quarta-feira, 28 de julho de 2010

A Digressão

Dá um medo.
De não saber o que fazer.
Por um instante eu pensei.
Vontade de abraçar. E o abraço é engraçado, ele é só praticamente um dos gestos que mais dão margem para se acusar de insegurança. Parece que abraçar significa ingenuidade.
Talvez seja isso mesmo.
Não creio que os paulistanos gostem de abraçar. Nem acho também que estejam aptos para começar a fazê-lo.
Acho que, pobrezinho, o abraço será esquecido. Parece algo elementar em todos os lugares. Mas o que esperar de uma sociedade que abole o amor senão o esquecimento das práticas românticas. O abraço tende a durar enquanto continuarmos nos reificando. Quando esse processo terminar, nós, máquinas humanas, poremos em início o processo de hiperfuncionalização. Serão abolidas a estética e beleza, pois, a princípio, elas não têm utilidade para a manutenção daquilo que é vital. O beijo não fará, pois, mais sentido e, tampouco, o abraço. O sexo continuará a ser mecânico, mais ou menos como é hoje em dia, só que institucionalizado.
Mas será exatamente aí que a máquina ruirá. A beleza é apenas aparentemente improdutiva. Ela, entretanto, no mínimo, alimenta o espírito, e aí a máquina perderá no que diz respeito à sua alimentação.
Espera-se contudo que os homens perfeitos que a criarem se preocupem em manter a pluralidade, mesmo que artificial. Uma máquina social que prescindisse da alteridade, que minasse todas as particularidades estaria minando a si própria.

Engraçado.
Por um instante esta digressão monstruosa me fez esquecer do medo. Daquele medo de não saber o que fazer.
De não saber o que fazer quando não se tem o que ou quem abraçar.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Proseccage

Noite.
Na Paulista amores em potencial. Paulistanos.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Canção do Asfalto ou Canção do Assalto

Era uma subida, não muito íngreme, e na rua recém-reasfaltada, Heloísa, que é o nome da minha bike, e eu passeávamos. Não me interessava chegar mais cedo ou mais tarde em casa, desde que as minhas preocupações pudessem ser dissolvidas por inteiro na brisa da paulistana noite sem estrelas. Como eu ia explicar que o meu terceiro aparelho celular quebrara, como os outros dois, para os meus responsáveis? Mas o problema logo se resolveria.
Para converter-se em outro.
Eram duas horas da manhã. A postura que eu assumo em relação ao mundo, eu não quero mudá-la. Digo exatamento o mesmo para todas as pessoas quando elas me dão sermão quando pinto o cabelo de verde, quando saio de mãos dadas com o meu namorado, quando atravesso a cidade com Heloísa, quando saio para andar de bike às duas da manhã: eu estou disposto a assumir o risco para poder me sentir mais livre. E, também por enquanto, sou inexorável quanto a esta ideologia. Foi o que restou de mim depois de ler Raoul Vaneigem.
E o risco tornou-se efetivo quando, naquela subida, um sujeito, na direção oposta, ou seja, na descida, parou a moto, desceu e me encarou com uma cara odiosa. Entendi absolutamente tudo na hora. Fui em sua direção e pretendi acelerar Heloísa, mas na pré-dispersão em que me encontrava, e também pelo fato de eu estar em uma subida, o meu plano engasgou, de forma que o meu grito de "filho da puta" logo cessou quando o novo amigo me derrubou da bicicleta, com uma força que só a abstinência pode produzir.
Eu bem poderia ter dado meia volta. Mas o único pensamento que o meu reflexo considerou foi o de possivelmente destruir meu oponente, o que não aconteceu.
[A bem da verdade pode-se pensar no oposto.]
Era como se o meu inconsciente ordenasse
CORRA! SEJA ASSALTADO!!
Na queda quebrei um dente.
Irreversivelmente.
Heloísa também zuou a clavícula, pobrezinha, não tinha nada a ver com isso.
Sobre mim, na calçada da vida, me asfixiando com uma chave de braço, ordenou-me que sacasse o celular. Obviamente eu não o fiz (i) porque estava imobilizado e também porque (ii) estava asfixiado. Felizmente (sim, porque tudo aconteceu felizmente) ele pegou o celular, que estava com o visor quebrado a quinze minutos (o que é uma pena, porque o dispêndio de sua empreitada acabara sendo infrutífero) e se foi em seu alazão em busca da cocaína sonhada.
Um babaca! Achou que ia conseguir assaltar alguém às duas horas da manhã de um domingo. Conseguiu só porque tem muita sorte (ou felizmente não, afinal furtou um aparelho que não valia naquele instante um terço do que quando fora me dado).
Recompus-me na velocidade que consegui.
Levantei-me mais ou menos.
Lesado.
Onde está o meu dente?
A liberdade levou.

Levantei Heloísa e rumei em direção a um pouco mais de satisfação pessoal.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Do cabelo verde

O preço que eu pago por pintar o cabelo de verde é, minimamente, a paranoia. Ousaria dizer que o pacote inclui um aumento absurdo da falta de respeito dos outros em relação a mim: meus direitos de cidadão moderno são suspensos e, conforme a animosidade dos meus concidadãos, o poder de análise destes se torna audível, seja o diagnóstico positivo ou não.
A crítica mais ferrenha a respeito dessa atitude diz respeito àquilo que no senso comum se dá o nome de chamar atenção. Uma explicação ingênua para essa repulsa seria dizer que os demais têm inveja da minha coragem de efetivar aquilo que na verdade seria um desejo latente. Não posso crer que seja assim fácil de explicar.
A crítica se volta a uma atitude que chama atenção. Por ser diferente, talvez. Não sei também se a explicação está ao meu alcance, diria que não. O fato é que a cor excêntrica instiga.
O verde em especial -e aqui eu me dou o direito de fazer tal comentário com argumento de autoridade.
A lógica é simples: alguém pinta o cabelo de verde para chamar atenção, afinal, é inconcebível que alguém o faça pensando no efeito estético que isso pode produzir. Logo, os indivíduos se esforçam para catalogar a anomalia conforme determinado motivo ou ideologia nos quais ela se encaixa taxonomicamente.
É fácil: eu sou palmeirense! A outra comum é o Hulk. Ambas explicações são automáticas e obviamente superficiais. Um ou dois me perguntaram se se tratava de vegetarianismo ou veganismo. Um perguntou se eu era punk. Alguns poucos fizeram gestos de aprovação, alguns outros grunhiram de reprovação.
Mas é óbvio, para quem me conhece, que a última coisa na qual eu estou pensando é na Mancha Verde, imitar uma personagem ou em parecer um straigh edge consciente. Trata-se do efeito estético que a cor verde, minha predileta, apresenta enquanto cor do meu cabelo. Acho realmente bonito.
Outra observação diz respeito ao pensamento das pessoas acerca dos instantes em que eu estou de cabelo colorido e um parceiro. A associação do afeminado com aquele homossexual que chama atenção é o lugar comum do qual se depreende a máxima não basta ser gay, tem que chamar a atenção. Pintar o cabelo de verde então é a extensão de um projeto cuja essência se encontra na homossexualidade.
Contudo, como enunciado no início, além da situação humilhante de objeto de estudo no qual me transponho ao pintar o cabelo, o outro preço que eu pago é a paranoia. É sair de casa e, a cada pessoa que passa, pensar no que ela está achando, mesmo involuntariamente (salvo certos momentos em que eu realmente esqueço disso ou estou com amigos, algo assim), ou pensar no impacto que eu estou causando (e essa é a parte divertida; fico entusiasmado de pensar no risco que eu assumo para me sentir mais livre, pois às vezes, eu realmente acho, perturbo um ambiente apenas com a minha singela e colorida presença). É medir cada um dos meus passos, cada uma das minhas ações, cronometrar gestos, planejar a entonação da voz...
Tudo isso apenas para que eu possa provar para mim mesmo e para o resto do mundo que uma pessoa de cabelo verde pode apresentar uma conduta não necessariamente agressiva diante dos demais, excetuando, claro, a própria agressividade e, portanto, também o sentido político, intrínsecos ao efeito do cabelo.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Notas

O homem que eu era voltou.

Eu disse ao garçom que quero que ele morra.
Em sua garçonnière ri com as notas de dinheiro.
Me trocou por uma de cem! Por uma! Só uma!

Mais um gim tônica.



Relato do Rolê Miado

Convidado feito um estranho senti certo receio. Mas os vários de mim convenceram a não duvidar, e lá fui, livro na cueca, cueca na calça, previnido de tédio-dos-outros-que-também-me-quer. Mas diacho que o cobrador do bús pra quem pedi informação não deu palavra durante a viagem, e dei por conta do infortúnio apenas no fim do passeio. Quis ligar, avisar que eu 'tava miado, mas não encontrei dois celulares no bolso. Embriagado de medo naquele terminal que eu não conhecia -que, eu temia, terminasse comigo antes que eu terminasse co'aquilo-, 'inda criei coragem e colei no orelhão. Avisar-lhes-ia a respeito das minhas condições em relação ao rolê, mas aqui o futuro do pretérito indica pro senhor que o efeito foi abortado: certa figura me pausou e puxou conversa. Disse-lhe que 'tava meio zuado pra discursar, mas o piá não me deixou em paz com história de família, de Jesus, de dinheiro, e eu gritei pro pivete que saísse do meu pé. Pois o trote foi duplo, o pai do pestinha me colou no ouvido antes mesmo que eu tirasse o gancho do fone. Veio sim, e veio com história de respeito, educação e o escambau, então eu simplesmente gritei que aquele cachorro fosse pro inferno. Pra quê?, o tio enlouqueceu, e também nunca vi pessoa mudar de cor de emputecida. Pois eu garanto, o mano lá do terminal ficou azul de raiva. Literalmente. Eu disse "Calma, campeão, eu só não dou o dinheiro porque 'cabaram de me roubar", mas o azulão parecia não estar mais interessado em nada senão me destruir. E, puta que pariu, eu não tinha grana nenhuma. Então um tio de bombeta e óculos mui bregas, feito o Roberto Carlos (com barriga feito gigante cisto), de longe me disse que não temesse, se tratava de televisiva anedota. Cristo! Bradei que pro inferno fossem com aquela maldita pilhéria, que eu não estava em condições et cætera. Uma semana depois apareci na televisão. Não assinei nada, não precisei, eles forjaram uma rubrica. Ignorei a ideia de processá-los. Comecei a comer uma mina que me conheceu por meio do programa de pegadinhas. Tanto melhor.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Tentativas

Sei que vai ser muito bom.
Pois eu tenho a imaginação fértil
Gosto de agradar.

#1
Quando ele entrar por aquela porta, eu vou simular estar durmindo, então ele se inclinará sobre mim e dirá
Acorda, amor, eu vou te levar pra cama.
Então agarrarei em seu pescoço e darei um beijo que vai deixá-lo sem língua pelo menos até o início da manhã seguinte.

#2
Quando ele abrir a porta, a casa estará inteira à meia luz, estará tocando James Taylor, e eu estarei na cozinha esperando ele se sentar.
Quando isso acontecer, servirei um vinho.

#3
Quando eu ouvir o carro chegando, correrei para a frente da casa apenas de cueca.

#4
Quando ele entrar no quarto receberá uma flor, que terá de morder enquanto eu amarro suas mãos e vendo seus olhos. Tirarei toda a sua roupa apenas com os dentes.

#5
Quando ele adentrar a sala de estar me ouvirá clamando do banheiro para que vá me fazer companhia no banho.

#6
Quando, depois de trancar a porta, ele olhar para trás e me ver com uma cara tristonha, perguntará
O que aconteceu, amor?
Eu direi
Acho que estou muito vestido. Será que você não pode me ajudar?

#7
Quando ele entrar na cozinha, me verá devorando um pote de sorvete.
Quer me ajudar?

#8
Quando ele se deitar ao meu lado esta noite, como em todos os outros dias, perceberá, como em todos os outros dias, que há um preço para se dormir em paz.



s/t

Sentimento mentiroso
Premente no peito
Quero o amor das manhãs
Irritado ou manhoso
De qualquer jeito
Seja qual for o afã

s/d



s/t

Namorado. Namorado.
Eduardo. Eduardo.

s/d