segunda-feira, 31 de julho de 2017

você sabe que eu sou uma estrelinha na cidade.
eu fico pensando nisso quando saio vagando por aquelas velhas calçadas.
existem muitos moços barbudos flanando por entre a fumaça.
e por entre os vórtices, grupelhos e manchas acústicas ressoa a canção.
no sonho eu rondo a cidade a te procurar, não hei de encontrar nada
além de vontade, além dos bons e velhos mesmos rostos rotativos
e dos quase amigos quase novos quase antigos.
na cidade da minha canção tocam os DJs, os sintetizadores e os sinalizadores.
e os corações batem como bombas de efeito moral.
e as tristezas choram com o gás lacrimogênio.
o meu choro é de outro gênero, abrupto, sufocado, mudo e gelado.
o perfume da cidade mudou desde que você sumiu das praças
dos bares, baladas, festas, karaokês e smartphones.
o que sinto no ar é o cheiro forte de saudade, vindo bem longe da sua nuca.
não sei se o que sinto é esse cheiro, ou senão o cheiro do nunca.
a cidade da minha canção ratifica lacunas de coisas que nem existiram.
talvez a estrelinha que eu sou nunca tenha existido.
talvez num avesso irônico nem você tenha desistido.
e está apenas evitando banhar-se da minha luz por um momento.
esta estrelinha enfeita o céu dando lhe um caimento.


e você passa escondido por ela, tão invisível como o vento.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Hello Niti -- minha primeira década

em 21 de julho de 2007 fiz meu primeiro post neste blogue.
é muito interessante ver como em dez anos os pequenos êxitos e as tão inspiradoras crises tiveram a duração de espirros. eu estava no primeiro ano do Ensino Médio. mês que vem defendo minha dissertação de mestrado. houve uma graduação inteira aí no meio, além do técnico. em 2012 estava tão academicamente absorvido que sequer tinha inspiração para nada. alguns momentos foram críticos por conta do coração.decepções (e às vezes celebrações) amorosas são um prato cheio para motivar a escrita. é quando há muito sentimento envolvido.
é muito gratificante ver as mudanças na minha escrita. e no meu estilo. de uma escrita anárquica e adolescente, quase concretista, até o barroco atual, muitas águas passaram, muitas bikes foram roubadas, muitas madrugadas perdidas ganhadas, muitas Samantas enterradas, muitos amores reciclados, muitos acordes vertidos pelo ar. aprendi a escrever, reaprendi, me formei e deformei. houveram anos em que eu fazia um balanço dos meus caderninhos de poesia. cacete, houveram muitas poesias boas e muitas ruins também nesses dez anos. sempre escrevi os dois tipos, haha! houve até difamação, risos.
no meu primeiro post eu dizia Cansei de blogues com crise existencial. não deu certo, para o bem e para o mal. os amores irreversíveis estiveram sempre aí, os meus, de dentro para fora e de fora para dentro. os temores e anseios também. os experimentos, as Sociais, o teatro, a academia, os programas, os anabólicos e a antropologia. a ansiedade.
este blogue é um flagrante da/s fase/s mais feliz/es da minha vida. pois escrever se tornou uma das melhores ferramentas para virar gente. passei a escrever na vida, encarando meus passos, rumos e abordagens como um escritor escreve e reescreve poesia, amassando folhas, rachurando laudas, rasgando páginas. no meio de todos esses anos, você, meu bloguezinho, foi minha casa, me ofereceu guarida e alívio.
sou grato a sua existência como sou grato ao próprio alfabeto.
no espaço infinitesimal da big data, de repente, fazer dez anos é eterno.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

delirante fábrica de encontros -- o mais relevante o encontro de si consigo mesmo --, o caderno é uma grande utopia. nele, uma mente singular e singela pode demonstrar a temerária capacidade de criar e edificar mundos, searas, babilônias. a cidade que eu invento esta noite, é tecida pelos trajetos que você realizou. nada suntuosa, ela é feita sobretudo de sorrisos. aqueles seus involuntários, eu diria, criaram instantâneos pontos de referência. aquele sorriso, seguido de um brilho no olhar, lembra? criou uma praça inteira. aquele beijo-mácula, reinventou um velho e tão-conhecido bar. a utopia, que translado da cuca para a folha tão concreta quanto amarela, é essa tentativa vã de dar vida e solidificar a cidade que você foi construindo ao redor no meu delírio desejoso. restam algumas questões de cunho técnico, ladras da minha desalojada paz. se eu arremessar este opúsculo ao mar, a cidade submerge? se eu fazê-lo, então, em direção ao Sol, a cidade incendeia? quedará arruinada no caso de eu trucidar o libelo e avarias suas folhas? ou nada disso seria preciso para fatalmente vê-la e senti-la pulverizando o intervalo de uma piscadela? o asfixioso drama de deixar esta cidade aqui, fechar a brochura e encarar o ponto final.


história de uma cueca

eu a vi dando sopa sobra a porta de um dos box do vestiário da SmartFit Campos Elíseos, desbotada e esgarçada como deveria ser, e com o presumido olor que fazia dela mais especial: que pau teria ela guardado em sua enigmática história? teria sido ela para sempre fiel à mesma pessoa como costumam ser as cuecas no geral? ou estaria eu raptando-a de sua prometida genitalidade? cheirava a amaciante, mas pelo menos me servia bem. oito meses se passaram desde então. tenho uma belíssima foto na Cachoeira das Andorinhas em Ouro Preto, em que a dita está lá, toda chavosa, cobrindo minhas partes qual tarja de coisa obscena. no dia de hoje, oito meses depois, veja bem, um cliente me pediu a roupa -- era (quase tão somente) ela que eu vestia. relutei muito, nunca aceitei essa proposta, mas como ele fosse jovem e afável, cogitei uma troca. após algumas Budweiser, perguntei seu número. M. as minhas normalmente são G. esta inclusive era. ele, contudo, teria nela a certeza de que seu dono a para sempre a havia maculado. éramos jovens nesta tarde. convicto da minha heterossexualidade, o cheiro do verdadeiro macho ali residiria para sua fruição. ele conhecia (bem) o pênis que ali residira, coisa que eu sequer sabia quando a furtei de algum homem presumidamente heterossexual. hoje a cueca era minha. agora era sua, dele. saí de seu apartamento com uma Lupo branca. as cuecas podem ter muito a contar do que supomos. elas guardam intimidades mais íntimas que nós mesmos.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

talvez sem perceber muito bem tenho apostado nos ímpares.
depois de alguns anos, quem diria, voltando a este tema...

um dois três
quantos pronomes cabem dentro desse mundo
rapsódico de vocês
episódico de uma vez
ou de tres-loucado
deslocado, onde estou
onde estarei, lado a lado
mês a mês
não sei valsar, e nem sambar
quanto mais pra onde olhar
enquanto o encanto vesgo
me faz quase vacilar
se meu pescoço não entende
que dirá o meu sorriso triangular 

um dois três
e os braços que eram quatro agora seis
e os peitos que eram dois agora batem desdobrados
quanto coração, convulsão de carnaval
e a minha canção não pode ser assim normal
e o surdo que ordenava meu refrão
repousa agora quieto na sonora imensidão
de um dois três
e a lua em claridão