O preço que eu pago por pintar o cabelo de verde é, minimamente, a paranoia. Ousaria dizer que o pacote inclui um aumento absurdo da falta de respeito dos outros em relação a mim: meus direitos de cidadão moderno são suspensos e, conforme a animosidade dos meus concidadãos, o poder de análise destes se torna audível, seja o diagnóstico positivo ou não.
A crítica mais ferrenha a respeito dessa atitude diz respeito àquilo que no senso comum se dá o nome de chamar atenção. Uma explicação ingênua para essa repulsa seria dizer que os demais têm inveja da minha coragem de efetivar aquilo que na verdade seria um desejo latente. Não posso crer que seja assim fácil de explicar.
A crítica se volta a uma atitude que chama atenção. Por ser diferente, talvez. Não sei também se a explicação está ao meu alcance, diria que não. O fato é que a cor excêntrica instiga.
O verde em especial -e aqui eu me dou o direito de fazer tal comentário com argumento de autoridade.
A lógica é simples: alguém pinta o cabelo de verde para chamar atenção, afinal, é inconcebível que alguém o faça pensando no efeito estético que isso pode produzir. Logo, os indivíduos se esforçam para catalogar a anomalia conforme determinado motivo ou ideologia nos quais ela se encaixa taxonomicamente.
É fácil: eu sou palmeirense! A outra comum é o Hulk. Ambas explicações são automáticas e obviamente superficiais. Um ou dois me perguntaram se se tratava de vegetarianismo ou veganismo. Um perguntou se eu era punk. Alguns poucos fizeram gestos de aprovação, alguns outros grunhiram de reprovação.
Mas é óbvio, para quem me conhece, que a última coisa na qual eu estou pensando é na Mancha Verde, imitar uma personagem ou em parecer um straigh edge consciente. Trata-se do efeito estético que a cor verde, minha predileta, apresenta enquanto cor do meu cabelo. Acho realmente bonito.
Outra observação diz respeito ao pensamento das pessoas acerca dos instantes em que eu estou de cabelo colorido e um parceiro. A associação do afeminado com aquele homossexual que chama atenção é o lugar comum do qual se depreende a máxima não basta ser gay, tem que chamar a atenção. Pintar o cabelo de verde então é a extensão de um projeto cuja essência se encontra na homossexualidade.
Contudo, como enunciado no início, além da situação humilhante de objeto de estudo no qual me transponho ao pintar o cabelo, o outro preço que eu pago é a paranoia. É sair de casa e, a cada pessoa que passa, pensar no que ela está achando, mesmo involuntariamente (salvo certos momentos em que eu realmente esqueço disso ou estou com amigos, algo assim), ou pensar no impacto que eu estou causando (e essa é a parte divertida; fico entusiasmado de pensar no risco que eu assumo para me sentir mais livre, pois às vezes, eu realmente acho, perturbo um ambiente apenas com a minha singela e colorida presença). É medir cada um dos meus passos, cada uma das minhas ações, cronometrar gestos, planejar a entonação da voz...
Tudo isso apenas para que eu possa provar para mim mesmo e para o resto do mundo que uma pessoa de cabelo verde pode apresentar uma conduta não necessariamente agressiva diante dos demais, excetuando, claro, a própria agressividade e, portanto, também o sentido político, intrínsecos ao efeito do cabelo.