quinta-feira, 20 de novembro de 2014

memória topológico-afetiva

durante longo tempo da mi'a vida fiquei sem pedalar. gosto de pedalar, pois posso traçar linhas que desafiam os parâmetros urbanístico-legais do uso do espaço urbano no que tange à mobilidade.
pedalar distorce a identidade entre auto- e andante: traçar um zigue-zague entre rua e calçada pode significar
1) traçar estratégias de movimento para além das indicadas pela urbanização.
como não há fiscalização institucional sistemática, tal uso estratégico do espaço é tacitamente chancelado por tod_s. ufa!
2) questionar o lugar de determinda forma-movimento. existem lugares em que o pedalar é desautorizado de acordo com diferentes formas de autoridade (placas de trânsito, diretrizes do uso de rodovias, viadutos e estradas, exercício contigencial de autoridade de bosta, periculosidade aguda reconhecida pel_ ciclista). além disso já ouvi berros de protesto de motoristas de carros do tipo "sai da rua" - uma objeção ao CTB, pelo ouvido -, bem como de vocativos de mesma natureza emanados de pedestres-andantes - estes sim legalmente amparados. certa vez, um ciclista que pedalava rente ao bordo brigou comigo por estar subindo a Rebouças através das imensas e inóspitas calçadas em horário de rush. ainda assim considero o seu protesto mais ameno do que as (mortais) fechadas de ônibus e táxis entediados pelas faixas especiais - nunca entendi o que fazer quando o bordo está sendo ocupado por uma.
a ciclofaixa de lazer, opera contraditoriamente nessa economia da negociação: como admitir aquilo que já está admitido? ao indicar hora, lugar e função para a forma-movimento-biker acontecer, ela indica concepções vigentes no espaço urbanístico sobre seu uso. é por isso que a Massa Crítica (ou Pedalada) rechaçou - e não celebrou - a tal ciclofaixa de lazer na Avenida Paulista: bike não é lazer!
mesmo as ciclovias parecem operar supondo a existência de dois suportes de fato: um seguro e um "não-vai-dizer-que-eu-não-avisei".
enfim, o lugar da forma-movimento operada a partir da bike está em franca negociação. _s atores/atrizes não-pedaland_s, no trânsito, quando se manifestam, na minha experiência, tendem a recusar o lugar para a forma-movimento-biker. mas a melhor pessoa para definir o lugar dessa forma-movimento, tem que ser _ biker - ou simplesmente, _ pedaland_.
então, a precariedade do reconhecimento de um lugar para essa forma-movimento, favorece certa autonomia para a experiência d_ pedaland_ (ao passo que a definição de tal lugar é, em experiência pessoal, precária).

FIM: voltando ao início, fiquei um bom tempo sem pedalar. há um traçado, de mais ou menos cem metros, em uma calçada, contramão para os carros, que fica entre o metrô Tatuapé e a minha casa, e que é uma delícia de ser realizado pedalando (pequenos deleites abandonados por quem ficou sedentário uns dois anos). voltei a frequentar esse trecho há pouco mais de um ano, trecho este que me remete sobretudo aos meus tempos de colégio e talz. há aí uma memória afetiva do solo, pouco comum a nós que estamos condicionados a usar o chão como suporte de movimentos vagos, limitados, toscos, utilitários (andar, sentar, deitar).
blocos de casas aqui na Cidade Mãe do Céu estão sendo convertidos em estacionamentos. um quarteirão inteiro já foi demolido, e se anuncia a primeira torre de uma seção da malha urbana cuja horizontalidade treme ameaçada.
junto com o fim das velhas casinhas tatuapeenses, a sensação um tanto ingênua de que o tobogã irregular formado pelo conjunto de calçadas que me remetem à minha adolescência está fadado a desaparecer, e com ele, uma forma muito particular de experienciar minhas memórias, meu passado e minha cidade.

Nenhum comentário: