segunda-feira, 7 de outubro de 2013

algumas anotações daquele caderno com a capa do Jardim das Delícias Terrenas, do Bosch, que a Eugênia me trouxe de Madri

tem samba que só no título é samba
e gente que é legal até a página dois -
mil - e - treze tem sido um ano para o desapego
e eu não pego mais ninguém - se for pra amar
eu não estou confuso, o samba samba na cabeça
os dedos sambam a caneta no tecido do meu corpo
eu estou branco, estou preto neste samba em que não há a-
manhã vou acordar num dia que não quero



Gi

Agitar os ovários
até os canários
de manhã Cantar
fazendo poesia
com nossos corpos
até o dia raiar

Eu

Agitar os contrários,
vacilar os armários
de manhã Dançar
na noite paulistana,
início de semana
até meu corpo raiar



21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10... vinte e um dias! faz vinte e um dias que nos vemos diariamente, esses vinte dias e esses vários beijos, interstícios, fugas, um olhar que me arranca o fôlego, um toque clandestino atrás de uma lona de barraca, um beijo tímido na praia, um beijo ávido na praia, meu pau duro no forró, um susto gostoso na minha vida, olhares cruzados no café da manhã, uma ternura vulgar, vulgar são meus sonhos, o anseio por ver-te levantar do banco de ônibus, lágrimas que escondemos, notícias inconvenientes, a vida que eu mais queria, sorrisos incandescentes, incandescentes são seus toques, e, de repente, a partida mais temida e horrorosa da minha vida.
hoje não dormimos juntos.
amanhã não nos veremos.



as funcionárias e funcionários da padaria na USP me chamam "jovem".
- Café com leite sem açúcar, jovem!
lá fora, aqui fora a falta de luz do sol me olha com a perplexidade que tem os olhos da cadela Frida, mesmo soFrida não me Kahlo.
experiencio guerras atômicas entre sentimentos.
experimento parágrafos curtos.
em um exercício de reflexividade admito que eles também me experienciam. na verdade não entendo como a dor se torna ponto final. se eu que sinto a dor, ou a dor fica me sentindo, curtindo a minha dúvida, a minha angústia... o quanto essas cartas do cárcere estão me escrevendo?
escrevo poesia como quem crê em um mundo paralelo, senão cercado por livros ambulantes - como em Farenheit 451 -, então poluído por figuras de linguagem, as traduções das traduções das traduções.
ele me disse que todo dia lembra de pelo menos duas coisas escrotas que fez comigo. eu também. incrível como até aqui estamos juntos.



as suas pequenas tentativas - que foram nossas, que são, talvez -, tão sinceras, tão amáveis, são evidências, são pequenos grandes sucessos.
nosso amor, tudo o que lindamente vivemos foi bem descrito por você hoje no telefone. em formato esférico, túrgido, ou em forma de coração, cheio, apertado, denso, nosso amor está todo ele sustentado por um fragilíssimo fio de tênue e obstinada teimosa-vivência. e o nosso papel, hoje, é amar sobretudo este
fio.
com.
todas.
as.
nossas.
forças.



thI - A - E

não é tanto o terçol no meu olho esquerdo o que me azucrina. nem tanto os problemas e as severidades por ter cedido à tentação no almoço do dia 23 - ou 24 - e cair na piscina. não uma valsa na esquina. nem a estarrecedora ambulância e sua estridente tercina. não é a aterradora buzina - daqueles que resistem de terno sob o sol escaldante ou gelada garoa fina.
ter.
ter-vos.
ter tremedeiras de perdê-los.
problemas. de pronomes.
cascatas que se desdobram, triplicam, ao cubo.
cada parte do meu peito que vacila, é um terço, e cada ciclo de orações finda às três da madrugada.
e todas essas trivialidades por mim tergiversadas, não têm mais a ver do que com a afobada e serena sensação de ser. mos. três.



a iminência do espirro

passo no USPão e compro, como de costume, um pingado. então, sinto que vou espirrar, com uma espontaneidade tal, que não seria jamais capaz de pousar meu copo de café com leite quente sobre qualquer superfície plana e estável. portanto, me encontro na desconfortável posição de não deter controle inequívoco do futuro. não sei, por não conhecer a intensidade do espirro e os impulsos precisos que o mobilizará, qual a quantidade de café que se derramará sobre o meu braço e minha camiseta de manga comprida, e talvez no meu crocs e assim, no meu pé. não sei se alguma área sofrerá algum grau de queimadura, não se se o açúcar provocará aquela desconfortável sensação de que se é uma meleca. não sou tão capaz de vaticinar os danos que o espirro causará, pois ainda há a possibilidade remota de o meu corpo mobilizar gestos contra-catastróficos, meus reflexos ligeiros, rápidos como encadeada fora a situação. assim, não descartaria o alarme falso.
minha vida está essa iminência do espirro - o momento exato, exatamente prévio à tragédia, dura e tragicamente congelado.

tenho aprendido a viver nessa situação. na verdade, vivido bem, até. não me preocupo mais tanto com esse futuro dado, uma vez que o futuro já havia começado e eu não havia me dado conta. estou mais interessado em futuros outros, e tentado mostrar para as pessoas que a vida entre a consciência do espirro e seus efeitos temíveis e imprevisíveis é não só possível, mas desejável. na verdade, o que temo hoje, acho, é a consumação do espirro.



como que por uma revirada volta - T. retorna clandestinamento ao meu coração clandestino - mirei retro & ativamente este passado recente. se, banais, me escapam formulações genéricas - não obstante verdadeiras - do tipo "tenho te amado mais que muito nesses dias tais", não sou menos vítima de miriateísmos portáteis feito "fulgura a Lua como mera tentativa albina, alta & ávida de presentificar certa ocular e castanha beleza, que todavia, por a ti pertencer, jamais dela será, num lunar e exitoso fracasso". toda a minha consideração a ela, mas certamente, perto de ti, será menos que um satélite.
satélite - tadinha - não és, satélite soy yo. um satélite meio confuso, confesso, transitando entre dois sóis, duas órbitas de gravitacionais e interestelares campos.
ao meu redor apenas redes e linhas, que me novelizam, que me enredam em pretos cachos, espalhados heterogeneamente em uma riqueza de topografias a serem desvendadas à exaustão.
como num Brasil, castanhos que desvelam longínquas paisagens, depressões insuspeitas, florestas de negra cútis, pântanos de cândidos tesouros... na saborosa numismática dos nossos possíveis - deliciosas e alvas poças que misturam desejo com abortos -, sou o insaciável tio Patinhas a deslizar meus gostos por superfícies banhadas pela vida interrompida e convertida em suculenta moeda.
gozam minhas papilas gustativas de você.



Teu cheiro ainda está em mim

não sei bem a certo se você possui o perfume que comprou na loja
ou se de repente o cheiro que ontenta teu corp'escoço suculento foi na verdade roubado pelo tal perfume
eu lá não tenho grilos - desde que o frasco vil, possuindo-te com moderação, não esgote a fragância-esta, frescorosa flor do cerrado
nos empesteamos esta madrugada
nos imiscuímos, promiscuímos olores, procrastinamos odores e prostituímos fedores
até ultrapassarmos o meio dia, como deliza-liz o R teu, no boa taRde teu
minha mão está com o seu cheiro
pudesse imaginar com detalhes um mundo em que, para cada quente-Júlio aperto de mão eu empreendesse, multiplicassem aromas-esses, um fantástico mundo em que todos exalassem tal juliano perfume, que de tão cheiroso me fizesse perder o metrô
bom...
teu cheiro está em no meu corpo
ou será que este cheiro era meu o tempo todo
- e eu não sabia?



canção da solidão segunda-feira
canção da segunda-feira só

I

só.
sozinho na plataforma da estação anhangabaú.
lembro e sinto nós não com a condescendência implausível daquele que entre certa antipatia por um massacre ou etnocídio. mas tremo pavorosamente como alguém que sabe o que é à força ter o couro fatiado, acompanhando de perto a chaga que destrói e carcome o peito de alguém próximo, um familiar, um amigo importante, talvez.
não sem rancor escrevo estas palavras sobre esta parte de mim que, acometida por uma paixão ao avesso, cedeu à capilar penetração de uma mediocridade cosmética e de um desinteresse endêmico.
pobrezinho, não é mais o mesmo, e os fiapos de nossa história atual - que sem saber se é bom, me acompanham - só me arrematam sofreres.
disto que é hoje, tenho medo e horror, daquilo que éramos, só lamento, somente.

II

só.
sozinho entre as estações brás e bresser.
nunca entendi direito você, que me acusa de nunca ter querido lhe entender. nunca nos entendemos plenamente. isto não é objetiva e necessariamente ruim. acho que, quando nos abríamos ternamente - jamais esquecerei daquelas cervejas na frente da PUC -, e você tem em si uma ternura deliciosa quando quer, era como imergir num oceano delicado de sensibilidade e coisas bonitas.
de um certo momento em diante, passamos a discordar com perigosa recorrência. do meu ver, parece que não havia nada em mim com o que você pudesse concordar, fosse minhas ideias, sentimentos, sensações, práticas afetivas, opções estéticas, posicionamentos acadêmicos, relação com nossos amigos, teu namorado - que fora um dia amigo meu -, e agora discorda até da possibilidade de nos comunicarmos e, quiçá, da minha existência.
em um certo momento, concordar com você parecia ser obrigatoriamente discordar de mim.

III

só.
sozinho na passarela do metrô tatuapé.
meu coração tremeu a cada vez que chequei meu e-mail hoje, sonhando em encontrar nele menor sinal que fosse. tremeu quando colhi o envelope - tão vazio estava - com apenas um mero guia de exame médico e um par copiado de chaves da minha casa. a cada SMS que recebeu ao longo do dia, tremeu temerosamente. tremeu quando estive tomando pingado e comendo pão na chapa com um amigo na nossa padaria. e tremeu muito - quase saiu por algum buraco meu - quando deixei um bilhete na sua porta, apertei a campainha e corri pro elevador.
tremeu e tá tremendo de ansiedade e medo.
ansiedade de te ver e tocar e sentir, medo de perder teu tato e olhar e tudo em você que me faz tão feliz.

IV

só.
sozinho andando pra casa.
vendo a foto tirada em Madri, lembrei da tua magreza ousada. não exatamente uma mera magreza magra - não! certamente isso não! -, mas aquela que fornece os passos sensuais e trilhas inóspitas - mas, óbvio!, desejantes - do teu corpo. a porta de entrada deste parque exuberante é certamente a afabilidade gratuita do seu sorriso amigável, e a plataforma de identificação se processa no protocolo hipnótico de apreciação ocular. decerto, e ainda bem, tuas durezas e malemolências são labirínticas e não me permitem jamais sair.
mas, ainda que houvesse sabida saída, jamais dela faria qualquer uso.

V

só.
sozinho na cozinha de casa, a casa que recusaste conhecer.
embora estejamos tão distantes - okay!, confesso, não é a maior distância que conheço, e já estou ficando mestre em distâncias -, tua doce fragrância - da qual certos perfumes têm oportuna e sensatamente se apropriado - enche todos os aposentos em que entro - ainda que a única parte material daquela noite que ainda não tenha sido lavada seja a camisa prostrada na cadeira azul que está na sala. e mais, como não a lavei, também não o fiz com a minha alma.
com saborosa intensidade, teu cheiro abandonou a Ceilândia e inundou a minha vida nos vinte e três minutos e dezesseis segundos em que nos falamos por telefone.
com uma nostalgia de quem ferve de lembrar do calor da presença única de uma certa pessoa única em uma madrugada única, suspiro flores e sonho com mais dias saturados do seu perfume.
quem sabe (em) novembro?

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