segunda-feira, 18 de novembro de 2013

o homem do pau mole

"...para mim 'ser humano' e 'respeito à pessoa' não me diz nada, é conversa fiada. Não tenho a menor vontade - concordo, minha situação é diferente - de ser um 'ser humano'; não quero que me respeitem, pelo contrário. Se alguém passa a mão na minha bunda, fico muito feliz. Se alguém assovia para mim na rua, isto me enche de alegria"

"...a morte de Pasolini não me parece nem abominável, nem lastimável. Até acho que foi muito boa. Tão menos banal, por exemplo, do que um desastre de automóvel. Se é para morrer, eu, de certa maneira, a desejo para mim e para todos os meus amigos"

Guy Hocquenghem

o homem do pau mole

suave, lhe disse. suave na nave, me respondeu. suave na nave repeti, como quem encena com desgastada vontade de não parecer enfadonho, mas acompanhando um suspiro de pura ânsia. passeando pelo shopping, me perguntou, aqui é grande, respondi perguntando, gostava das vitrines, e assim seguiram as dialógicas interações. logo as revisitamos, coisa de uma hora, parece que foram duas, mas foi umazinha só, ele me perguntou, depois da terna casquinha - que lhe deixou encasquetado com misteriosa minha generosidade -, me disse, se eu não tivesse chegado em você, você teria chegado em mim. achei que tivesse sido só eu o primeiro a nos desbravar, mas admiti um possível engano, só que não durou muito, que minha cabeça estalou como se o eco profundo de uma escadaria de emergência de um shopping derrubasse suas estalagmites e estalactites. foi pioneiro suave meu que inaugurou nosso tiroteio de interpelações. ele concordou. foi fácil, já que estava encantado pela sua esquisitisse, teria sido difícil pelo fato de seus olhos me enganarem na sanitária incursão, olhando apenas quando os meus desistiam.
em uma segunda, obviamente.
o que gosto de fazer, ainda lambíamos o sorvete de marrom e branco, gosto de andar de bike, eroticamente, está curioso, e eu lhe respondo sim, e então elocubramos todas as modalidades possíveis de relações sexuais envolvendo bicicleta.
parece futebolista você, corintiano, com alvinegra essa camiseta manchada e esse boné de mano. fico feliz de parecer descolado, me desafiou, não, não, corintiano. então, fico feliz de parecer acéfalo, e também ser intelectual, nu e um tanto.
zapeando assuntos, explotation, após um convite cujo sucesso foi polida procrastinação, me disse, e se eu estiver apontando uma arma para você por debaixo da mesa, como em Inglourious Basterds, ao que só pude assim reagir, eu teria uma ereção.
(na escada irreversíveis amores. imiscuíam quase pré-puberes pêlos, nossos vinte e uns. mais tarde me pediu um telefone em pedaço de papel. te ligo no sábado. podemos ir ao MASP, você gosta de museu, coisas culturais. pareceu aflito e consciente. estranho que dói. sexy de tão estranho que dói.)
ele jamais sorriu. te ensinaram a sorrir, lhe perguntei. enquanto nos labiávamos e linguávamos, mais de uma vez tocou meu pescoço como se desejasse apreender com exatidão seus tecidos, fluxos, músculos, com fins de, com precisão, censurar-me a respiração e tirar-me a vida. toquei mais de duas vezes o volume da sua calça, que enigmaticamente abrigava pedaço de carne frouxo, flácido e inerte. tenho mais de três motivos para achar que ele é um serial killer homofóbico. como em Cruising. como em L'inconnu du lac. mas* não me importo, pois quero morrer de amor.


*como venenosos pratos de Gula, do Veríssimo filho.

Nenhum comentário: