domingo, 29 de novembro de 2009

Telefonema. Carta.

Cê vai me entender.
Eu cheguei ali, ela 'tava toda cocotinha, queria dar.
Queria dar sim, queria!
Cheguei e cumprimentei, mas daquele jeito, né... Cê sabe, aquele jeito, todo todo, a mina caiu muito facinha.
Té estranhei. Mas cá pra nós, se o homem tem charme... Quê? É, hahahahahahaha... Não, deixa eu falar! Se o homem tem charme já ganha a mina. Então, daí eu cheguei e joguei um lero, queria conhecer o jardim do xópim e sei lá o quê, nem lembro mais o que eu disse direito, hahahaha... A gente foi lá na fachada, né, e a daí a gente... É! Na fachada! Daí a gente ficamo lá mó cota, velho... Veeelho, nem te conto, bróder. A mina quis fazê um boquete lá mesmo. Caaara! Que nada, ô, cê é bróder, cê acha que eu ia zuar? Tô brincando nada, truta, a mina caiu de boca, véi. Inda depois veio com uns papo de homenagem, homenagi, uns treco lá, que tinha que chamar mais uma mina, sei lá o quê... Não, ô, cê tá loco, eu não faço isso não, tenho família, ô, hahahaha...
Mas a mina ficou jogando mó xaveco e não sei o quê... Quê? Foi té o final! É, pô, té o finalzinho. Sei lá, ela é loca! Ah! Passou, por quê, se interessô? Eu não, pra quê eu ia te dá? Aliás, té excluí o fone, que eu não ligo mais pr'ela não, mó biscatinha, ô, nem dá graça... Afe, se cê visse cê ia vê o que eu tô falando... Tô falando, véi! Biscatinha!



Juliana
Sei que você não responderá este e-mail. Sequer sei se você o lerá. Mas eu preciso lhe contar o que ando sentindo.
Depois que a gente conversou, o que era para ter sido definitivo e claro, estou cada vez mais confusa. Esta noite não deixei de pensar em você e em nossas horas juntas em momento nenhum. Sua imagem continua me atordoando, estou perdendo o fundo, tenho feito coisas ultimamente que eu jamais faria antes. Acho que estou enlouquecendo, Ju.
O Pacheco (lembra dele? o psicólogo que eu procurei nas férias) me disse que estou me auto-mutilando, cometendo ações que são prejudiciais ao meu corpo e à minha honra. Não sei se isso é verdade, mas uma coisa que eu li quando fiz o trabalho sobre Freud da faculdade (aquele que você viu no auditório, naquela noite em que você vestiu pela primeira vez o vestido verde que eu adoro) é que fins prematuros de relacionamentos podem acabar em um processo chamado enlutamento. E em últimas consequências a pessoa pode cometer o suicídio.
Aquele vinho barato que você escolheu na última compra que fizemos juntas (um tal Chalise, tinto suave) ainda está sobre a geladeira, esperando ser aberto em um momento apropriado. Espero que você não tenha que se vestir de preto para abri-lo. Mas se eu bem te conheço, se eu disser que morrerei amanhã, você vai mesmo é se vestir de branco e ir estourar uma champanha com as suas amigas que você tanto ama.
Juliana, estou enlouquecendo. Depois de tanto tempo juntas, esta separação me soa tão, mas tão insólita, e ao mesmo tempo tão artificial. E eu estou tão esperançosa de você retornar aqui para a minha casa, que ainda é sua, e ouvir aquela música que você gosta, comer aquela lasanha de frango, ou aquele purê de maçã, que sua mãe nos ensinou, passar mais uma madrugada acordada, só olhando para seus olhos e a armadilha que eles representam...
Não sei ainda por que você é tão presente em mim, mesmo estando tão confortavelmente longe como estás. L'amour est décidement un étrange sentiment.
Espero que você esteja bem, mesmo eu não estando.
Te amo, espero que as coisas fiquem bem pra mim. Se escrevi alguma besteira ignore, ainda estou sob efeito do Rivotril.
Da sua eterna Mona,
Simone.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Platonismo.

Depois do terceiro bombeirinho, cheguei em mais um e lhe perguntei:
-Você é meu príncipe?
E ele disse que era, que ia me levar para seu apartamento na Vila Mariana, e que nós teríamos madrugadas maravilhosas que começariam na MTV, passariam pelo Habib's 24 horas e terminariam na cama. Depois de um mês ele me daria um chocolate importado, e eu lhe daria uma garrafa de licor de jabuticaba. Me disse que ama jogos de vídeo-gueime e futebol, e que é ator, adora ir a museus tirar sarro dos pintores sem atividade sexual e aprecia um bom cinema. Não tem preconceitos musicais, mas gosta bastante de Radiohead, e que eu aprenderia a conviver com isso. Ele, o meu príncipe, teria barba, cabelo curto, seria branco e teria a voz mais singular, olhos pequenos -que eu nunca pensei que pudessem engolir almas potencialmente, mas que ia engolir a minha no primeiro flerte. Todos os nossos momentos seriam plenos, incluindo a noite intimista no sofá, a pizza que faria companhia ao nosso Lars Von Trier, a Marisa Monte que embalaria a nossa simbiose de cada noite (pêlos mais pernas), e a sessão na Paulista seguida ou antecedida por um bom chocolate quente (não bom pela qualidade, mas sim pela companhia). E no final do ano nós escolheríamos a praia mais perfeita e assistiríamos ao pôr-do-sol como se fosse o nosso último, pois saberíamos estar vivendo a eternidade.
Mas isso foi um sonho, que eu por sinal fiz questão de esquecer, tão pesado era meu sono depois de mais uma noite de amor instantâneo e natimorto, regado a cachaça, groselha, limão...
E gelo.

Rato.

Algo que parecia um rato, porque era parecido demais com um rato para não ser um, atravessou o cano que dividia a grande sala em dois.
O ruído foi bem pífio perto do ruído que era resultado da ira de Pedro, o Santo. A Física só serve para a gente odiá-la como odiamos a Deus um dia.
A luz que vinha do céu era suficiente para não matar todas as coisas ali existentes, um resto de trabalho, ruínas de uma gráfica. Tudo abandonado, falido há uns dois anos.
Foi nesse ambiente, preto, gelado, imundo. Dois rapazes forçaram afoitos a porta. Conseguiram entrar, tatearam, rezaram para seu deus (que devia ser o mesmo de todos os outros em um raio de vários quilômetros). Sentaram ansiosos, num chão negro de poeira. Quase-pretos, quase-gelados, quase-imundos, o ar era mais úmido que os olhos do rato que ali habitava. Ele, o rato, tinha motivos para se sentir intimidado. Mas os rapazes também tinham motivos. Mas desses motivos esqueceram rapidamente. Lá estavam, a salvo, apenas vulneráveis à fina garoa do medo que os homens têm, esse medo que as coisas boas não durem a eternidade, e que sempre é um medo com fundamento, com deus ou sem deus.
Ali, na gelada e arrogante poeira preta se amaram, um desbravamento inocente e curioso, como inocente e curiosa é qualquer aventura protagonizada por meninos. Na vida o sexo das aventuras é o masculino. Na História também é.
Se amaram feito dois ratos, e da haste que dividia a antiga gráfica em duas secções o nosso amigo singular de olhos úmidos espiava com uma atenção de tevente. Suspirou um suspiro de rato, e exclamou com aquelas cordas-vocais de quem nasce e cresce no esgoto:
-Esse amor entre homens é um amor marginal.
Os garotos pausaram um instante, pensando que tinham ouvido alguma coisa, mas a noite preta ainda prometia novas descobertas, e eles voltaram a se merecer em pouco tempo.
E se mereceram até o outro dia, até Pedro, o Santo, ir descansar, até as clarabóias do lugar serem vencidas pelo amor do Sol.
Se descobriram naquelas horas que eram a eternidade, e o rato foi dormir mais cedo, porque o dia fora exaustivo.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Haven't Met You Yet

*off*



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