Comparando meus escritos e digitados de 2010 com os de 2009 estou reparando que o número de bloquinhos reduziu drasticamente e o número de arquivos de texto-poesia também reduziram. Em contrapartida tenho papéis de anotações e esquemas de estudos digitalizados que não têm fim. Entrei na faculdade, passei a estudar pra caralho. Me senti particularmente inspirado no início do ano (tive um amor platônico no exato reveillon, vestibular, viajei etc.) e também na semana em que frequentei a Escola Livre de Cinema e Vídeo de Santo André, no início do segundo semestre, quatro dias que conseguiram me inspirar durante um mês.
Sobre as férias...
Carta de amor do ano novo
Oi Guilherme. Minha vida muda só tem ouvidos para a garoa arrogante. O resto da noite passada está aqui, entortando a minha vista e fazendo com que os paralelepípedos dancem em um ritmo marítimo. Do outro lado da rua uma pomba está andando, como andam os humanos, porque está convicta de que os imitando conseguirá entrar invicta dentro da padaria algum dia. O céu inicia o bocejo da manhã, que é quando as coisas começam a clarear, a rua, a árvore, o prédio, o portão, o cachorro, tudo cada vez mais nítido. E eu estou prometendo a mim mesmo que os dias serão cada vez mais irreversíveis. Se está ao meu alcance eu não sei, pode ser ingenuidade. Prefiro pensar que não. Prefiro pensar, Guilherme, que os meus atos têm sentido. Guilherme, as coisas não se mensuram. Eu vou viver ao teu lado nesse mundo imensurável, Guilherme, e o mundo será nosso, apenas, unicamente, exclusivamente, nosso. Nós nos...
Guiamos da maneira que quisermos, Guilherme. Guilherme, eu não espero que você leia isso algum dia, você imaginaria "que raio de sujeito é esse? esse fraco, esse fraco, esse fraco", mas eu garanto, que é inevitável, o meu amor irreversível me içou, e agora eu estou muito longe do chão, há um...
Guindaste invisível, quase metafísico. Guilherme, quando os fogos arrebentaram no céu eu estava no metrô, provando para mim mesmo que eu sou a pessoa mais forte no universo, mas você humilhou a minha filosofia quando, naquele boteco com estranhos recém-conhecidos você me olhou, e fez exatamente aquilo que o amor da minha vida faria para me conquistar. Então com as lágrimas que pululam do meu ser eu senti um aperto no coração de não poder te reter para sempre, na penumbra da luz sensual e tênue da sinuca da minha vida. Você me encaçapou e depois abandonou o bilhar, desligando a luz da minha felicidade, apertando o interruptor do meu coração. Não me admira ter chovido depois. Você levou consigo toda a estabilidade, você e o seu sorriso levaram o meu oxigênio, e agora eu me sinto morto. Acho que estou sento levado à...
Guilhotina, cumprindo essa pena horrível, que é a angústia da esperança, à qual ainda não me acostumei. Sim, Guilherme, porque eu sou pós-graduado na ressaca do amor, e agora eu estou imerso em um fluido que não existe, e quando eu menos esperar estarei em queda livre. Agora a minha vida não tem outra função senão te encontrar, amigo, e eu sequer sei por onde começar.
Guizos de natal sinalizam a morte de um ciclo e o nascimento formal de mais uma escravidão temporal. As mulheres idosas tiram das portas suas...
Guirlandas. As renas do Papai Noel abandonam a televisão e vão repousar guardadas em gavetas. E quilos de dinheiro são devorados em labaredas coloridas na Avenida Paulista -e o meu coração é devorado por você-, lâmpadas azuis, brancas, vinho barato. E a Rua Augusta, e todas as suas...
Guildas, tribos, seus botecos e suas boticas, sufoca na garoa intragável. Mas a culpa de estar garoando é sua Guilherme, porque você me abandonou, e agora a minha incubência é te achar a qualquer custo, já que não resta dúvida de que você é o meu príncipe. Porque você olhou para os meus olhos como um homem apaixonado olha, e com uma simpatia hipnotizante que me deixou estupefato, e não foi com "uma" simpatia, e sim com "a" simpatia, a simpatia que eu esperava para obter a felicidade, a tua simpatia, Guilherme! E você me ofereceu meia garrafa de cerveja, Guilherme, e você não faz ideia do que isso significa, amigo. Guilherme, você me perguntou meu nome, Guilherme! Guilherme, você foi embora, mas me deu de presente a maior esperança que eu nunca tive, com o seu sorriso moleque, sua simpatia gigante, seus olhos maravilhosos e aquela meia garrafa de cerveja. E me disse que lhe encontrasse em uma sexta-feira, na pizzaria ali perto, apenas essas coordenadas, logística simplista. E então você deu meia-volta e foi embora, e eu corri atrás de você, mas nenhum de nós dois podia anotar informações pertinentes, por falta de recursos físicos. Então eu só sei que você se chama Guilherme, e que frequenta o Vitrine às sextas-feiras.
E a minha vida está prestes a dar uma impossível...
Gui-nada.
Guilherme me guiando guitarrante, guildas, guizos, guirlandas, guilhotinas, guindastes, guichês, guisados, guilhermes mil... Alvoroço em meu coração, amanhã ou depois de amanhã, resistindo na boca da noite um gosto de Sol...
janeiro 2010
texto
título que já perdeu acena
porque a conta do analista
me foi paga com o corpo
docente
doente
de bombeirinhos
2010
caroço-angústia-suspeita onipresença,
eu disse ao Francisco no sábado passado que o custo-benefício dos meus relacionamentos estabiliza-se com a negação das relações virtuais, a favor das trocas reais, relações verdadeiras.
ele me disse que, se eu sou convicto disso, sou a pessoa mais bela.
é uma pena que os meus amores não-perus não sintam por mim um amor tão avassalador que os faça superar seus medos, e também é uma pena que esse medo os impeça de que vivam amores avassaladores.
e enquanto isso, na cidade, o amor funciona como deve funcionar, sob este céu sem estrelas.
8 2 2010
por que o chocolate que você me deu me espia e as flores estão tão diferentes se até a porta para o quintal está aberta?
por que o ventilador teimoso gritando feito uma cigarra continua balançando de um lado para o outro, em um silencioso "não"?
por que o violão está mudo mesmo com todas as possibilidades de poesia que noite quente e estrelada oferta?
e por que escrevo estas linhas se tudo acabou definitivamente entre nós?
deve ser porque... definitivamente. acabou-se. tudo.
farmácia, 8 2 2010
você (realmente) acha e tem todo o DIREITO
de mudar a minha vida (assim -sem mais nem mais nem mais)
enquanto os sentimentos-pulga pululam dos meus poros e são arremessados uns contra os outros na garrafa térmica do meu ser, teus olhos castanhos -lindos olhos castanhos- mais fundos que o braço da floresta penetram nos meus e se instalam no meu intelecto-ecto-ecto, e impossibilitam o antigo Eros de respirar com o empoeirado ar da semana passada.
ou você queria apenas mais um beijo?
como sempre foi certo que o meu futuro seria promissor... sempre foi! eu senti que nas últimas semanas que a minha vida subia uma escada ruma a níveis cada vez mais catastróficos, fabulosos e fantásticos. e eu venço no cassino do amor, eu já posso virar para o fevereiro passado e gritar que EU VENCI O CASSINO. e isso tudo under meus abstracionismos ultrapassados.
mas é porque você tem o DIREITO.
18 2 2010
empecilhos em pé são cílios
de pé nos teus sexuais olhos
que dançam na minha fálica cabeça
mesmo que nem direito eu te conheça
dançam com a paixão mineral
co'a qual brilham
fevereiro ferve na rádio
dos atômicos tímpanos do dia promissar
as coisas todas não fazem ideia
de que eu sou o irresponsável cantor
na janela do frio e ignorante ônibus
no qual brilho
o dia é nosso
o dia é nosso sim
muito. muito.
o dia é muito. muito nosso
20 2 2010
o celular toca
eu tenho alface no dente
o fio dental corre
freneticamente
eu pego o aparelho
tão esperançoso
o fio dental dança
na boca raivoso
largo o telefone
alface no dente
quem é que me liga
amigo, parente
ou será o amor
que conheci quarta-feira
que imerge das horas
pra contar besteira
20 2 2010
COMUNICADO
não entendo por que, mas meus dedos, que roo incessantemente, estão cheirando ao teu beijo com dentes escovados. este frio, que se torna quente, que é o diálogo-amor das dialéticas-línguas, tem um porquê gutural. porquê da vida, combustível do meu sangue, saliva da saliva, antisséptico do meu ser.
(tua boca muito mais alva, gostosa e
re. fres. can. te.)
2 3 2010
a melhor poesia que eu escrevo
tem as letras do meu amor
eu luto pela poesia - do meu amor cogniscível
subcuecante e supracardíaco, o amor difícil
das centenas de horas, agoras, aforas
que chora, que flora, que adoro, deploro, que adorno, que chôro
a melhor poesia que eu canto
tem o cheiro do meu amor
eu luto pelo aroma - do meu amor reconhecível
lácteo-pigiante, naso-sudoríparo, o amor sensível
meu amor escovado, lavado, chupado
lambido, marido, na cama, sacana, deitado, jogado...
esperando minha boca
5 4 2010
Conheci o atual namorado Eduardo em junho, mais ou menos na mesma época em que havia conhecido o Daniel em 2009.
Participei de um assalto mais ou menos violento. No qual eu era a vítima.
Na volta das aulas, após nervoso processo seletivo, entrei na Escola Livre de Cinema e Vídeo de Santo André, onde, por falta de vergonha na cara e condições intelecto-temporal-geográficas do rolê eu não conseguiria estudar -excentuando a possibilidade de fazê-lo tendo como efeito um aumento na minha self-mortalidade.
Em outubro fui para o ENUDS e nos meses seguintes entrei em contato com algumas atividades que testaram meu projeto de vida, hipóteses, ideologias etc., corroboraram, aprimoraram, acrescentaram.
Terminei o caderno devolver a Eros Tesão este caderno de pornografia número XXXX-XXOX (não ligar a cobrar) ou esta caligraphia calipígia ou amor irreversível.
Os últimos dias de dezembro foram um saco.
[fragmento]
I
começa com um beijo, mais ou menos molhado, mais ou menos arbitrário, mais beijo do que desejo, mais vontade do que receio. incrivelmente.
II
é como se meu inconsciente dissesse
CORRA, VÁ EM DIREÇÃO A ELE
eu simplesmente podia ter dado meia-volta, mas não
CORRA, SEJA ASSALTADO
todavia aquilo me livrou de ter que arranjar explicações para o fato de o celular ter quebrado vinte minutos antes do assalto.
III
na queda quebrei um dente
IV
a teimosia, se bem estruturada, é uma virtude. por bem-estruturada entende-se que há uma lógica-argumentação suposta.
ora, negar a teimosia, que é uma condição geral da sociedade, é hipocrisia.
V
pavores de mim. os vaticínios têm durado facilmente até às duas, duas e quinze da manhã.
VI
eu posso seduzir facilmente o diretor. só preciso de um motivo. que tipo de poder ele pode oferecer?
s/d
os meus amores são natimortos
a maior parte deles não durou mais do que dez segundos
s/d
quando nossas sombras se fundiram, na rua, senti catalisarem-se nossas emoções. (desde o início achei que nossos corações trampolinharam na mesma velocidade.)
e então você me disse "oi" na rua, escura, senti que se não desmaiasse, flutuaria. escuridão. e nossos corpos se juntaram, na esquina. senti a eternidade no meu fluxo sanguíneo. esquinados, nossos lábios labiaram-se, na noite senti que nada mais importava. e, logo, o amor dos homens, personificado no negro líquido cardíaco que bombeava alucinadamente, converteu-se no alvo e cândido néctar morno da vida, que jorrou energicamente rumo ao céu.
da boca.
preta.
s/d
se tornar adulto é um crime contra a estabilidade e a esperança contínua do mundo mágico.
um par de pernas muito finas pouco presente quer estar em casa. passeia confiado e descorajoso nas paredes brancas de luz apagada. (da mente castanha.)
confinado na atmosfera gelada da estação, quer se morfinar.
e vai conseguir.
ele senta nos sofás brancos mais ou menos insípidos da cinemateca e cruza o par de pernas suspirante de satisfação em seu orgulho-dezessete. ele é feliz e sabe muito bem.
quer olhar. consegue. bate-bate, posso ouvir daqui. o céu nublado anuncia a noite sem estrelas da cidade.
vai começar a sessão. e depois dela, ele será apenas um pouquinho menos o mesmo.
(mas sabe o que quer.)
s/d
quando caiu da mesa acordou. irada. quero dizer, que seu cabelo assemelhava-se à vida em sua explosão no limiar da intensidade. e olhou pro chão, e enxergou. e de repente se viu homem na escrivaninha, mas abandonou a carteira semi-bravo e quase-mudo, pondo a preta blusa na morena derme, mochilando-se e se dirigindo à porta. mas quando saiu estava branco, e as panteras que saíram da floresta em sua frente se esforçaram para violentá-lo. correm muito, e caiu em buraco, para uma boate gay, e aí era colorido. e vida passou a fazer todo o sentido. limites estreitos. estritos. uma boca molhada, saborosa, e um drinque cítrico. até que perdeu o chão. quando caiu da mesa acordou. irada. quero dizer, que seu cabelo assemelhava-se à vida em sua explosão no limiar da intensidade.
s/d
passa por mim a nuvem do amor ultrapassado
pisa no fundo dos pés de galinha
me reconhece
sabão de marchinha
beija minha nuca - certeza
filho da cidade - é normal
eu te ver assim - no circuito
continental - vai um biscoito?
vou num café genial
depois da película - audiovisual
vem vem comigo menino
ultrapassado tá bom
não não insisto mais, cara
eu vou seguindo na marchinha
a gente se vê dia desses,
eu sigo marchinha - sabão
s/d
(estrela de topete)
você foi pornografada em mim
estrela de topete e rala barba
estrela da assimetria
pornografada em mim
eu estigmatizade
você star-beldade
hetero-liberdade
você Sol eu Plutão
marginal coração
de estelar desejo
celestial submissão
daqui do inferno vejo
a sombra do avião
estrela de topete
pornografada em mim
você funciona como um deus
tô nas tua - eu no teus
s/d
quando ele chegou viu o chão pintado de assombrosa escuridão
sentiu tanto medo, mas tanto, tanto medo que desejou também morrer por um instante
[nada mais preocupante que a dúvida]
tentou respirar uma duas três tentativas -passivas! metabolizar de qualquer jeito, a qualquer custo
QUASE MORTE
deu meia volta, e outra, e outra volta, muitas meias voltas mentais
o chão assombrosa escuridão, sem previsão de chegada
amarrada ao não dito, preso, acorrentada na insegurança sua alma se matou cinco vezes (que era o número de meses)
vê-lo o outro, ali quietinho, com terceiro, rindo sim, grudado assim, de qualquer forma, sem mim...
[e o fim de semana mal tinha começado]
s/d