Teoria Geral das Coisas I: Notas de rodapé
Anexo A: Do Sexo
A revolução estética será iminente quando da supressão da dualidade (e bipolaridade) sexual. Durkheim, Mauss, Hertz e todos esses antropólogos nos tentaram provar a a recíproca entre sociabilidade e religiosidade, polaridade "estrutural" e funções sociais. A mulher sexual é socialmente construída enquanto função para ser submissa na relação de poder entre os gêneros sexuais. Não é tanto uma relação natural e necessária com fins de reprodução como Aristóteles o concebeu: é antes um efeito do movimento social, algo cujo pioneirismo de Mead acusou, tornando patente a condição de maleabilidade das funções sociais sexuais. A polaridade religiosa portanto não responde totalmente às intenções da dimensão sexual.
Eu nunca li Clarice Lispector. Isto é, não a li por enquanto. Entretanto, certa vez um amigo disse em uma discussão -que por sua causa tornou-se caótica (seja lá o que possa ser interpretado como caótico)- que a celebrada ucraniana escrevia como uma mulher. O comentário pode ser considerado incendiário, polêmico, radical e perigoso como uma porta -que, para machucar alguém necessita que tal alguém seja talentoso. Entretanto, existe algo que escapa do alcance da interpretação de que se tratou de puro machismo. Não sei se é verdade, porque a minha ignorância acerca do assunto -como já colocado- não me permite conjecturar nada consistente (apenas hipotético, mas vocês entenderão o porquê de tudo isto logo), mas eu creio que, no fundo, o que o meu amigo queria dizer, era que a condição de mulher inevitavelmente trazia uma carga de feminilidade patente na obra da autora (o que soa como óbvio), o que para o meu amigo -e aí haveria um pouco de machismo, de fato- seria a dificuldade das mulheres, em relação às quais os homens seriam mais versáteis.
Quis dizer isso tudo porque hoje, ouvindo a feminíssima Andreia Dias, que é um produto pop, entendi com precisão que, pressupondo que a sociedade é sujeita a mudanças de seus membros sexuais e sociais, a supressão da polaridade tradicional nesse aspecto, que me soa como uma tendência da metrópole. Acho que posso citar Regina Spektor como um símbolo dessa geração de mulheres que impõe seu respeito na concepção de um estilo pretensamente inovador, mas inequivocamente feminino, não apenas vaginal.
No fundo, o sonho universal pós-tropicalista (e talvez neo-tropicalista), o sonho da brasilidade paulistana, me aparece intuitivamente -e agora eu posso explicá-lo racionalmente- simpático à androgenia e à teoria queer; ontem os Dzi Croquettes (talvez Secos & Molhados também), e hoje Solange, Tô Aberta! e Teu Pai Já Sabe?, contribuintes underground (o último, contudo, em menor medida, simplesmente pelo pedante caráter doutrinário da cultura punk) da subversão das funções sociais (inclusive das extra-heterossexuais) são personagens de biologia masculina (e aqui eu de fato corro o risco de parecer controverso com meu próprio argumento). Entendo agora o projeto político d'Os Mutantes e da banda americana The United States Of America; Arnaldo, Sérgio e Rita, Moskowitz e Byrd: pioneiros do som universal que efetivamente suprimiram as divisões sexuais em suas carreiras.
Dentre as mulheres cito Hilda Hilst (que conheço pouquíssimo, a única referência que tenho de sua versatilidade é de duas páginas de um texto ótimo -cujo nome não faço ideia qual seja- que foi recitado para mim há um ou dois anos) e Marli. Aquilo que portanto não foi realizado nas duas bandas supracitadas -no fim do último parágrafo- foi, para além da inclusão, a subversão dos papéis sexuais.
A crescente liberalidade sexual, em relação à qual os pais da geração do ego-herói citadina fazem parte por seu legado, é um dos termos da brasilidade paulistana.
Tentei, neste anexo, esclarecer as mudanças da dimensão sexual e social que são patentes na brasilidade paulistana. Tentei fazê-lo explorando os padrões de gosto, o movimento contemporâneo da arte pop e, especificamente e predominantemente, dentro disto tudo, o gênero musical de massa. A Arte de uma sociedade é reflexo da produção efetiva dos homens dessa sociedade (codificada ou não em pluralidade, ideologia, espetáculo, indústria cultural e todos esses termos). Espero que tenham entendido por que este texto é um anexo da Teoria Geral das Coisas I: a subversão dos papéis, a revolução estética, o sonho do domínio da brasilidade paulistana devidamente historiografado etcætera, são algumas de suas facetas.
Discordarão de mim do caos da universalização? Discordarão do quão bom será? Discordarão do processo? Discordarão de conceber juntas esteticamente a sub-humanização do Projeto B, a política de Marli, a agressividade de Solange, Tô Aberta! e a feminilidade elétrica da Andreia Dias?
O surf acontece aqui efetivamente. Espero ter contribuído para a cognoscibilidade dessa teoria geral.
Funcionalismo Sexual
Mais ou menos bonito, o que é em medida controverso.
-Opa, você sabe onde é o puteiro?
-O puteiro?
-É, onde tem um puteirinho aqui. Não tem um puteiro aqui na região?
-Olha amigo, tem um mas, hum, eu acho que 'tá fechado. Lá na Bonsucesso.
-Ah é? Mas como eu chego lá, é...
-Segue aqui e vira a direita e é lá na esquina, você vai ver, é uma casa amarela, mas eu não sei se 'tá aberto, não 'tá com jeito.
-Ah, beleza, eu vou lá. Obrigado!
-Por nada.
Eu fui para casa, e ele foi tentar dar uminha na noite sem estrelas.
Amor Irreversível VI
Não apenas difícil, mas impossível amar outro.
Penso nas possíveis noites regadas a beijos, madrugadas beijadas até o suspirar do dia, no êxtase da vida na mais potente das atemporalidades.
Impotente, na verdade, na mentira o luxo do hedonismo.
Hedonismo na cidade tem nome, e se chama impotência.
A ciência não descobriu ainda o milagre do prazer pleno. Simplesmente porque o prazer pleno não deve existir mesmo; se existisse fórmula que efetivasse essa quimera onírica, certamente ela seria o tiro no pé da humanidade. Pois olha só o que nós fizemos com essa fração minúscula do que podemos chamar de amor pleno: desvastamos cidades, engravidamos crianças (com moralismo e amor-alismo), passamos em décadas a seres vegetantes e carentes de anti-depressivos.
Não dá, não dá, e não é nem fruto da crítica social moderna.
Não dá pra amar se não for você. Não dá pra gozar se não contigo. Eu não quero ter que lamentar simbiose, porque a real graça de viver é justamente acompanhar os altos e baixos dos diversos vínculos nos quais estamos acorrentados. E aquele que não tem vínculos certamente, se nunca os teve, é o mais feliz, e se os já teve no passado, é o mais infeliz dos homens.
Não dá pra ser feliz se não for com você.
Não me importo se daqui a dez anos eu direi esta mesma frase para outro. Me importa agora, a saber você, que eu não posso me imaginar sem que você consista em parte, que a minha vida seria outra, intuitivamente uma menor, sem você, que te estimo, e esta estima só tem uma inimiga, ou amiga incondicional, que é o tempo.
Não dá pra ser feliz se não for com você.
Eu te amo.