dá dinheiro", mas "por que isso dá dinheiro?".
- qual o perfil, assim?
- homens de 28 a 60 anos, em geral brancos, de bairros nobres de São Paulo. a maioria tem entre 35 e 45.
ele, que é negro, comenta:
- então eu me afasto desse perfil.
- um pouco. onde você mora?
- perto da Saúde.
- então nem tanto. aliás essa parte aí, Saúde, Praça da Árvore, Chácara Klabin tem um puta potencial, conheci este ano por conta do trampo.
- você acha que os clientes têm um fetiche de mostrar que têm dinheiro?
hesito.
- não. acho que existam gays empresários pros quais michês internacionais figurem como signos de distinção. não é o meu caso, nem dos meus colegas, nem da maioria, porque meus clientes têm vergonha de sair com garotos de programa, só eles e eu sabemos.
- eu acho que tem o fetiche em pagar. e eu também gosto de cara novinho que nem você.
eu, meio que socraticamente, lhe digo:
- então você está ajudando a responder a pergunta.
silêncio-dúvida. completo:
- a pergunta "por que se paga, se é tão fácil conseguir sexo?". tem o fetiche do dinheiro, e o fetiche da idade também, por exemplo.
- é, muda quando entra critério.
- isso.
ele prossegue:
- quando alguém tá afim só de rola é muito fácil, é só ir pra qualquer canto que já consegue. agora, quando entra critério, a coisa muda.
concordo. levanto impaciente com o tempo - que era dinheiro - e digo:
- preciso urgentemente de um banho.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Sobre lentes de contato verdes, alisamento de cabelos, tingimento de loiro

Talvez seja um pouco mais do que 'emular branquitude'. Na economia das interpelações concernentes a raça talvez caiba dizer, quando é grande o "contraste" entre signos de distinção racial, que se possa falar menos em 'emular branquitude', mas de fato em 'negritudes europeizadas'. Ou ciborgues mezzo brancos mezzo pretos. Às vezes, quando vejo clipes estadunidenses de black music, é difícil compreender o status do cabelo alisado em meio à circulação de referências à negritude.
Na minha família [de sangue], há dez anos atrás, se ouvia sobre esse conjunto de convenções estéticas ligadas a raça, que agregariam a um processo chamado baianagem, junto com um conjunto de procedimentos associados à incivilidade. Há aqui a presença do caráter de classe operando interseccionalmente (bem como um regionalismo embutido no termo que designa as práticas e convenções destacadas).
Felizmente, meus familiares [de sangue] estão mais "civilizados" e "politicamente corretos"; embora façam tal tipo de julgamento de maneira eufemística - ao menos na minha frente, que sou um chato. Felizmente, também, meus familiares [de sangue] estão cada vez mais distantes de mim.


Sobre boné e baby look aos cinquenta anos

A coisa do "contraste" funciona para se pensar em termos etários. Como cada coisa deve estar no seu lugar, não é de bom tom que um corpo interpelado como velho reivindique uma indumentária incompatível com as convenções vigentes associadas a sua faixa etária.


Sobre baby look para gord_s

Aqui os marcadores de silhueta indicam a que corpo cabe determinado corte. Nessa economia ao nível do corpo, algumas saliências são interditadas, e talvez só sejam parcialmente autorizadas caso elididas do espaço público.
Estou lembrando quando uma tia, se dirigindo a mim, censurava uma mulher gorda que exibia sua barriga na rua. Lembro também do efeito (supostamente) cômico do corpo gordo em quadros de humor (o filme Prinsessa, por exemplo, tematiza a juventude de uma incrível atriz que é gorda).


Sobre WhatsApp

Não confundir isolamento com hiper-socialização.
Creio que o dispositivo de controle embutido nesses mecanismos capilarizados de comunicação - atrelado a exigências de mercado, e associado e um determinado paradigma de linguagem - é mais digno de nota do que um suposto isolamento, ilustrado por aí em imagens que atestam a "tristeza" da desintegração dos laços sociais.
Creio que o que está em jogo não é isolamento do mundo social, mas talvez dispersão em relação ao mundo não-virtual. São mundos sociais que se tensionam, ora concorrendo, ora convergindo.
Os smartphones processam algo incrível, dão pulos de pulga na direção do sonho do fim das barreiras na comunicação. Trata-se de duas redes sociais superpostas, e ao mesmo tempo interconectadas. As pessoas no metrô não mais exibem pura letargia, estão conectadas a outras pessoas.
A minha experiência com aplicativos remete à dilatação da minha rede e vínculos. Por meio de apps voltados para encontros entre homens (Grindr, Scruff, GuySpy, Hornet etc.) ampliei minhas possibilidades de encontro na vida não-virtual com pessoas que ainda não tinha conhecido, por meio do WhatsApp estou mais próximo de uma rede muito ampla de pessoas, dividindo com facilidade fragmentos da minha vida diária, mas também articulando encontros não-virtuais a partir da distribuição cartográfica contingente, por meio do FaceBook Messenger me aproximei de pessoas que me contactam esporadicamente, e com aquelas que não têm celular com android - ou sequer têm celular.
Duas observações necessárias, porque eu não sou trouxa. Em primeiro lugar, estou ciente dos mecanismos de controle presentes nessa forma de experienciar interações entre pessoas. O controle passa a ser coletivamente mediado, com um forte componente voluntário, e associado a uma espécie de twitterização da vida. Em segundo lugar, a aquisição e manutenção de determinados bens de consumo é necessária para se ter acesso às redes suportadas por esse conjunto de tecnologias. Classe é um elemento importante aqui, mediando a inclusão ou exclusão a tais redes. No entanto, uma vez popularizado o android em contexto urbano, classe permanece operando, definindo redes não a partir do acesso a 3G, internet, smartphones, mas através de referências "culturais" e "sociais" que circulam na/s rede/s.

Abuso policial: case report, ou, Choram _s militantes pelos prostitutos?

Medo e ódio: das coisas que eu sinto em relação à polícia militar, destacam-se duas.
Semana passada, algo entre a noite de quinta e a madrugada da sexta, circulando através da malha cujo perímetro delimita um quadrilátero da pegação. Os domicílios, em uma área ainda horizontal, abraçam quatro praças. Quando se esboça a madrugada, o cenário é noir e iminentemente masculino, carros prenhejam e pedestres nomadizam-em-movimento: pegação auto-andante. Até a meia noite - às vezes uma hora -, os fluxos do autorama do Carrão estabelecem uma relação de contiguidade com os andantes vindos da estação homônima e de um dos bares de esquina.
Memória afetiva; nessas ruas, sobretudo pedalando, vivi momentos incríveis da minha vida: fui assaltado na volta pra casa, vivi a meia-noite que me converteu legalmente em maior de idade, fui para o drive-in com um pacote de macarrão e um cara no porta-malas, dei nove reais pra pegar no pau de um cara, iniciei a arte do concubinato e tive meu pau fisgado por um aparelho dental, lucrei uns bons trezentos reais em quatro dias (inclusive ganhei dez reais pra um cara pegar no meu pau por dois minutos), estreitei laços com as bichas dos quiosques do metrô, tive de correr de um carro ensandecido em movimento (dirigia um cafetão), pulei o muro do parque Sampaio Moreira pra trepar com um garoto de programa e...
Sofri abuso policial.
Meu retorno ao campo profissional über-capitalista está tímido. Alguma auto-compaixão, junto com o tribulus terrestris, me ajudaram a retornar a minha atividade libidinal habitual. De fato, quando você pratica sexo como profissão, alguma coisa na sua vida muda em relação aos afetos e desejos, mas tenho certeza que isso varia de experiência para experiência. Fodendo por dinheiro, você acaba enxergando nitidamente que foda é simulacro, o que não é mais do que um fato da experiência geral. Foda é performance, desejo é mentira. O lado bom é reconhecer a plasticidade dos usos do corpo e a precariedade das supostas essências que definem os mesmos. O lado mala é um certo niilismo das relações afetivas, e um certo desgaste do corpo... Pra mim, uma carência estranha, a de ficar abraçado com um corpo. No fim podia ser um carneiro taxidermizado, quando eu acordava ao lado de alguém, sentia que até o afeto que eu esperava era simulacro.
Enfim, poucas foram as vezes em que eu senti algo tão denso por uma pessoa, a ponto de viver uma foda em intensidade limite, plenamente um abraço, e a sensação de simulacro ceder à completa tentação de se misturar totalmente a um corpo-mente. São diferentes modalidades de felicidade; a segunda definitivamente mais rara que a primeira.
Fui recentemente acometido por esta forma de envolvimento, que talvez eu nunca mais viva - e achei inclusive estranho sua imprevista reincidência. À semelhança de outros dois momentos em minha vida, aconteceu algo ao nível do corpo, que serviu de prova à febre insana que eu sentia: aquilo que Cauby, seguindo Schianberg, chama Síndrome de Transferência Total de Libido no livro de Marçal.
Um típico caso de STTL, na definição do professor Schianberg. Síndrome de Transferência Total de Libido. Em geral, ele escreveu, poucos homens são fiéis de verdade. Tudo depende da oportunidade e da temperatura do sangue do homem em questão. Em alguns casos, contudo, diz o aloprado autor de uma Ars Amatoria particular, o indivíduo se apaixona com um grau de entrega tal que toda a sua libido se transfere, de modo exclusivo, para o objeto amado. STTL.Aconteceu comigo.Conhecer Lavínia tornou invisíveis as outras mulheres. Tornou-as indesejáveis. Fiqueiimune à sedução.
No auge da minha carreira (setecentos reais em uma semana, o ápice), uma tragédia. Depois de um grande período de afluência, minha receita virou compulsoriamente o décimo terceiro pra dois meses - sem bolsa de pesquisa, inclusive -, devido ao meu incrível desempenho no mercado. Lhe dava chocolates, ingressos para peças de teatro, bebia em noites de fossa.
O tamanho do rombo foi mais ou menos proporcional ao da ressaca.
Foi naquela madrugada que eu, timidamente, recuperava a hexis mais rústica do meu lado mais radical. 2014 foi o ano do corpo; xenical, piscina, alargadores, antropologia, whey protein, academia, teatro, bike, BCAA, prostituição, tribulus, tabaco, roupas novas, cocaína, batata-doce. Minha grande estreia - bem sucedida - em um novo mundo: beatnik pequeno-burguês, ou lumpemproletariado estratégico. Uma personalidade capaz de se vender por trinta reais, o que é uma das coisas mais incríveis que eu já fiz na vida (UAU!, existe coisa mais capitalista do que um lúmpem?).
Meu intuito era fazer pegação mas, depois que um GP muito simpático com quem flertei entrou no carro de um cliente, assumi seu posto em uma esquina que atende a alguns índices estratégicos de territorialização-michê; localização, percepção ocular e auditiva do entorno, contiguidade com uma determinada praça, um ponto de grande fluxo e convergência de carros, sombra, árvore. Posicionei-me, disposto ao jogo, auto-sabotagem cênica. Vários carros se inclinam ao meu encontro. Meus fãs!
Vejo à distância o brilho de uma viatura de coxinhas. Zarpo em estratégia para outro canto. Quem eu reencontro? O infeliz que fisgou meu pau há pouco menos de um ano atrás. Ele se desculpa pelo que aconteceu e, voilá, uma reviravolta na trama, fechamos um revival. E mais, ele me quer junto com o outro GP, aquele simpático, bonito, roludo. Mas um detalhe: tem que ser na praça, ele curte um certo exibicionismo. Bom, se eu fosse um velho desgraçado como ele, me orgulharia de chupar dois garotões bem-apessoados no meio de um monte de bichas atônitas em seus veículos de merda.
Quando ele finalmente goza, avistamos ali na esquina as luzes da viatura. Se dá a diáspora no seio da praça, o cliente caminha à frente e eu ando lado a lado com o outro. Um terceiro que estava de voyeur diverge também em movimento centrífugo. O garoto, que havia morado em Londres, me diz he has to pay us. Eu concordo e, ingenuamente, me precipito à frente com o intuito de seguir o cliente, me afastando do primeiro. É quando os Palhaços Militares aceleram e me alcançam, passando a andar na mesma direção e velocidade que eu engatado na bike.
Me fitam. Depois de alguns segundos fazendo a pêssega, olho para as duas pessoas que ocupavam o carro. Me lembro imediatamente de uma imagem que circulou na rede há alguns anos, um jovem policial militar fardado, musculoso e careca ostentando uma tatuagem de suástica no antebraço. Era mais ou menos isso, só que vezes dois, e na minha frente.
Dissimulo calma.
- Boa noite.
Um deles responde algo que poderia ser interpretado como um pedido de briga, algo meio Laranja Mecânica. Rio nervosamente.
- Você tá rindo por quê?
Pronto, é um pedido formal de briga. Algo meio gangue justiceira. Fodeu! Esses dois policiais são skinheads, estou ao lado de uma viatura, em uma área inóspita da cidade. E o pior, eu sequer posso chamar a polícia pra me defender! Esses filhos da puta vão bater nas minhas bolas até eu virar castrato, vão enfiar o porrete no meu cu até estourar meu intestino, e quando meus pais e amig_s encontrarem meu corpo, estarei sem nenhum dente e com uma barra de metal cravada na perna.
Faço muitos cálculos, felizmente precisos. Avanço apressado com a bike, na calçada (uso estratégico do espaço), e eles topam o racha: mais uma perseguição nas mesmas ruas, com o detalhe de que agora não fujo de um cafetão, mas da PM. Irônico. Finalmente pouso na esquina do bar cujo expediente acaba de cessar, algumas pessoas administram caronas. Eles, semi-estacionados, continuam a me interpelar, apesar dos andantes, remetem a algo que eu fiz, falam com seriedade, mas estão se rasgando por dentro, vão rir muito disso tudo depois, devem ter rido mesmo, e eu não vejo graça nenhuma, me sinto acuado, me vejo como já vi várias vezes pessoas sendo interpeladas pela autoridade policial sem poder reagir, apelando para a auto-piedade patética que agora me serve de parangolé.
Mudo a marcha da bike, viro a esquina, os filhos da puta me seguem, contorno o parque e entro no terminal vinte e quatro horas do Carrão, vários quiosques em plena atividade, funcionári_s, gentes conversando, eles penetram a área, continuam me interpelando, eu olho pra eles cabisbaixo, intimidado, repito paranoicamente mais pra mim mesmo do que pra eles que "eu não fiz nada", apenas pensando onde devo estacionar, pois meu limite é aquele, um lugar iluminado, com câmeras, com várias possíveis testemunhas, se eu não escapar desta aqui, pelo menos fiz tudo que minha técnica, meu corpo, minha agilidade e minha mente viram como possível, minha virtú, mas também minha fortuna, e eles devem ter pensado "garoto esperto", e foram embora se rindo, os coxinhas escrotos, quando virarem cinquentões gordos e moribundos vão continuar rindo das atrocidades que fizeram a vida inteira, isso se um cometa não destruir essa merda toda antes, ou se não forem raptados por algum bandido que lhes graciosamente tire a vida.
A volta pra casa: um cagaço gigantesco, praticamente o esterco do monstro do lago Ness. Subi para a passarela do metrô Carrão, que atravessei, fiz um caminho bizarro, penoso, ficava pensando, ruas pouco acessadas e escuras são estratégicas, a ronda deve não privilegiá-las, mas se me pegam aqui eu viro presa fácil. A Celso Garcia, ou a rua contígua ao trem/metrô, ou a marginal Tietê são mais retas, têm mais chance de ter gente, mas também devem ter mais coxinhas circulando. Optei pelo zigue-zague nas ruas mais vazias, quando via o espectro de uma viatura me cagava todo. Senti o medo que muita gente deve sentir, o medo de Joseph K. em O processo, ser acusado e julgado por uma sociedade cujo intuito é simplesmente acusar e julgar como um fim em si mesmo.
Eu, que sou de esquerda, tenho a sensibilidade de notar que há pelo menos duas coisas que ali me tornaram mais passível de ser acometido por essa estrutura de poder escrota; ser bicha fazendo contravenção; estar exercendo uma atividade profissional lúmpem em um contexto ultra-precário (e não no Trianon nem no Chat UOL). Taí uma coisa que a PM nazista, cães de guarda da classe mérdia adoram: bicha e pobre, ainda mais quando não há nenhuma câmera registrando. A PM sabe que pode brincar de gostosuras ou travessuras com esses GPs, porque é o tipo de gente pelo qual NINGUÉM CHORA. É o tipo de gente pelo qual não se faz passeata, e de cuja falta ninguém sente.
Mantive-me atento durante a volta. Mais um fantasma rondava minha cabeça, agora que sentia o peso da opressão no suor e na pele arrepiada; a mesquinhez aberrante por detrás da preocupação de alguns/umas, de se conceber o puto como uma pessoa que cultiva a sistema capitalista dentro de si. Opressão voluntária? Aff! Quanta ignorância! Eu chamo de tecnologia de si, apropriação do espaço, experiência multi-classe, subversão das territorializações do desejo, prática contratual contingente que desafia as mediações do Estado.
Quando cheguei em casa abracei as duas pessoas que moram comigo, que eu amo, e chorei, chorei tanto, chorei porque tive medo da polícia, chorei porque não pude resgatar o dinheiro do programa, e da sensação de impotência, de não poder fazer nada.
Minha relação com a polícia nunca foi boa. Já sofri abuso policial algumas vezes. Uma delas virou manifestação local sobre homofobia. Outra teve repercussão mundial, e implicou na diminuição da tarifa do transporte público na minha cidade - e em muitas outras. Esta, no entanto, certamente vai constar nos autos, mas como mais um registro impotente e inócuo.
Esta experiência, no entanto, se reflete na minha vida de maneira cumulativa (retornam aqueles dois sentimentos):
1) Temer a polícia! Ela é mau-caráter, não se pode marcar bobeira!
2) Odiar a polícia! Ela não merece confiança, ela tem que ser destruída!
Enfim, metas para o milênio:
3) Adotar uma postura crítica, e não mesquinha, em relação às interações entre práticas de contravenção e formas de autoridade abusivas e opressoras, para além das marchas na Paulista.
4) Adotar uma postura estratégica em relação aos usos do espaço e do corpo: bicha viva também é bom! [Mas essa lição eu já pratico nos limites do que eu considero lícito para se viver.]
Finalmente, não desejo vida menos alada que esta que ando voando, com seus altos e médios. Não lamento a minha perda de libido e a sensação de que meu corpo de repente ficou inapto para o trabalho: se entregar é muito bom! Se arriscar por amor é delicioso. Acho impressionante inclusive ter chegado até a terceira fase na seleção do mestrado na USP depois de noites mal dormidas, sem estudar direito, na fossa, de ressaca, fazer prova com olhos inchados. Estar de volta ao campo profissional, no entanto, inclusive de posse de um certificado de bacharelado em Ciências Sociais em uma boa universidade, me põe defronte com algumas exigências sobre os rumos da minha vida.
A prostituição, desde a virada do ano, foi uma forma de estabelecer um vínculo forte com a humanidade, foi como habitar o mundo plenamente. Produzir, funcionar, criar, ter grana, desfrutar dela. Esta forma de existência só vacilou quando me apaixonei. Sempre há tempo para repensar as conduções e os suportes, mas é grande o afã de voltar a me sentir pleno e vivo como me senti ao longo deste ano todo.
Neste exato momento, como corolário deste desabafo, uma gata no cio faz misérias sonoras no background. Posso citar pelo menos três coisas que compartilhamos: o desejo ardente, a paixão pela madrugada e a rua como lar pleiteado. Bom dia!

memória topológico-afetiva

durante longo tempo da mi'a vida fiquei sem pedalar. gosto de pedalar, pois posso traçar linhas que desafiam os parâmetros urbanístico-legais do uso do espaço urbano no que tange à mobilidade.
pedalar distorce a identidade entre auto- e andante: traçar um zigue-zague entre rua e calçada pode significar
1) traçar estratégias de movimento para além das indicadas pela urbanização.
como não há fiscalização institucional sistemática, tal uso estratégico do espaço é tacitamente chancelado por tod_s. ufa!
2) questionar o lugar de determinda forma-movimento. existem lugares em que o pedalar é desautorizado de acordo com diferentes formas de autoridade (placas de trânsito, diretrizes do uso de rodovias, viadutos e estradas, exercício contigencial de autoridade de bosta, periculosidade aguda reconhecida pel_ ciclista). além disso já ouvi berros de protesto de motoristas de carros do tipo "sai da rua" - uma objeção ao CTB, pelo ouvido -, bem como de vocativos de mesma natureza emanados de pedestres-andantes - estes sim legalmente amparados. certa vez, um ciclista que pedalava rente ao bordo brigou comigo por estar subindo a Rebouças através das imensas e inóspitas calçadas em horário de rush. ainda assim considero o seu protesto mais ameno do que as (mortais) fechadas de ônibus e táxis entediados pelas faixas especiais - nunca entendi o que fazer quando o bordo está sendo ocupado por uma.
a ciclofaixa de lazer, opera contraditoriamente nessa economia da negociação: como admitir aquilo que já está admitido? ao indicar hora, lugar e função para a forma-movimento-biker acontecer, ela indica concepções vigentes no espaço urbanístico sobre seu uso. é por isso que a Massa Crítica (ou Pedalada) rechaçou - e não celebrou - a tal ciclofaixa de lazer na Avenida Paulista: bike não é lazer!
mesmo as ciclovias parecem operar supondo a existência de dois suportes de fato: um seguro e um "não-vai-dizer-que-eu-não-avisei".
enfim, o lugar da forma-movimento operada a partir da bike está em franca negociação. _s atores/atrizes não-pedaland_s, no trânsito, quando se manifestam, na minha experiência, tendem a recusar o lugar para a forma-movimento-biker. mas a melhor pessoa para definir o lugar dessa forma-movimento, tem que ser _ biker - ou simplesmente, _ pedaland_.
então, a precariedade do reconhecimento de um lugar para essa forma-movimento, favorece certa autonomia para a experiência d_ pedaland_ (ao passo que a definição de tal lugar é, em experiência pessoal, precária).

FIM: voltando ao início, fiquei um bom tempo sem pedalar. há um traçado, de mais ou menos cem metros, em uma calçada, contramão para os carros, que fica entre o metrô Tatuapé e a minha casa, e que é uma delícia de ser realizado pedalando (pequenos deleites abandonados por quem ficou sedentário uns dois anos). voltei a frequentar esse trecho há pouco mais de um ano, trecho este que me remete sobretudo aos meus tempos de colégio e talz. há aí uma memória afetiva do solo, pouco comum a nós que estamos condicionados a usar o chão como suporte de movimentos vagos, limitados, toscos, utilitários (andar, sentar, deitar).
blocos de casas aqui na Cidade Mãe do Céu estão sendo convertidos em estacionamentos. um quarteirão inteiro já foi demolido, e se anuncia a primeira torre de uma seção da malha urbana cuja horizontalidade treme ameaçada.
junto com o fim das velhas casinhas tatuapeenses, a sensação um tanto ingênua de que o tobogã irregular formado pelo conjunto de calçadas que me remetem à minha adolescência está fadado a desaparecer, e com ele, uma forma muito particular de experienciar minhas memórias, meu passado e minha cidade.

domingo, 9 de novembro de 2014

derrad'erro

morrer é tão fácil, que viver é uma fatalidade.
pra mim que s(t)ou ateu niilista - ou cois'assim -, no entanto, vou ficar vivendo, vivendo política [coisa engraçada, acreditar].
que desolação, acreditar que as grandes demandas são as gentes que forjam, porque não há transcendência, objetividade... é tudo gentição.
em uma rua em que não estou sinto o perfume de um passado [passado cujo começo, meio e fim EU ESCOLHO]. existem tantos jeitos de se usar a rua quanto ângulos de incidência solar. o jeito mais aprazível de tecer movimento, é tecendo, ir tecendo sem parar, plano baixo, plano médio, plano alto, sem plano.
o perfume de alguém que desejei é formado por um conjunto de fragrâncias: então é algo como o mijo no córrego, o sabonete da menina, a nuca de alguém que está aqui, sentimentos tórridos, rol'azeda.
alguém que passa por mim numa rua em que não estou, tem o perfume dos dias. parece que suas fotos mentem, ele é muito mais perfumado pessoal-mente.
tem um outro, que está comigo, sem L duplo, sem C mudo, gosto do jeito que ele é. sincero. porra louca. gostoso. cuzinho apertadinho. divertido. ele jamais vai me dizer que o que eu estou fazendo é Duchamp, pois o que eu faço não faz sentido mas é arte. mas ele pode me puxar poesia, me conduzir mimimismo, me enredar dádádádádádádádádádá, essas coisas boas que quase ninguém faz fazer.
acordar é difícil, mas inevitável. acordar é remédio, inclusive para o dia que não quero. acordar é acordar, pactuar com o dia, coadunar a promessa de que o vinte e dois vai virar um vinte e três e vai virar vinte e quatro e vinte e cinco vinte e seis sete oito nove e pim!
[viver é inevitável para quem está acordado, e isto é dramático.]
mas, assim, o jeito mais bonito de viver, é errando. erro a vida inteira, errar é estilo-de-viver. pelo direito de errar, vou errando torto, errando certo, errando, errando direito e errando esquerdo.
o dia que eu parar de errar, toda a gente estará cert'errada:
terei dado minha erradinha final!

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

olho para o passado, e fico passada - 
que de tanto vitupério,
me senti vituperada,
de megera a vilã.
vilipendiada.
nasce o dia e
eu - quem sente de assinte,
quem assente de cinto estalado
nos olhos - sinto de praxe chiste.
ressinto, pois.
folheio os imbróglios; equívocos da Veja
um mix de mixórdias bem intencionadas
bem quistos quiproquós inflamados
de uma centena de pequenas centelhas,
são e salvas as difamações pentelhas.

ninguém vai me tirar o gosto da boca
de quem me tira com gosto esta roupa,
de quem me tira-gosto e beija.



........de dia em dia
sassarica nas suas sendas
.....o pepino,
......................lho torço
aprende,
..............enfim,
........................esforço que não devia
.......devorado o menino
pela fúria das suas lêndeas
......nos sulcos cerebrais
..........de par em par
p .. a . r .. l . e .. n .. d . a ..



..............ciência versus arte
...........mas que raio de dilema
que eu tenho que dar parte...
movimento dos planetas
orbitando a paleta
para Botticelli, Vênus
para a NASA, Marte
para o antropólogo,
.............................enfim,
.....................................poema