sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

2014 - O Vento

o epíteto de 2014 é O Vento, em referência à canção dos Los Hermanos. muitas músicas fizeram-se decisivas este ano (Pusher love girl, I wish i know how it would feel to be free, Conversa de botas batidas, No habrá nadie en el mundo, (Puro) Teatro, A mim e a mais ninguém, Happy, Agito e uso, Lady Marmelade, Agora só falta você, Esta noche, Tô usando crack), mas se eu tivesse que indicar aquela que me acompanhou obsessivamente ao longo do último semestre, admitiria: Meninos e meninas.

sambar das opressões com elas

admitir o conteúdo assimétrico implícito nas relações (de poder), vínculos, interações foi crucial para ingressar no jogo-vida de outra maneira.
ainda bem que eu posso brincar com opressões em cima delas, não porque essa é uma habilidade especial, mas porque eu estou munido desse pressuposto (o que posso chamar de tomada de consciência ou agência). já falei sobre isso aqui - acho que o texto mais importante de todos.
para além da estupidez de achar que eu sou um oprimido alienado e estacionado, acredito que aprendi muito surfando com minha prancha A.G.Ê.N.C.I.A. (Agora, Gato, Espero Nunca Cruzar Imbecis Again), e que tenho muito a ensinar. contra as opressões, seu détournement. para além da opressão, a liberdade de forjar sua própria realidade, da bricolagem de entulho rumo ao
céu
a
rasgar...

exercícios de alteridade radical

academia, mas sobretudo sexo explicitamente mediado por dinheiro e teatro foram cruciais para que eu tivesse contato severo com a alteridade out-of-bubble. desejo encenado com corpos que não desejava, olhares profundos e jogos cênicos cujo sucesso dependia de confiança e vibe com estranhos.
nas Sociais a gente acha que abre a cabeça, tsc tsc!, abrir a cabeça é sair da rede de gente escolarizada e militante - aliás, que é militar senão atravessar territorializações por seus efeitos subversivos? -, é pegar aquela porra de referências acadêmicas e políticas e ir viver e circular nos cantos da cidade, manhãtardinoiti...
e, claro, o maior tesão do mundo conhecer as pessoas mais incríveis... meu mundo é coisa outra, muito bom poder se reinventar, e eu muito me orgulho disso.

corpo como plataforma de transformação

publiquei ao longo do ano pelo menos quatro textos sobre mudanças fodas que se processaram ao longo da minha vida em 2014 relacionadas a sexo mediado ruidosa-e-silenciosamente por dinheiro (Mich'eu, Sobre trabalhar com sexo, ou Do sexo como trabalho, O puto e o capitalismo: Percursos da hipocrisia e Abuso policial: case report, ou, Choram _s militantes pelos prostitutos?). neste último eu listo uma série de tecnologias do corpo, das quais lancei mão para produzir efeitos e experimentações no domínio do corpo e da subjetividade.
xenical, piscina, alargadores, antropologia, whey protein, academia, teatro, bike, BCAA, prostituição, tribulus, tabaco, roupas novas, cocaína, batata-doce.
como diz Bia Preciado, um "conjunto de moléculas disponíveis hoje para fabricar a subjetividade e seus afetos". ter acesso a essas técnicas e artefatos foi crucial para empreender mudanças, testes, enfim... agência! s2

as coisas mudam

isto aqui eu já sabia, mas pude experienciar de uma maneira mais drástica este ano, pelo bem e pelo mau. dois exemplos de como as coisas mudam.
ʎ infligir gestos disciplinados e ministrar fármacos sistematicamente sobre meu corpo produziu arranjos outros; um conjunto de códigos que não acumula no nível do aprendizado, mas de uma economia da mudança física que é também cumulativa. diferente da escola, onde existem etapas, cursos etc., na academia - um "não-lugar" (péssimo termo), máquina de supressão histórica (outra péssima formulação) - as mudanças se processam em outro nível, do corpo, não mais passivo.
ʎ outra maneira de perceber a mudança nas coisas: alguém que você ama hoje, ojerizarás amanhã. alguém que poderia arriscar a própria vida por mim, hoje me difama. aquele por quem eu fui capaz de abdicar de mim mesmo, que então me oprimiu sistematicamente no âmbito conjugal-doméstico, hoje é uma pessoa por quem eu nutro ao menos indiferença-desprezo.
falei sobre este assunto de maneira mais detida quando refleti sobre um boy, mas sobretudo numa carta endereçada a uma amiga.

UNICÃO

Baraldo me aguarda.
há pouco mais de um ano atrás, quando escrevia meus campineiros leminskinhos, sonhei com UNICÃO. agora tenho condições de desenvolver minha pesquisa no mesmo chão que Néstor, ao lado de minhas melhores pessoas. vou inclusive ganhar dinheiro pra isto!
o puto, consumidor de pessoas; o filho da cantora; o maconheiro; o ateu; o promíscuo; o vagabundo; vai agora ganhar dinheiro pra fazer militância acadêmica!, e a pegação continua a mudar a minha vida cada vez pra melhor!

todo ano eu acho que é melhor que o anterior, e cada vez melhor. é assim desde 2009. 2013 foi um ano um pouco mala, confesso. mas 2011/2012 foram fodas demás... agora, 2014... viver é um barato! e ninguém me tira esse barato! nunca!

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

dilema político

voice notes

23h42
a pergunta que mobiliza esse dilema político é: como se defender da repressão institucionalizada em contextos territorializados como espaços de pegação? como dosar legitimidades, né?

23h42
por um lado existe um problema na pegação em lugares públicos - e não em casas feitas pra isso, né? - da pegação enunciar-se como uma sujeito político

23h43
aliás, ao meu ver, né, a pegação só sobrevive porque ela não é coextensiva a um sujeito de sua prática, né? você não interpela um "pegador", né? o "pegador" é um sujeito difuso, contingente. quando você acha que pegou ele na verdade você tá pegando uma pessoa que você enquadra num determinado quadro, e não a partir das práticas, né?

23h47
então retomando aquela pergunta: como se defender? como se defender da repressão institucionalizada se não pode se assumir a pegação como uma bandeira? você não só não pode assumir a pegação como uma bandeira, como o que define a pegação é exatamente essa liminaridade. a não ser que você esteja falando de uma pegação reificada que funcione apenas com simulacro dentro de cinemões e saunas, esse tipo de coisa, né? - um mercado do desejo "mais previsto" (entre aspas).

23h48
como se defender então? um jeito seria transferindo as práticas de pegação pro reino do mercado?, e da institucionalização? da transformação total em simulacro dos rituais de pegação? tsc! tsc! tsc! tsc! não! se perderia muito fazendo isso. o que é rico na pegação é justamente o questionamento do uso do espaço público, que foi capaz de empreender mudanças na malha urbana, né? então, como se defender da repressão institucionalizada, uma vez que ela tem precedentes pra operar não segundo o marco da homofobia, mas segundo...

23h49
ela tem precedentes pra operar de acordo com o uso heteronormativo, né?, homofobia invisível, que é a coerção das obscenidades em espaços públicos. então, como se defender?, sério... como? eu não sei, /\/\4|<(3|_0, como se defender? como resolver esse dilema político?

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

piada$ pronta$

pra um tal ser humano
com um tal empenho
que até em público veio
me chamar de farsa?
que estranho!
recalque bate pra quem me teve de graça...


eu não vendo meu corpo
eu comungo


sou garoto de programa
seu desejo se inflama
ele finge que te ama
[quando o leva para a cama]
e arranca sua grana


o corpo é meu
- pelo que sei.
cê tem o seu
- ainda bem!
eu não preci-
so de anuência
- quanto mais de
essa presenç'
um
tan
to
quan
t'in
de
li
ca
da.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Carta a Geórgia

Geo,


O AMOR É SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEL

Eis a epígrafe de um dos meus romances prediletos. Pensei nisso enquanto lia o seu desabafo.

Fiquei muito triste em ler o seu - belíssimo - texto sobre pensamentos avulsos, que de avulsos nada tinham. Pelo que parece eles pulularam espontâneos, mas eram monotemáticos, e se consagravam a um tema bem pouco aleatório: ______________ [lacuna que você pode preencher da maneira que achar apropriada].

Me chama a atenção você priorizar a escrita em português - e, por enquanto, não traduzir o texto. Isso pode significar pelo menos duas coisas: 1. afastar a interlocução da sua rede grega, chamando teus/tuas amig_s brasileir_s p/ pensar e sentir contigo; 2. quando a gente explode, as lágrimas-estilhaços vêm na língua-mãe(-e-pai).

Eu tenho um débito - péssimo termo - contigo, por muitos motivos, mas sobretudo pelo apoio que você me deu naquele fim de 2008. Talvez uma coisa parecida esteja pintando nesse teu coraçãozinho helênico: no momento em que você descobre de fato que um campo de sensações e afetos muito massa está disponível em vários níveis do corpo, o ser humano de quem você gosta arranca teu chão e diz VAI SOZINH_!

Esta cartinha é sobre FIM! Contudo, é um texto otimista.

Estou cada vez mais convencido que AS COISAS ACABAM! Os artefatos acabam, as coisas, as pessoas acabam, o Chaves, o Chávez, os vínculos acabam, também os gatinhos, as cobras, a Grécia Antiga, até a Grande Família - ufa! - e, se tudo der certo, o capitalismo, e se der mais certo ainda, o planeta Terra. A minha experiência com celulares, sentimentos, animais de estimação e diarreias, pelo menos, é essa. Nós, aproximadamente ocidentais, temos uma obsessão em um mecanismo específico de dar sentido ao mundo: essencializando fatos, substancializando eventos. E isso a gente faz com a cabeça, o coração, as mucosas, a boca, as mãos. A ilusão de estabilidade traz paz e inteligibilidade para nós terráque_s. Quando a gente se entrega a essa ilusão a gente perde do horizonte que a experiência real é um compensado mal-sucedido de fragmentos, seções e pontilhados aos quais damos o nome de vida, família, carreira, casamento, maturidade. Vivemos numa tensão entre vida real instável e a suposta estabilidade que muita gente quer e jamais terá.

Isso tudo acontece também através do afeto.

Durante certo tempo da minha vida, tive a ilusão de que estava condenado à felicidade ao lado de uma pessoa. Então, finalmente entendi o significado de "eterno enquanto dure". Ao cabo da frequência afetiva que eu tinha com o ser humano, uma série de perturbações já haviam se processado e causado enorme sofrimento, devo dizer, para ambos.

Hoje, quando as pessoas me perguntam "por que acabou?", eu acho que essa é uma formulação injusta. Assim o é porque, para mim, AS COISAS NÃO ACABAM! Ué, mas eu não disse exatamente o oposto lá atrás, que as coisas morrem, os processos findam...? É! É que o complemento que liga os dois axiomas é: A DESTRUIÇÃO É UM ATO DE CRIAÇÃO! Ou, as coisas acabam-começam/começam-acabam, nascem-morrem/morrem-nascem, ou, simplesmente, transformam-se.

Agora, qual o porquê dessa espinafração toda?

Se o FIM é por vezes uma bosta, ele também é possibilidades mil. Um monte de escombros são também criação pulsante. A matéria do meu cadáver pode virar uma bela estrela. Uma boa fossa é promessa de uma boa superação.

Eu não sei em que pé - mão, cabeça - você está com a grega. Mas, se eu posso te dizer algo pra te confortar em noites vazias, esse algo é isto: O FIM É UM COMEÇO, e dos processos que se apresentam como destruição a gente tem mais é que tirar proveito. 1. A gente aprende. 2. Ainda bem que viver é trágico - se fosse fácil não teria graça nenhuma. Se voltar aos braços da grega, tanto melhor - ou não, pois, lembra Gaspar Noé em Irreversível, O TEMPO DESTRÓI TUDO. Se não voltar, maravilha!, estamos aprendendo. E curta a fossa, que nem sempre a gente tem oportunidade de sofrer por amor.

Isso talvez seja antídoto pra ressaca, mas não pra entrega. Sobre esta, que posso dizer senão: se entrega mesmo!, quando quiser. A gente vê as relações de maneira tão produtivista que nunca se entrega pra ninguém se não houver reciprocidade - que é uma ilusão. Pois foda-se o individualismo, se entrega mesmo, chafurda na lama se preciso, mas cultive seu coração como uma bomba - já que, sabemos, até agora, não há nenhum indício de que ele vai durar pra sempre.

Mas, e isso é estratégico, tenha chãos alternativos. Se não os tiver pela vista, com 99% de chance, cedo ou tarde, os terá.

E, saiba amiga, que, para o que precisar, que seja para impulsionar teus saltos ou sedimentar teu solo para a queda, estou disponível.

Fica bem.

Bjs eróticos

PS: Ah! Tem uma música que eu ouvi muito este ano. Talvez você goste. Chama Meninos e meninas.

domingo, 7 de dezembro de 2014

A serviço da diferença, ou, Por um romantismo (do) outro

Quando eu era menor de idade, ouvia com frequência dos meus parceiros sobre um mundo pós-18, ou mesmo pós-20, onde eu teria condições de compreender algumas coisas que ainda não estava "preparado" para entender. Como naquela época eu conversava sobretudo com parceiros mais velhos mas em pé de igualdade, era também pisando nesse pé que - teimoso que sou - alcançava nas interações traços de um preconceito de idade. Era uma contradição, afinal, que eles tivessem paciência - e talvez interesse - em estar comigo, mas ao mesmo tempo usassem as noções de experiência e maturidade como forma de valorar seus argumentos e pleitear uma distância entre nós. O instrumento dessa reivindicação, à moda ACME, consistia, e consiste, né?, de um pincel especial: pinta-se um canyon entre eu e você. Logo, há um fosso entre nós.

Estava tomando banho, e então comecei a pensar em como algumas diferenças estiveram implícita e explicitamente ligadas a processos de distanciação durante e após incidências com pessoas que foram e são afetos meus. Desde comentários consagrados à maturidade e experiência para explicar atitudes e reforçar incompatibilidade de locais etários, até uma certa tendência de ser chamado por "bebê" dentro de relações "intergeracionais" (que é um termo beeeeeem forçado aqui). 

Cresci, virei mulher (risos), e essas coisas pra mim continuam a ser irritantes, o que já é um dado para esse babaquismo todo!

Eis abaixo uma lista de casos paradigmáticos - ou coisa que o valha. Por algum motivo sobrenatural trata-se praticamente de caras que me deram um fora direta ou indiretamente, sendo o último mencionado um atual coincidente, cuja evasão eu honestamente temo.

Arcanjo (2008)

Eu 16 x Ele 19
Maior de idade e eu não
Assumido e eu não
Bem escolarizado, como eu, mas no Ensino Superior, e eu no Médio

Príncipe (2009)

Eu 17 x Ele 27
Maior de idade e eu não
Não assumido e eu sim
Classe média, capital social compatível com o meu
Emancipado economicamente e eu não
Mora sozinho e eu não
Não era um intelectual

Melanocetus (2012)

Eu 20 x Ele 30
Mais velho que eu
Preto e eu não
Pouco assumido e eu muito

Neerlandês (2014)

Eu 22 x Ele 16
Menor de idade e eu não
Pouco assumido e eu muito
Mora com progenitor_ e eu sozinho
Não tem autonomia financeira e eu sim
Bem escolarizado, como eu, mas no Ensino Médio, e eu no Superior

Coisa Linda (2014)

22 x 22
Não é muito escolarizado e eu sou
Acessa a redes e referências culturais pouco convergentes com as minhas - by now
Mora no subúrbio e eu não
Não tem experiência com concepções de relacionamento pouco comuns
Gostoso e eu nem tanto

O que se verifica nesses casos - especialmente os quatro primeiros - pode ser ilustrado em dois níveis interconectados (perdão pelo sociologismo, mas creio que ele pode ser elucidativo). Em um nível, normativo, a diferença opera através do drama dualista. Curioso que, entre Príncipe (27 x 17) e Neerlandês (16 x 22), tenha se operado uma inversão correspondente à ansiedade de observância da norma.

Príncipe - 27:
Emancipado economicamente, formado e profissionalmente ativo, quase nada assumido
versus [10 anos]
Eu - 17:
Morando com a mãe, cursando o Ensino Médio, ocioso e dependente da renda familiar, assumido

Eu - 22:
Uma casa que administro sozinho, formado, detentor de renda própria, assumido
versus [6 anos]
Neerlandês - 16:
Morando com a mãe, cursando o Ensino Médio, ocioso e dependente da renda familiar, poucamente assumido

Em ambos os casos os aspectos ligados ao trabalho, escolaridade e convivência doméstica estão atravessados por trajetórias/carreiras/cursos etariamente marcados. Havia, no entanto, para os dois casos, um ruído. Eu dizia que não havia diferença relevante no aspecto etário (uma vez que, com relação ao Príncipe, estávamos juntos nas convenções de classe e, no caso do segundo, estávamos profundamente sintonizados, uma vez que o garoto era também um intelectual e compartilhávamos de inúmeras referências culturais). Príncipe (27 x 17) tratava a distância etária com muita cautela. Neerlandês (16 x 22) certamente achava que as implicações da nossa diferença etária (no período específico que - supostamente - marca a chegada à "fase" adulta) estava na vanguarda das diferenças que nos ameaçavam. Uma vez ele me disse que nós éramos muito diferentes. Outra vez, disse que eu não deveria me importar tanto com um adolescente.

Curioso então que ambos tenham reivindicado a faixa etária como um fator de afastamento, ao passo que eu reiterei minha posição mesmo quando, mais velho, habitei o polo oposto. Era um antropólogo em gestação.

Na economia do envolvimento, certamente pesou o fato de eu ser assumido e os outros não. No primeiro caso, assunção e vida além-apê foram demandas à exaustão, e culminaram no fora - que rendeu música. No segundo, tentei ser cuidadoso com a menoridade do rapazote, embora acredito tê-lo assustado com minhas investidas públicas e planos de conhecer sua mãe homofóbica. Foi a maior frustração afetiva da minha vida - pois não pude viver com ele minimamente o afeto e o desejo que eu esperava.

Eu, na cabeça de Príncipe (27 x 17) - e talvez na minha também -, pleiteava a assunção por estar mais próximo de mudanças sobre concepções relacionadas a afeto entre pessoas do mesmo sexo que ele, em termos sociológicos. Ironicamente, cinco anos depois, apesar de estar submerso nessa classe geracional de gente mais facilmente assumível, tive de admitir que Neerlandês (16 x 22) estava associado a um quadro complexo; família pouco libertária, silêncio no âmbito escolar, dependência doméstica, timidez etc.

Dá pra levar em conta também a inversão entre as relações entre eu e Arcanjo (19 x 16) e, igualmente, com Neerlandês (16 x 22), no que tange especialmente à articulação idade x escolaridade.

Arcanjo 19 x 16 Eros
Bem escolarizado, como eu, mas no Ensino Superior, e eu no Médio
x
Neerlandês 16 x 22 Eros
Bem escolarizado, como eu, mas no Ensino Médio, e eu no Superior

Creio que elas agregam à análise anterior.

Chegando então ao nível intersubjetivo, fica mais fácil enxergar as polaridades molares não apenas como somas, mas operando interseccionalmente. Os três anos de diferença que me separaram de Arcanjo (19 x 16) não eram apenas três anos, mas uma distância etária que, articulada ao processo de identificação associada a práticas sexuais, catapultou o afastamento entre nós, a partir da interação de outros/as atores/atrizes, como meu pai e minha mãe, por meio da chantagem jurídica-doméstica-afetiva. Uma distância de dez anos não foi suficiente para me separar de Príncipe (27 x 17) ou Melanocetus (30 x 20), mas meros três anos situados na passagem para a maioridade - investida de ansiedade "familiar" para a última membrana do ovo a ser estourada - tornaram-se uma grande distância. Minha mãe disse que Arcanjo (19 x 16) estava botando minhoca na minha cabeça, e meu pai que ele era um pedófilo.

Mãe
Arcanjo (19) - presumidamente consolidado; colocador de minhoca na minha cabeça
x
Eu (16) - corruptível; presumidamente suscetível/ingênuo

Pai
Arcanjo (19) - pedófilo; presumidamente perigoso, perverso, deve ser combatido
x
Eu (16) - presumidamente efebo; presumidamente vulnerável, (com)passivo, devo ser salvo

No nível intersubjetivo, então, a diferença é posta à prova! Minha mãe - que fez curso técnico de psicanálise e já teve um grande amigo gay - ironicamente me levou para a terapia. Ao cabo da primeira e última sessão, a terapeuta e eu concordamos que o problema era da minha progenitora, jamais meu. Meu pai, um católico ateu, me levou pra igreja.

Pensando inversamente, talvez a mão cheia de dedos de Neerlandês (16 x 22) visasse justamente me afastar de problemas como esse - bem como preservá-lo de psico-religiosismos. Acho que uma diferença fundamental entre nós, nesse sentido, é que eu li George Orwell, Aldous Huxley, Ari Almeida, Hakim Bey e Anthony Burguess nos meus dezesseis.

Ainda pensando nos diferentes níveis de processamento da diferença, e para além do aspecto meramente etário, posso dizer que a fossa abissal que distanciou Melanocetus (30 x 20) da superfície na qual eu remava indubitavelmente tinha a ver com a inadequabilidade do meu investimento sobre ele.

negro, economicamente emancipado, 30 anos, alto, baiano de origem, assumido nos limites do gueto, austero, uninoviano tardio
x
branco, economicamente dependente, 20 anos, baixo, paulistano, assumido para além dos limites do gueto, juvenil, uspiano precoce

Certamente havia convenções de gênero difíceis de serem indicadas por mim. Certamente racializadas; na relação entre o seu samba cadenciado em tensão com o boné de aba reta indiscriminadamente usado por um playboy branquelo da USP.

Nunca foi tão estranho estar com outra pessoa em público. Essa estranheza não residia apenas como ressonância do quadro [gay-privado x hétero-público], mas era causada por uma série de fatores perturbadores, que não precisavam ser ditos, estavam nos meus olhos, nos olhos dele, e de tod_s aquel_s que presenciaram as nossas três ou quatro ficadas. Por ironia, quando voltei de Salvador, não consegui mais revê-lo. Ele simplesmente me ignorou. A leve fossa pelo menos rendeu música.

Não há como desvencilhar o peso das normas das relações moleculares. Isso por mais de um motivo. As diferenças "molares" aqui mencionadas (idade, raça, identidade associada a prática sexual, classe e silhueta) associadas a redes e referenciais sócio-culturais em curso (capital cultural) tornam de antemão movediço o terreno das interações mencionadas. Por outro lado, o desejo é - quer se admita quer não - severamente motivado pelas tensões, ou melhor, por tensores libidinais (na boca da bicha antropóloga Néstor), no nível dessas mesmas diferenciações, traçando ruídos e distorções (então desejáveis e desejosas) na polifonia etária, racial etc.

Por fim, ando pensando bastante sobre Coisa Linda (22 x 22). Tenho ultimamente esboçado um pequeno índice de aspectos que têm parecido decisivos em me alocar num devir transtornado, interessado ou indiferente aos caras com quem me relaciono.

se veste bem | carinhoso | bom de cama | gostoso | bonito | porra-louca | simpático/extrovertido | assumido | intelectual/open-minded | de esquerda | conhecedor de arte

Eis qualificativos que numa análise a posteriori agregam no diagnóstico de algumas febres ou, por oposição, em foras sem remorso (mal-vestido, indiferente, mau de cama, zuadinho, feio, coxinha, mala/introvertido, in the closet, não-intelectual/close-minded, pouco afeiçoado a política ou de direita, consumidor de produtos culturais basicamente ianques ou da Globo, ou mesmo desinteressado por produção cultural). Em outras palavras, os caras pelos quais eu fui mais louco na minha vida - com ou sem reciprocidade - estavam próximos de serem investidos desses qualificativos.

Tenho visto que propor pensar a Coisa Linda-Eros-relação a partir do vínculo, da reciprocidade, da intensidade, da liminaridade/abertura etc., em oposição à monogamia e a construtos confortáveis e eficazes, mas problemáticos, como namoro e fidelidade, tem sido fator de insegurança para ambos. Este tem sido um pilar de diferenciação contra o qual estamos lutando juntos - de bom grado, voluntariamente e felizes.

Estamos indo bem ali. Tem uma outra coisa, no entanto. Aos fins de semana, ficamos morgando. O fato de eu não estar muito bem de grana contribui pra isso, uma vez que os rolês dele envolvem bebida, balada, drogas etc. - embora tudo seja barato. Os meus rolês que, além disso, envolvem amig_s de escolarização diferente da dele e teatro, cinema "alternativo" (sempre odiarei este uso do termo) etc. - coisas com as quais ele não está nem um pouco habituado -, não lhe soam muito animador. Estamos nos gostando muito! Parece que temos um compromisso, então, que é o de trocar nossas referências sócio-culturais. Já enunciei isto entre nós, inclusive.

Me parece que o único fator que não mobilizou meu interesse a esse moço tanto quanto em relação ao Neerlandês (16 x 22), é o fato de ele não ser um intelectual (péssimo termo) - e isso tem relação com a coisa da política etc. No entanto, ele se encaixa um conjunto invejável de aspectos que o tornam muito especial e desejado por mim:

se veste bem | carinhoso | bom de cama | gostoso | bonito | porra-louca | simpático | assumido | grandemente open-minded

Cara, porra-louca e assumido são coisa rara, viu?

Enfim, não se trata de um esforço de racionalizar algo que é, na minha opinião, elementarmente impassível de ser tão hiper-codificado. Na primeira parte deste ensainho, mostrei como a diferença implicou em afastamento (sobretudo social) em casos em que eu não desejava tal distanciamento. Se diferenças foram usadas ou não como pretexto para operar esse movimento mutuamente centrífugo, não acho todavia que tenha sido gratuito que as mesmas tenham aparecido como conteúdo do background enunciado ou escancarado nos casos supracitados.

Fica de subtexto uma coisa até que meio romântica: afinal, que sentimento, que compromisso é forte o suficiente para que diferenças soem menos como distância e mais como adorno, riqueza, valor? Tal sentimento existe? Para nós, que não vivemos no clã dos Montéquio e estamos apaixonados por um Capuleto, quais são as possibilidades de agência para desafiar essas diferenças? E como o sentimento mais ou menos intenso de estar ao lado de alguém interfere ou articula tais inflexões? O que jogamos fora junto com a reiteração da norma, e o que estamos dispostos a fazer quando desejamos mais ou menos estar ao lado de alguém?

Na segunda parte do ensainho pensei em como ando concebendo minha Coisa Linda-Eros-relação. A questão esboçada é simples; como conduzir a coisa toda para um lugar em que a diferença continue honestamente agregando-como-riqueza, e não distanciando-como-apreciação-normativa. Vale a pena então pensar mutuamente na construção e negociação de sentidos para a Coisa Linda-Eros-relação. Vale a pena pensar também na potencialidade da troca; a troca é capaz de produzir, ampliar e transformar os qualificativos envolvidos. Estou falando de (i) mudança de valor/status para um qualificativo (subúrbio deixa de ser distância, passa a ser adorno), (ii) troca de conteúdos atinentes a um qualificativo (eu ouço Azealia Banks e ele discute rumos da política comigo) e (iii) criação de conteúdo (voilá! - na balança estética, aquele boné com dizeres em inglês realmente me cai muito bem).

Juro que estou fazendo uma análise a posteriori. Não escolho tipos, os tipos - em devires mais ou menos pontilhados - me escolhem. Não penso e pratico o meu mundo de vínculos assim de maneira fútil. Estou apenas buscando instrumentos para pensar meu passado e meu presente. Tive dois objetivos aqui: registrar meu desagrado com os fantasmas normativos, e apontar passos possíveis pra mim, que quero praticar afetos intensos.

Bjs

s/t [p/ A.]

.............se eu pudesse responder
.............à altura que eu quisesse
..........seria mais....que grave ou agudo!
que uma tal paz.......em...face...a...tudo
(p.ex. cê me atura) e em que pese
....................seu esforço em saber
- qualquer encanto, qualquer jura -
ah!.........se eu pudesse responder,
...em face ao peso, pesando tudo,
responderia quieto,
.................................calado,
..............................................mudo
..........................você
...................................iria
........................................entender

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A maldição da rosa

Dir-se-ia que, a cada rosa que entregasse, estava fadado a submeter-se à contagem regressiva. Não resistia, todavia, à tentação de presentear a cada um daqueles rapazes com quem se enamorava com o regalo. Em um primeiro momento, a rosa lhes causava parcial consternação. Por demasiado significativa, ou saturada de belicidade, os coraçõezinhos prenhejavam de brotoejazinhas coloridas, algumas denotavam dúvida, outras puro júbilo. A surpresa e o encanto, contudo, preenchia-lhes a face de distensões até antes nunca catalogadas pela história dos rostos amantes. Passados alguns dias, ou semanas, de repente viam-se entediados, qual o pretume que lhes acometia o botão, ou mesmo as sediciosas pétalas a se suicidar. A rosa, qual um presságio de mau agouro, anunciava então prematuro clímax, aclamava um final de bóstax. O nosso jovem apaixonado, entregue, jamais entendeu a razão de uma tal guinada em suas odisseias. Entrega-se aos álcoois, sempre disponíveis corpos outros, amigos e vícios ciclísticos e musicais, um violão aqui, uma roldana lá, pensando, "será o meu maior erro amar rosando?". Ele está certo de que sua resposta será sempre errada. Mas prossegue, insistente, teimoso, obcecado... Sabe que uma vida sem rosas, é uma vida sem cor, sem cheiro, e sem os sorrisos largos, autênticos, calorosos, das pessoas que tanto queremos bem.