quarta-feira, 11 de setembro de 2013

de repente eu sinto essa saudade de você

como um sentimento de olhar para as próprias roupas e vê-las desbotando sem saber o que fazer
olhar para uma grande multidão que se dirige para um penhasco, consciente e convicta
sentir congelar cada célula do corpo, sem que resistir contribua para restaurar os próprios movimentos
ouvir "Pedaço de mim" do Chico Buarque
cambalear quente pelos cômodos do aposento, desafiando suas amigas a perceberem que o motivo por detrás dos seus passos rotos é aquela meia garrafa de vinho que você resgatou como um cachorro desenterra um osso
a tentativa frustrada de fazer aquela cueca cair-lhe bem, aquela que um dia já lhe caiu
o toque da gata que te assusta como uma falsa promessa de bomba nuclear
acordar a cada segundo de sonos intranquilos
porque
você
não
está
aqui
comigo...

domingo, 8 de setembro de 2013

Sentimentos dentro de sentimentos. O amor que tenho sentido trai com tenaz falta de responsabilidade as próprias convicções. Extra! O tal amor é um inconsequente, um irreversível. Com azulada falta de interesse beliscava amores outros, furtava pequenas porções de vida feito subtrações infames de barras de chocolate mal protegidas em grandes lojas de departamento. O amor-ladrão-de-colherinhas-de-boteco encontra-se agora desfigurado, em apenas um dia passou de um mero cleptomaníaco sofisticado para um grosseiro ladrão de joalherias, ávido por sangue, pelo sangue puro daquele pelo qual hoje bate.

Luz acesa, cheiro de incenso barato, Droga!esqueci a luz acesa mais uma vez. Portas destrancadas na madrugada vil e tardia, nem ligo, vou em direção ao banheiro. Batidas fortes enquanto mijo, ué!que porra é essa? Nem balanço nada, as gotas de urina tingem o samba-canção. Se meu samba-canção cantasse, certamente cantaria o ódio pelas lágrimas amareladas do meu pau.
Quando retorno para a sala-quarto, me deparo com ele, meu coração. Bate forte, mas sem resfolegar, empunha uma arma, não sei qual, não entendo de armas, e também jamais imaginei que ele pudesse entender.
Devia ter imaginado, lhe disse.
Que tens um coração?, respondeu cínico.
Pff! Que te traz aqui esta hora?, fingi desinteresse.
Pensei que estava o tempo todo aí, aponta ressentido para o meu peito.
Ah é?, penso um pouco antes de falar. Bom, está, mas, pela primeira vez está e não está. Que aconteceu? Saltou pela minha boca enquanto eu escovava os dentes?
Você é assim sempre? Até comigo?
Fingindo impaciência e desprezo, lhe digo:
Patético. Chega de sentimentalismo e diz logo para o que veio.
Vou me matar, diz como quem pede uma pizza por telefone.
Rio um riso estridente, algo entre nervosismo e incredulidade.
É? E eu vou morrer junto?
Por consequência lógica, sim. Mas não se preocupe, é praticamente instantâneo, geralmente as pessoas temem, mas...
Você está blefando!, interrompo sua fala como quem joga a toalha prematuramente.
O coração ergue os ombros melancolicamente, e aponta a arma para si próprio.
Calma!, esbravejo, Não faça isso! O que você fez, quer dizer, o que fizemos?
Este menino. Você tem que tomar a decisão certa. Se quiser que eu continue batendo no teu peito, né?
Não entendi. É uma ameaça? Que menino, o Allan?, eu estava confuso.
Esse!, impaciente, o coração acariciava a pistola como se, por masturbar um objeto fálico, esperasse que este atirasse sua munição espontaneamente.
Então, se até agora eu entendi, a pergunta certa não é "o que fizemos?", mas "o que vida fez de nós?", digo contemplativo.
Não me interessa suas perguntas, só suas respostas!
Você não está sendo injusto?, ponderei. Quer dizer... O que está ao meu alcance? Estava tão afobado que sequer conseguia formular frases com o mínimo de coerência.
Você tem que escolher, disse friamente – tanto quanto podia –, o coração. Ou ele, ou eu!
Arregalo meus olhos, tenho que segurá-los para que não pulem de perplexidade, lembro de como eles combinam com os teus, como se conheceram e ainda querem conhecê-los mais.
Espera, gaguejo como se o coração quisesse saltar pela boca, o que isso significa?
Significa, toma ar, que você tem duas opções: ou você preza pela minha integridade física e sanidade mental e desiste do garoto, ou faz um milagre, vai junto com ele na mala do avião, acorrenta ele no pé da cama.
E se eu não escolher nenhuma dessas?
Aí eu nos matoo coração suspira aliviado como se tivesse desabafado.
Mas, mas..., formulo em um misto de desespero e indignação, e se eu simplesmente não puder escolher apenas entre uma dessas?
Resignado e convicto, o coração responde:
Eu só posso lamentar...
Eu não posso fazer nada!, declaro.
Claro que pode!, o coração toma partido, mas mente para si mesmo. Você não o ama porque quer! Se pudesse, esqueceria!
Esquecê-lo? Prefiro morrer!, digo resoluto, meio sem pensar. O coração bate muito forte, mas dissimula a preocupação respondendo:
É para isso que estou aqui!
Espera!, Não sei se quis dizer isso! Ainda tenho vinte dias, não?
O coração respira enfadonho.
Vejo agora quem é o verdadeiro pateta. Já pensou no seu último pedido?
Tudo o que eu mais quero é tê-lo, sentir sua pele, tocá-lo com meus olhos, amar o castanho-claro da sua íris, mergulhar nos sedutores recônditos mais belos e protegidos de sua alma, sentir o cheiro do seu carinho, os músculos retorcidos da sua boca, sorver seus pensamentos, sentimentos e sua saliva, apertar seu peito e amassar seus cabelos, ouvir a melodia da sua voz, beber seus líquidos, passar minhas mãos pelos seus volumes, entrar em sua vida de cabeça, tamborilar seus joelhos com a ponta dos meus dedos, pensar como ele pensa, tatear suas florestas, cultivar seu sorriso lindo e ser feliz ao seu lado. Enfim, sorrio.
Não é um pouco demais?, o coração, desconcertado, permanece incerto.
Sempre foi.
Lá fora a luz do dia cega os olhos.