segunda-feira, 17 de julho de 2017

delirante fábrica de encontros -- o mais relevante o encontro de si consigo mesmo --, o caderno é uma grande utopia. nele, uma mente singular e singela pode demonstrar a temerária capacidade de criar e edificar mundos, searas, babilônias. a cidade que eu invento esta noite, é tecida pelos trajetos que você realizou. nada suntuosa, ela é feita sobretudo de sorrisos. aqueles seus involuntários, eu diria, criaram instantâneos pontos de referência. aquele sorriso, seguido de um brilho no olhar, lembra? criou uma praça inteira. aquele beijo-mácula, reinventou um velho e tão-conhecido bar. a utopia, que translado da cuca para a folha tão concreta quanto amarela, é essa tentativa vã de dar vida e solidificar a cidade que você foi construindo ao redor no meu delírio desejoso. restam algumas questões de cunho técnico, ladras da minha desalojada paz. se eu arremessar este opúsculo ao mar, a cidade submerge? se eu fazê-lo, então, em direção ao Sol, a cidade incendeia? quedará arruinada no caso de eu trucidar o libelo e avarias suas folhas? ou nada disso seria preciso para fatalmente vê-la e senti-la pulverizando o intervalo de uma piscadela? o asfixioso drama de deixar esta cidade aqui, fechar a brochura e encarar o ponto final.


história de uma cueca

eu a vi dando sopa sobra a porta de um dos box do vestiário da SmartFit Campos Elíseos, desbotada e esgarçada como deveria ser, e com o presumido olor que fazia dela mais especial: que pau teria ela guardado em sua enigmática história? teria sido ela para sempre fiel à mesma pessoa como costumam ser as cuecas no geral? ou estaria eu raptando-a de sua prometida genitalidade? cheirava a amaciante, mas pelo menos me servia bem. oito meses se passaram desde então. tenho uma belíssima foto na Cachoeira das Andorinhas em Ouro Preto, em que a dita está lá, toda chavosa, cobrindo minhas partes qual tarja de coisa obscena. no dia de hoje, oito meses depois, veja bem, um cliente me pediu a roupa -- era (quase tão somente) ela que eu vestia. relutei muito, nunca aceitei essa proposta, mas como ele fosse jovem e afável, cogitei uma troca. após algumas Budweiser, perguntei seu número. M. as minhas normalmente são G. esta inclusive era. ele, contudo, teria nela a certeza de que seu dono a para sempre a havia maculado. éramos jovens nesta tarde. convicto da minha heterossexualidade, o cheiro do verdadeiro macho ali residiria para sua fruição. ele conhecia (bem) o pênis que ali residira, coisa que eu sequer sabia quando a furtei de algum homem presumidamente heterossexual. hoje a cueca era minha. agora era sua, dele. saí de seu apartamento com uma Lupo branca. as cuecas podem ter muito a contar do que supomos. elas guardam intimidades mais íntimas que nós mesmos.

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