quarta-feira, 25 de novembro de 2015

pres'tenSão

eu deveria prestar atenção em tanta coisa, gente.
no cabelo da garota, na mala do garoto. no perfume da professora. no pomo de Adão da Luana. na frescura do saco voador, cheio de pentelhinhos, e prestar atenção nos nós dos pentelhinhos do saco também, e na doçura pipocante das auréolas de Angélica, e as auréolas são angelicais mesmo.
deveria prestar atenção durante a lactação, não me entorpecer, e nem deixar que a maconha faça eu dormir e o bebê bater o côco, e nem deixar que o pó me faça chorar. eu, pelo contrário, deveria prestar atenção nos meus sentidos, autocontrole autoconsciente, deveria fazer ioga, teatro e compostagem caseira. e, claro, prestar atenção, como cidadão, ou como cidadã, no meio ambiente, deixar o modem em standby, jogar o conteúdo do meu moon cup no quintal.
deveria prestar atenção no que diz a minha mãe, porque eu sinto que ela vai revelar um grande mistério. e deveria prestar atenção também no grande mistério da política, pois não sabemos quando virá o golpe, se virá, ou se será revolução, de quem, e contra quem, e quais cabeças serão erguidas, quais encerradas, quais rolarão.
deveria prestar atenção no zodíaco do twitter, porque sinto que uma faceta importante da minha subjetividade está sendo jogada fora por eu não ter acesso aos significados astrológicos. deveria prestar atenção no que fala a minha analista, pois ela estudou pra me entender e, se ela me entende, por mais que isso possa doer, eu devo ouvi-la.
devo prestar atenção na tabela do Brasileirão, pois, se meu time me decepcionar pela sexta vez seguida, pode ser conveniente estudar uma mudança de filiação. também devo prestar atenção na vizinha, porque deve ser um sinal que, toda vez que ela passe por mim, ela ajeite o cós, de forma que sempre eu tenha chance de vislumbrar o contorno rendado da sua calcinha invariavelmente lilás.
devo prestar atenção no trampo, porque a meta está chegando, e se eu não fizer quinze rounds no período de quatro dias, periga da minha chefe sofrer decréscimo de cinco pontos, atrasando meu bônus e forçando um remanejamento da equipe. daí, meu filho, seriam uns sete shoot downs consecutivos.
devo prestar atenção nos textos da disciplina de Cultura Brasileira. não quero repetir nesta altura do campeonato, procrastinar só vai fazer minha mãe ficar puta e eu gastar dinheiro que poderia ser aplicado no presente de aniversário da Luana ou em Smirnoff Ice.
devo prestar atenção nas dálias, que estão baratas, mas também nas espadas-de-são-jorge, que, crescendo portentosas, certamente têm algo a me dizer no plano espiritual.
deveria prestar atenção na opressão cometida contra a minha subjetividade, e também olhar para o sofrimento do outro. deveria dar meu ombro para o repouso da cabeça cansada, e ainda com o braço oposto erguer a mão em riste contra o sistema e lutar pela transformação. e, no meio disso tudo, deveria prestar atenção até em ser feliz.

mas por enquanto eu só olho atônito a vitrine de chocolates enquanto minha cabeça esmagada exala o cheiro sanguíneo da convalescência e o chão tinge de enrubrescido horror pela fatalidade do acidente na madrugada de quinta.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

o teatro épico
a vida é pica


te quEROS


HAPPENIS


a vida dele em slow motion

eu via seu movimento em slow motion, a costura inferior da sua cueca denunciava uma série de propriedades com precisão: a maciez da pele, a elasticidade do músculo. seu rosto sincopava entre angústia retorcida e alívio exagerado. abafado, seu couro cabeludo sublimava em gotas, na testa caindo, do boné preto, como o resto da roupa.
seu pênis, escultura difícil de aventar, passeava de um lado para o outro. para a bunda magra, escorregava uma gota feliz pelo tobogã esforçado da lombar. o cócix dilatado pontuava a vértice da letra S na extremidade oposta.
lágrimas involuntárias orvalhavam cada milímetro rumo ao chão. em slow motion é possível observar o momento em que irrompiam, depois o tráfego gravitacional e o salto dos suvacos. seu suor era orvalho, mas também vapor.
em slow motion ele era perfeito. muito tempo se passou. vão-se os fôlegos, os músculos, os vigores. fica marcado, no rastro de suor, a memória, mais viva do que em algum dia pudéramos ser.


o neném que Esther nunca teve

– a Esther não pode ter neném.
silêncio. a sentença sugeriu algum sentido no meio daquele absurdo todo.
– é?
– ela teve acidente.
ele, o garoto, desejou muito que o assunto não lograsse. odiava esse lado pateta dos seus clientes. os fixos, sobretudo. há segundos o infeliz berrava METE METE LEKÃO!, agora incipiava no velho choramingo do fracasso. viajara quarenta quilômetros numa Mercedes, pagara quinhentos reais pelo serviço, cento e quarenta e cinco pelas horas bem passadas no motel, aproximadamente trinta em Galicia, sete em cigarros, e agora o véu irresistível do fracasso nublava-lhe a fronte.
Newton, o jovem rapaz de ângulos imodestos, esse sim tinha um nome público. sua vida dupla nunca fora dupla, senão infinita, intermitente. temeu antever mais um chororô barroco. temeu, aliás, o pior. o pior não aconteceria, mas era lícito temer. uma vez um velho auto-defenestrou-se do segundo andar. o filho da puta foi burro, burro em cascata, otário em cadeia, agora maneta, preferiu relegar-se voluntariamente ao ostracismo. Newton aguarda dele alguma quantia – cuja quantidade de dígitos ignora – da indenização moral, pelas noites mal dormidas entre os aidéticos – quase um acidente de trabalho irreversível, que o Estado jamais assistiria.
Newton sobrevivera aos grilhões tetânicos, e agora mais uma vez se via agrilhoado aos lençóis cansados de um motel de bons ares em Cotia. não, ele não queria ouvir mais uma história de um fracassado rico e bem casado – FRACASADO é como batizara o nicho.
Newton tinha que agir.
– sabe como escreve meu nome?
– ué!
e riu. as pessoas medíocres reagem à criatividade rindo involuntariamente.
– sei.
– como é? soletra!
ele foi soletrando buscando confirmação com o franzir interessado do cenho.
N, I, L, T, O, M.
– Errou.
– É com N!
– Errou!
– É?
– É como... Se escreve como o, o, o, o físico. Sabe?
– Físico?
– É, o, o, o, esqueci o primeiro nome. TÃNÃNÃ Newton...
ele aprofunda a cara dolorida de dúvida.
– o da maçã e da gravidade.
– Aaaaaa! É assim?
– É.
– Olha...
Newton olha pra dento de si mesmo, tem um espelho no teto. sorri, não pela eventual surpresa que causara em seu cliente, mas pela eficácia da fuga da lorota patética. de que poderia tornar-se uma vez mais vítima.


ontem o levei para matar o zumbi e resgatar nosso precioso fone_de_ouvido.
Tadinho nos esperava no inferno.
nunca uma quantidade tão grande de EU TE AMO foi traduzida em proporção e de tão precisa maneira.
estou ficando bom nisso.
ou ele que está ficando bom em ser amado.

quero um dia dar a Lua pra ele.
vi isso num curta-metragem em 2014.
acho que dá.