segunda-feira, 23 de maio de 2011

Volta às antigas: Arnaldo Baptista e afins.

Fazia tempo que eu não ouvia o Arnaldo Baptista.
Fazia tempo também que eu não postava no Hello Niti.
Esse texto soará então como uma volta aos velhos tempos. Ou não.
O Arnaldo Baptista é um desses, que eu nunca vou ver o show mesmo. Eu nunca cantarei com mais mil pessoas Desculpe, em um grande e interminável abraço. Também jamais cantarei Stranded In Time porque a legião de fãs de United States Of America deve ser, no Brasil, equivalente ao número de membros da banda (ou inferior, o que impossibilitaria mesmo uma tentativa de cover).
Tem algo nessa nova legião de emepebes que me desanima. Tudo me soa muito simplório. Não que eu resista necessariamente a isso, apenas vejo algo de sintomático. Comparando duas chansongs, Navegar de Novo do Arnaldo Baptista e Chá Verde de Tiê; percebo na primeira uma espécie de tentativa de englobar um sentimento específico em uma verborragia sufocante pelo fato da situação política pela qual passava o Brasil -e mesmo a camada artística underground- na época; percebo na segunda exatamente o movimento inverso, uma tentativa de simplificar no limite máximo da linguagem um sentimento específico e canalizado na narrativa por detalhes da experiência individual. Melhor dizendo, "já faz muito tempo agora que a humanidade chora de vontade de sair" versus "o saldo final de tudo foi mais positivo que mil divãs".
Certamente o projeto de Arnaldo Baptista em 1974, melhor apreendido tendo em vista o momento conturbado pelo qual passava -será que eu vou virar bolor?, cê tá pensando que eu sou lóki, bicho?-, antes pretendia virar o intimismo do avesso (herança tropicalista?); vejo em Tiê -e em toda essa cena paulistana de cantores afrancesados, músicos interessados em explorar uma infinitude de linhas melódicas em apenas dois acordes, brancos e vestidos por grifes famosas entre os alternativos, algo que na Eroslândia não pode jamais ser confundido com underground- exatamente uma retomada espiritual do projeto bossanovista, uma negação da gritaiada. A gritaiada aparece depois de Elis Regina esparsamente, às vezes travestida de influências estrangeiras (Cássia Eller, Cazuza) e às vezes simplesmente tendo como natureza total essa imitação (como em grande parte dos cantores pop brasileiros).
O incrível é a generalidade desse movimento dentro do repertório dos próprios artistas (o caso da Gal Costa é exemplar). Poder-se-ia dizer o mesmo a respeito do nosso caro Arnaldo Baptista, mas sabemos que a sua queda no astral não tem a ver com disposições da vida artística underground (cena Pompeia etc.) no eixo sul-sudeste, e sim com as consequências de seu uso abusivo de drogas.
E talvez esse seja um segundo ponto nitidamente distinguível entre as duas cenas: a coisa do politicamente correto, rejeitada entre a turma underground na década de 70s é, por oposição, endossada por essa turma paulistana (hippies versus yuppies?). No caso da Tiê, há um grande apelo a valores... moralistas. O amor, que aparece livre de qualquer barreira na fase progressiva dos Mutantes é, na sua forma mais conhecida e tradicional, resgatado. "Eu sou, você é também, uma pessoa só, e todos juntos somos nós, numa pessoa só, estou aqui reunido numa pessoa só" versus "mas o que eu quero mesmo é encontrar alguém que me dê carinho e beijos, e me trate como um neném, me trate muito bem, eu só quero amor, seja como for o amor". Curiosamente, Uma pessoa só foi gravada pela primeira vez em 1973 (posteriormente pelo próprio Arnaldo Baptista em 1974), e Chá Verde lançada em 2009.

Enfim não quero soar como aqueles nostálgicos fake, tampouco como apologético do estilo-de-vida brasilidade paulistana (sobre o qual falo em algum lugar deste blogue); ainda assim não quero prescrever modos ideais do produzir artístico. Quero antes suscitar o debate entre a produção. As variável técnica-criatividade foi pouco discutida aqui (exemplos como Itiberê Orquestra e Família e Projeto B poderiam ser polemizados se formatados como uma provocação à maneira hegemônica de se pensar música no Brasil ou em São Paulo -primeiro e segundo casos respectivamente).
Como pensar no potencial político desses artistas paulistanos: Arnaldo Baptista, Projeto B e Tiê? O primeiro caracterizado em Lóki? por um intimismo explosivo relegado a um grupo específico de junkies fascinados por música underground setentista, o segundo intentando certo projeto universalista hiper-complexo relegado a uma elite intelectual e artística, e o terceiro irradiando um novo intimismo em formas consagradas de concepção de música cantada e destinada a uma camada considerável de alternativos.

Aqui me referi a
Os Mutantes - O A e O Z (1973)
Arnaldo Baptista - Lóki? (1974)
Projeto B - Andarilho (2004)
Projeto B - A Noite (2006)
Tiê - Sweet Jardim (2009)

1h59
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