terça-feira, 25 de março de 2014

Textos feitos numa aula de antropologia

Alguém podia me dizer, chamar de lado, no intervalo, Eros, não olhe assim desse jeito para aquela garota... É confusão o que você quer? Pessoas ao redor assentiriam timidamente, mas eu estou acostumado - desde que virei uma pessoa - a ser mesmo o único que discorda.
Aquele vestido, responderia, orna suas curvas, valoriza seus ângulos, expressa excelência na composição estética, estende o deleite cromático de sua pele... Apesar da minha falta de credibilidade, suscito estranheza e surprezinha. Ele começa a responder, tá, tá, mas se gostou do vestido, ainda assim, pode fazê-la passar por um constrangimento desnecessário, admira o vestido, mas, mas... No seu balbucio residiu meu trunfo:
- O quero no §¢£@#$%&.
Até a cafeteira cessou seu canto acafetado. Restou a respiração dos bancos de concreto, da frondosidade das copas das árvores e do meu coração-escola-de-samba.


Fui mordendo a caneta. Quando ela enfim entrou toda dentro de mim, começou a pintar em minhas cavidades, um estilo rupestre esferográfico. Se o cúmulo da vaidade andava sendo passar batom na boca do estômago, soube que podia ostentar - para algum escafandrista que ousasse saltar goela-tobogã abaixo - uma vaidade anti-vaidosa, anti-estética.


As rugas daquela antropóloga tem muitas habilidades ocultas. Além de suar a partir de movimentos faciais, elas
I - Conseguem pensar em mais de uma coisa, e trocar de obsessões
II - Andar em dois pés durante horas sem tropeçar
III - Fazer macarrão com queijo
IV - Cantar uma música dos Los Hermanos inteira sem esquecer um verso
V - E sabem que sair de casa/s já é se aventurar!


Moço, antes de hoje andei tendo um passado. Esse passado foi marcado por alguns grandes eventos. Não é só que acordo pensando nesses dramas todo dia. Vê esta pele? Estas vísceras? Foram tecidas através desses eventos. Mas hoje, o dia de hoje, não é sobre como me enredei até aqui. Isso aí eu já tô cansado. O dia de hoje é sobre se posso, quando e como vou me enredar a você.
Mas não tenha pressa. Estou em paz.


Cabelo curto, semi-estrábico, alargador, barba, tatuagem, bigode, camiseta colada, corpo desejável, bermuda bem servida, pernas mordíveis, meia soquete...
Teoria queer, pós-estruturalismo, estudos culturais, antropologia contemporânea, geografias da sexualidade, etnoarquitetura, pós-colonialismo, música, teatro, bicicleta...
Chocolate meio amargo, queijo, vinho seco, cerveja, macarrão, sorvete de iogurte, damasco, coxinha, coca-cola, atum, grão-de-bico, batata, feijão branco, maconha...
Praça, largo, rua, parque, cinema, bar, botecão, balada, cinemão, supermercado, calçada...
Elogios gratuitos, bocas convidativas, amores desentrincheirados, brisas irreversíveis nas tardes paulistanas, devir noturno, solidariedades ecléticas potentes, furtos à deriva e reapropriação de mais-valia, dias que quero, deitar na grama, publicar um artefato meio amargo em uma rede por aí, deslocar entre minha vidas, surfar em cabeças, corpos em trânsito, pé na cara, viver poesia intensamente...


O intercambista lindo e boliviano gaguejava à medida em que o rufar insistente e encadeado das caixas se aproximava da sala de aula. Meu coração tremia... Foi bom ter vivido até agora, mas alguns medos ainda são corriqueiros. Cf. Minhocão pulando com o peso dos foliões; Ponte Eusébio Matoso em uma das manifestações ativistas das quais participei.

sexta-feira, 7 de março de 2014

28/2/2014

nos enlouquecemos. um par de abismo, nós, nossos pares de abismos oculares. todos sabem que você enlouqueceu, inclusive o teu séquito de gente que hoje me odeia mais do que você. eu sei também que estou louco, e uma prova disso é o fato de eu continuar te defendendo aos quatro ventos mesmo que vez ou outra alguém mal-intencionado me diga que você não quer me ver nem pintado de ouro. ontem tive a oportunidade de olhar penetrantemente nos teus olhos. mais uma vez brigávamos. mas, desta vez, era teatro - como se um dia não tivesse sido.
doce saber que (ainda) não estamos imunes a nós mesmos.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Sobre trabalhar com sexo, ou Do sexo como trabalho.

Os meus amigos todos estão procurando emprego... – ou praticando modalidades sofisticadas e chiques de subemprego. No fim da graduação, é o que todo recém ingressante naquela que muitas vezes é considerada a mais prestigiada de todas as instituições públicas de ensino superior do Brasil, após um via de regra traumático processo seletivo, não julga possível esperar do futuro. Eu, em vias de me formar, após quatro anos de um treinamento exaustivo na área de Ciências Sociais, com professores com atestado de excelência e pedrigree que com frequência ultrapassa as alfândegas nacionais, um curso de setenta anos em uma universidade tradicional, posso dizer que estou prestes a ostentar um diploma de, como andou circulando ano passado, “gente de humanas que faz um monte de coisa que não dá dinheiro”. Eu, e muitos dos meus colegas que espreitam através da fechadura esse futuro turvo e embaçado, assombramo-nos com os versos atualizados da Legião Urbana: voltamos a viver como há quatro anos atrás, e a cada hora que passa envelhecemos dez semanas.
Até o fim do ano passado, minha bolsa de pesquisa era complementada por uma mesada cedida pela minha tia, correspondente aos quatro anos esperados da minha formação – não ao semestre adicional, que é praxe na trajetória dos meus colegas. Esse complemento, a partir de janeiro, poderia ser substituído por algum trampo informal que eu eventualmente arranjasse, uma vez que a bolsa supõe uma fidelidade capciosa; uma das condições para se ter acesso a ela, é não estabelecer vínculo formal de trabalho. Isto é, está vedada a possibilidade de conciliar pobreza e estímulo à produção de pesquisa na universidade pública em que estudo, pois, quem vive apenas com uma bolsa de quatrocentos reais (172 dólares, 124 euros) por mês em uma das cidades mais caras do mundo?
Havia uma série de opções aí; divulgar currículos em estabelecimentos comerciais (loja, restaurante), garçom, bartender, atendente de telemarketing, caixa de supermercado, funcionário de limpeza, limpador de pára-brisas, babá, camareiro, passeador de cães, transcrições de áudio (algo em que cheguei a trabalhar, e enxergo como possibilidade futura), flanelinha, entregar papeis com propagandas na rua, vendedor de quiosque em metrô, garoto de programa; todos trabalhos que poderiam ser praticados nos limites da formalidade, alguns mais rentáveis que outros, alguns mais complexos e infinitos que outros. Havia outros que exigiriam mais know-how, networking – e outros termos em inglês –, mas talvez implicassem em vínculos mais formais ou grande investimento de tempo, o que ofereceria um risco à permanência da bolsa, quatrocentos reais garantidos e upgrade a constar no meu currículo acadêmico (lattes mais alto que daqui eu não te escuto): monitor em cursinho pré-vestibular, professor particular de alguma coisa como português, geografia, história (algo em que obviamente eu não tenho competência alguma), músico de barzinho etc.
Não há um modus operandi estilizado e formatado, um manual de instruções, uma Bíblia, um Solfejo, as Regras do Método Sociológico, um Mankiw, para se trabalhar como prostituto. Fiz laboratório na rua, em um ponto perto de casa, logrei em um fim de semana uns trezentos reais, além de uma fissura no meu pênis, trágica efeméride, um encontro calamitoso entre um prepúcio sobressalente e um aparelho dental fixado no céu de uma boca qualquer. Conheci inesperadamente um cara no reveillon que havia decidido passar à deriva. Na tarde seguinte, a primeiro do ano, lá eu ia atrás do meu primeiro recorde, oitenta e cinco reais. Com meu colega de trabalho aprendi macetes da profissão, como acordar valores, utilizar o Chat UOL como ferramenta e trabalhar em equipe. Depois de uma semana intensa de trabalho, afastamo-nos por razões pessoais – vicissitudes envolvendo afeto e ética em um métier em que ambas se tensionam, e se amalgamam-se podem constituir-se em ameaça à produtividade.
Trabalhar com sexo tem garantido uma rotina – ainda subvalorizada – de trabalho inferior em tempo e esforço a outras jornadas semi-formais disponíveis. Uma amiga minha trabalha que nem uma camela – e olha que as camelas trabalham, viu? – de segunda a sexta em uma empresa de telemarketing, pra ganhar menos do que eu (vale-refeição e plano de saúde subtraídos da conta). Nos últimos dois meses e meio, trabalhei algumas horas (refratadas na seguinte proporção – estimativas cabeçais: 90% de procura de clientes no Chat UOL, 6% de locomoção, 4% efetivamente de sexo), mobilizei-me com este fim na média sete dias por mês, e faturei na média 150% a minha bolsa de Iniciação Científica, o que superou inclusive razoavelmente o valor das mesadas que eu ganhava da minha tia – ah! se eu soubesse disso antes...
Mas sempre, sempre aquela impressão atrás da orelha de que se está fazendo algo completamente errado.
Certamente, para as pessoas que sabem comigo que a bolsa de Iniciação Científica do CNPq me impede de estabelecer vínculo formal de trabalho (e isso inclui estágio, o que, para a minha trajetória de carreira profissional pessoal – dois anos e meio de engajamento na pesquisa acadêmica – sinaliza um currículo voltado para um profissionalismo acadêmico, um futuro talvez pouco confiável e financeiramente gratificante para um graduado em Ciências Sociais), há uma expectativa de que eu me fixe a partir do fim da graduação em outro campo de trabalho, que de uma forma ou de outra implique em aproximação com um plano de carreira menos... difícil. Mas...
Difícil é admitir que existe algo cristalizado na minha cabeça que indique planos de largar este “freela informal” – uso a categoria porque a julgo útil para qualificar o tipo de atividade profissional que andei praticando. Mas não estou obcecado em afirmar que esta é uma atividade estritamente profissional para fazer crer ao/à meu/minha interlocutor/a de que se trata de um métier esvaziado de prazer, e retornar à breguice do resgate etimológico dos termos labor (dor) e trabalho (tripalium, um instrumento de tortura medieval). Pelo contrário, acredito que ele é extremamente prazeroso e, para alguém que anda se debruçando sobre “sexualidade” a partir de referências oriundas das ciências humanas, este trampo se apresenta como um lugar para refletir a respeito de práticas sociais e sexuais envolvendo meu próprio corpo e mais, testar efetivamente os limites e matizes dos meus desejos. Algo que eu descobri recentemente – acho que demorei para perceber –, por exemplo, é que qualquer coerência possível numa articulação entre ereção e desejo não procede, de forma alguma, para mim. Ao mesmo tempo, em tensão, desejar e ser desejado são peças fundamentais para gerar empatia entre mim e alguns dos meus clientes. Todas as vezes em que expresso desejo pelos meus clientes, há um órgão intumescido (algo que não aconteceria caso o objeto que mobilizasse tal inchaço fosse uma mulher ou uma criança) e um desejo dissimulado; um desejo parcialmente encenado, conceções múltiplas.
Então, tem sido relativamente prazeroso e, de certa forma, rentável trampar nisso, porque, além dos habituais cem reais – suposto objetivo central –, tenho ganhado em experiência, fazendo algo que gosto muito: meter-me em buracos – sem infâmias ansiosas: conhecer casas, conhecer pessoas, entrar em contatos com gente out-of-the-bubble, conhecer e praticar fantasias, desenvolver contatos profissionais e nutrir relações amistosas com colegas de trabalho, descobrir desejos possíveis em mim, mapear concepções sobre desejo e sexualidade de pagantes, surfar em conformações de “tensores libidinais” nunca dantes navegadas, passear por São Paulos outras, surpreender-me etc. etc. etc. Tal como minha pesquisa sobre cines pornôs a partir de abordagens agrupadas nos ditos campos de antropologia e estudos de gênero e sexualidade, trabalhar com sexo – também usando meu corpo como agente e núcleo a partir do qual teço gestos e reflexões –, e nos moldes em que tenho trabalhado, tem viabilizado entrar em um devir profissional que possibilita aprendizados e vivências desejáveis para outros âmbitos da minha vida.
Não me importo muito com a pecha de “vagabundo”, trata-se apenas da reiteração de um repertório muitíssimo antigo, numa sociedade cujo costume de valorizar e hierarquizar pessoas a partir de práticas profissionais remete a tempos imemoriais: risos! Acho que sou um “vagabundo profissional” então. Passo tardes e noites – e inclusive manhãs! – praticando um treinamento baseado em uma formação eclética e interdisciplinar: teatro amador experimental, antropólogo e sociólogo, militante LGBT, bichassexual, treino em diferentes meninossexualidades, figurinista, cinismo aplicado, agenciador de um repertório de práticas sexuais atualizante, convivência com campos semânticos distintos – estrategicamente acionados –, circulante paulistano, domínio de ferramentas virtuais, marketing pessoal, empresariado autônomo etc. etc. etc. Passar uma tarde no Chat UOL escrevendo as frases certas, convencendo as pessoas de coisas que eu não sou, enviar fotos adequadas, gestualizar da maneira correta na webcam, agir da maneira correta pessoalmente, falar as coisas certas, ter um desempenho sexual adequado, o corpo aceitável... E o melhor, no meio do caminho, o aceitável, o adequado, o correto mudam, o que implica em adquirir continuamente um certo traquejo para lidar com situações adversas.
Como michê, eu me empresario, e as sociedades que nutro com colegas encerram-se nos contratos estabelecidos, 50% para cada uma das partes, às vezes pago uma breja para celebrar as alianças. Trabalho 100% autônomo. Adquiro com os clientes diversas modalidades de relação, alguns mais fixos que outros. Me empresariando enquanto gê pê (garoto de programa), tenho controle total dos gastos e lucros. Agora, o dinheiro que vem do CNPq... Eu sei é lá de onde vem! Eu só sei que o meu esforço enquanto pesquisador-júnior é subvalorizado em relação ao dinheiro que ganho agenciando meu corpo.
Qual é a diferença? Um é trampo de aluninho uspiano, e outro de vagabundo. Um é digno e o outro é indigno. Indigno? O que é um emprego indigno? Indignar-se com a promessa infrutífera de prestígio ou financiar meu estilo-de-vida cotidiano com a monetarização do meu próprio $êmen? Um trampo é mais digno na medida em que você se escraviza ao longo da carreira? Bom, se for este o caso, mesmo o trampo de pesquisador na área de antropologia parece muito mais razoável, prazeroso e desejável do que uma porrada de outras coisas que eu poderia fazer. O que o faz mais digno que o ofício de garoto de programa? O label USP tatuado na testa? Em defesa de que algumas pessoas à minha volta se mobilizam através do pressuposto de que esse freela só pode ser mero delírio passageiro autodepreciativo? Mas eles/as querem ser prolixamente cuidadosos.
Você tá se cuidando, né?”, uma interpelação facilmente convertível em “Obviamente, você está se controlando!”; um controle compulsório sobre o meu corpo, limite supostamente concedido à minha integridade neste processo de devir-puto. “Mas é até o fim da Iniciação, né?”. Sou instado a produzir uma série de justificativas para me apresentar pessoalmente para pessoas que circulam na minha faculdade como profissional do sexo. Se eu me apresentasse como engenheiro para as pessoas que conheço, teria de fazê-lo com ressalvas? Alguns pés-atrás são promessas de rasteiras.
Mais! Ainda devo uma resposta a uma estirpe de argumentos borbulhados de pensamentos feministas pré-jurássicos, operados por conhecidas com xoxota. A elas só posso treplicar: com meninos tende a ser diferente, ainda que isso não soe consolador.
Enfim, estou com meus amigos procurando mais que um emprego, um futuro! Não acho que alguém pretende fixar-se para sempre como meta a ser assistida na vida em uma carreira do tipo subemprego, informal ou que envolva grande risco e estigmatização. Não acho que voltei a viver como há alguns anos atrás, e que o que me resta é assistir meu rosto definhando na medida dos meus insucessos. Me encanta, pelo contrário, uma infinitude de possibilidades que posso tecer a partir dessa minha vida, vivências afetivas, amor às ciências sociais, buracos metidos. Entregues os alvos e a artilharia, definitivamente, só posso dizer que me aproximar da abjeção, do esgoto, do submundo me dá tantas asas, que eu não posso almejar uma vida menos alada que essa que eu vivo me permite.

segunda-feira, 3 de março de 2014

viadinho lamber pés

Numa das relações sexuais mais eletrizantes da minha vida, ele me via mijando no box do banheiro com olhar admirado.
Na cama, poucos minutos depois, eu lhe disse, você pirou em mim mijando né? Respondeu assentindo como uma menininha.
Então por que você não enfiou a cabeça debaixo do meu pau enquanto eu mijava? Eu não sei a diferença entre você e um ralo.
Ele sorriu, seus olhos brilharam, uma quase-lágrima fulgurou como reflexo de uma fonte de luz que não havia no ambiente. Balbuciou, como quem é acometido pelo cuspe do cupido: Obrigado.


-vamos supor que eu te mandasse uma foto do meu pau... o que você faria?
-eu lamberia a tela de joelhos, me masturbando...


tenho tantos planos pra gente...
abaixou a cara na webcam e ficou olhando para a mesa, como se esta fosse capaz de lhe consolar...