terça-feira, 26 de janeiro de 2016

intervenção em discussão recente sobre estupro em lugar de pegação

se o rolezinho favoreceu os estupros ou não, o fato é que o evento trouxe visibilidade para a pegação do Bananal. o que deve ser feito com cuidado, então, é pensar as relações (se existem; quais são) estabelecidas entre um evento marcado pela presença de pessoas jovens de diversas orientações sexuais e o espaço convencional de pegação entre homens.
agora, pelo que eu sei, as relações de pegação entre homens tendem a ser marcadas pelo consentimento.

outros pontos: (i) socialização generificada não é obrigatória e inequivocamente idêntica. (ii) não vejo a promiscuidade indiscriminada meramente como um dado intrinsecamente relacionado à demanda pelo cultivo do tesão como um fim em si mesmo - a adesão acrítica a este argumento, pra mim, é falso moralismo. acho que a apropriação dos espaços públicos para sexo entre homens inclusive, historicamente, viabilizou a concentração de pessoas socialmente estigmatizadas.

concluindo, acho que estupro é uma questão muito séria. mas a caça às bruxas no Bananal se presta a um objetivo claro, que é o de purificar o espaço "público" informado por um conteúdo moral acerca das práticas que lá se estabelecem.
é transferir a responsabilidade de uma violação-de-fato a uma população facilmente estigmatizável.
é uma inferência brutal e extremamente conveniente (a de que a frequência de homens se pegando esteja relacionada aos estupros _mais do que, talvez, a existência de um espaço escuro que não pode ser mexido, já que é reserva natural de flora); temos os ingredientes para a construção de um pânico moral e um inimigo comum. pra equipe de des-comunicação do Brasil Urgente, experiente em criar esse tipo de discurso, aliás, é mais do que conveniente.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Durante parte substantiva da minha vida enchi a minha boca para vomitar as palavras mais sujas tipo boiola ou baitola ou viado, esses hiatos maravilhosos, que você enche a boca. Boi-o-la. Bai-to-la. Aí não é hiato, mas também começa com ditongo decrescente e é paroxítona. Vi-a-do, esse também é hiato, também é trissílabo. Eles não resistiam, os boi-o-las, a cada vez que eu lhes xingava, ficavam ruborizados de tesão, não resistiam, gemiam, retribuíam com notas de dinheiro, sempre múltiplos de cinquenta. Hoje, tem o arquétipo do viado medíocre. Eu penso nele como o arquétipo do viado medíocre. Entrei no pó por causa dele. Descendente de libaneses, empresário de comunicação autônomo, bem sucedido, subúrbio classe alta de Curitiba. Alto, franzino, uma hérnia na virilha, magro. Ligeiramente corcunda. Cada dobra escura de pele sob seus olhos equivaliam a um ano de pó. Cinco sob cada um. A força e a vontade levaram-no para dentro da pequenez do quarto na casa dos pais. Lá ele pode reinar. Trinta anos, bem sucedido como falei, mais até que os próprios pais. Preso dentro da pequenez da sua paranoia. Na cama era entusiasta das maiores difamações, o risco o excitava. Eu lá, cantando Geni e o Zepelim no sótão da casa dele. Quando passaria a ser claro para os pobres dos seus pais, seus escravos, que ele trazia pra dentro de casa os seus concubinos? Desprezava o irmão, um rapazote inacabado, claramente teve problemas de desenvolvimento motor e cognitivo. Abotoava até a gola as camisas Polo, cuidadosamente as cobria pela calça social, o cinto preto. Que torpe... Vejo ele implorando para rasgar a sua roupa e ouvir o estalar do cinto — senão da fivela — sobre o seu dorso. Nunca aconteceu, para além dos chutes, dos socos, tapas, mordidas e humilhações intermináveis, feminilizantes, desqualificantes, desumanizadas. Boi-oila. Li-xo. Ca-de-la. Usava uma pomada nas bolas para não ter ereções. Assim garantia que o meu pau estivesse sempre rijo e maior do que o dele. Me deu um tênis de marca... Para que pudesse tirá-lo e passar horas passando a língua por entre cada um dos dedos dos meus pés. Vestia meias-calças, vermelhas, rendadas. Me dava cigarros, brejas... Hoje, se o visse, destroçaria sua cabeça com um só golpe de bastão de beisebol. Não que eu me arrependa da tortura simulada. Mas que passei da hora de tolerar a mediocridade dos outros.